domingo, 17 de outubro de 2010

A oração, serve para alguma coisa?


por Harold Segura

A pergunta é capciosa, não há dúvida, mas válida se considerarmos que vivemos numa época onde impera o funcional e o pragmático. Hoje não há tempo para o incerto e o intangível. O mistério do divino foi ocultado por nosso racionalismo funcional. Por isso, nos perguntam: Por que crer no céu como solução para os enormes problemas da terra? Não haverá meios mais eficazes e decisivos para acabar com as situações indignas do ser humano? Em outras palavras: Podemos orar e estar seguros de que serve para alguma coisa?

Estas são inquietações honestas que surgem, sobretudo, ao se olhar a realidade angustiante de nosso mundo. A fome, a pobreza, a corrupção, a violência e a exclusão social, entre outros problemas, nos desesperam e nos conduzem a buscar soluções práticas, nas quais não se concede lugar algum à oração. Este ceticismo se percebe, inclusive, frequentemente entre cristãos que trabalham a favor da transformação humana e do bem-estar integral dos demais. Um ceticismo que, em alguns casos, transforma a fé em ativismo e a esperança em messianismo humano.

A vida e os ensinamentos de Jesus nos recordam da centralidade da oração. Para ele, a oração era a forma de se manter em contato permanente com o Pai, de submeter-se ao escrutínio de Sua vontade e de receber a inspiração para continuar anunciando e tornando presente a realidade do Reino de Deus e da sua justiça. Jesus orava em privado, em público e muitas vezes se unia a seus discípulos para praticar a oração comunitária. Sempre cuidou para não cair nos riscos da oração ritualista, carente de sentido e ação, como era a oração dos religiosos do seu tempo. Lembrou aos fariseus de que suas longas orações não serviam para nada — eram apenas uma desculpa a mais para sua religiosidade carente de justiça e misericórdia para com o próximo.

Mas, serve para alguma coisa? Não serve de nada quando se desliga do compromisso cotidiano com a causa do Reino de Deus e quando se divorcia da vida e da história. Não é cristã a devoção que se separa da ética. Kant, o célebre filósofo alemão, já assinalava que o ser humano se eximia de atuar moralmente orando. Por isso, a oração era, para ele, literalmente mera estupidez.

A oração de nada serve, sejamos sinceros, quando paralisa as ações e justifica a falta de compromissos. De nada serve quando aliena a existência e serve como desculpa para a injustiça. A isso se referia Jesus quando disse: “Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês devoram as casas das viúvas e, para disfarçar, fazem longas orações... (Mateus 23:14). Suas orações, ainda que longas e eloquentes, não eram mais que palavrórios mal intencionados para ocultar o despojo. Daí, a dureza com que Jesus as condenou.

Mas serve para muita coisa, e parece crucial, quando vai unida à ação e quando se integra na totalidade de nossa vida cristã; quando é súplica sincera que busca conhecer a vontade do Pai e quando conduz ao compromisso efetivo com essa vontade revelada. Jesus orava: “…contudo, não seja como eu quero, mas sim como tu queres” (Mateus 26:39).

Desse modo, devemos ressaltar o binômio oração-ação para que nossas orações não fiquem na retórica litúrgica mas que conduzam ao cumprimento da vontade de Deus no mundo. Mas para que nossas ações, por mais esforçadas e nobres que sejam, também não se convertam em ativismo insignificante, onde Deus — o “totalmente outro” — fique ausente e eliminemos assim a possibilidade do sentido de nosso compromisso como cristãos. Orar e não agir é tão errado como agir sem orar.

Oração e ação são um casal que não deveríamos divorciar; para que nossas orações sirvam para alguma coisa e para que nossas ações levem a algum lugar. A chave volta a estar na velha regra monástica Ora et labora, como ensinava São Bento.
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Harold Segura é teólogo, escritor e coordenador de Compromisso Cristão da Visão Mundial para a América Latina e Caribe. Foi um dos oito observadores não católicos na V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e Caribenho, realizada em Aparecida, SP, em 2007. É colombiano mas mora há alguns anos em San José, Costa Rica. É autor de Além da Utopia — Liderança Servidora e Espiritualidade Cristã (Encontro Publicações, 2007) e de Para que Serve a Espiritualidade? (Ultimato, 2010).

Um comentário:

  1. Caro

    Temos tanta pressa que não sabemos para onde estamos correndo
    grande texto do Harold

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