sábado, 28 de novembro de 2009

Bonhoeffer: A vida e a morte de um mártir moderno - PARTE I

Nascido na riqueza, Dietrich Bonhoeffer, seguia para uma carreira brilhante como teólogo, até passar a ver a vida ‘sob a perspectiva daqueles que sofrem’, na Alemanha nazista, o que lhe custou a vida.

Em 1942, o pastor luterano Dietrich Bonhoeffer enviou um presente de Natal à sua família e amigos que estiveram envolvidos num plano para matar Hitler. Era um ensaio intitulado After Ten Years (Depois de dez anos). Nele, Bonhoeffer lembrou a seus companheiros de conspiração dos ideais pelos quais eles estavam dispostos a dar suas vidas. Em suas palavras: “Nós aprendemos, de uma vez por todas, a ver os grandes eventos da história do mundo de baixo para cima, das perspectivas dos proscritos, suspeitos, maltratados, impotentes, oprimidos e injuriados – em resumo, da perspectiva daqueles que sofrem”.

Conforme ele analisava as várias razões pelas quais eles tinham que matar Hitler e derrubar o governo nazista, Bonhoeffer lhes falava do exemplo de Cristo. Jesus, de boa vontade, arriscou sua vida defendendo os pobres e proscritos de sua sociedade – mesmo ao custo de uma violenta morte.

Na época de sua prisão, a vida de Bonhoeffer tinha se tornado uma jornada de entrelaçamento, na qual ele tinha entrado por causa desta “visão de baixo para cima”. Sua vida lhe tirou de uma confortável posição de professor universitário à liderança isolada de uma oposição minoritária dentro de sua igreja contra seu governo. Ele saiu da segurança de um refúgio fora do país para a vida perigosa de um conspirador. Ele desceu dos privilégios do ministério eclesiástico e o respeito dado a uma família nobre, para sua dura prisão e mais tarde sua morte como traidor de seu país.

Determinação de aço - Poucas pessoas teriam predito que o jovem Bonhoeffer terminaria como um conspirador político. Nascido em Breslau, em 1906, Dietrich era o quarto filho homem e sexto filho dentre todos (sua irmã gêmea, Sabine, nasceu momentos depois). Sua mãe, Paula von Hase, era filha de um pregador da corte do Kaiser Wilhelm II. O pai de Dietrich, Karl Bonhoeffer, era um famoso médico psiquiatra e professor na universidade.

Quando era um rapazinho de 14 anos, Dietrich surpreendeu sua família declarando que não queria nada mais do que ser um ministro da igreja. Este anúncio provocou uma pequena consternação entre seus irmãos homens. Um estava destinado a ser físico, o outro, advogado; ambos eram pessoas de sucesso, para quem o serviço na igreja parecia um trabalho que não obriga ao trabalho ou responsabilidade para a burguesia, algo inferior a eles. Seu pai sentiu-se da mesma forma, mas ficou em silêncio, preferindo conceder a seu filho a liberdade de cometer seus próprios erros. Quando sua família criticou a igreja como egoísta e covarde, um lampejo da determinação de aço de Dietrich surgiu: “Neste caso, eu a reformarei!”.

Um “milagre teológico” – Seguindo um costume de família, o jovem Dietrich estudou na Universidade de Tübingen por um ano antes de mudar para a Universidade de Berlim, onde morava a família. Na universidade, ele veio a estar sob a influência do conhecido historiador da igreja Adolf von Harnack e o estudioso sobre Lutero Karl Holl.

Von Harnack considerou Bonhoeffer como um grande historiador da igreja em potencial, capaz de um dia subir no seu próprio pódio.

Para tristeza de von Harnack, Bonhoeffer dirigiu suas energias do mundo acadêmico para o dogmático. Seu maior interesse ficava nos campos associados da Cristologia e da igreja. Sua dissertação, The Communion of Saints (A comunhão dos santos), foi completada em 1927, quando ele tinha apenas 21 anos. Karl Barth o celebrou com um “milagre teológico”.

Nesta dissertação, Bonhoeffer declara numa sonora frase que a igreja é “Cristo existindo em comunidade”. A igreja para ele não é nem uma sociedade ideal, sem necessidade de reforma, nem o ajuntamento de uma elite cheia de dons. Pelo contrário, ela é tanto uma comunhão de pecadores capazes de seres infiéis ao evangelho, quando é uma comunhão de santos para quem servir um ao outro deve ser uma alegria.

Triste encontro com a pobreza – Como ainda não estava na idade mínima para ordenação e precisava de experiência prática, Bonhoeffer interrompeu sua carreira acadêmica. Ele aceitou uma indicação como pastor-assistente numa igreja em Barcelona que tendia para as necessidades espirituais da comunidade de negócios alemã.
Seus meses na Espanha (1928–29) coincidiram com as primeiras repercussões da Grande

Depressão, dessa forma a vida de pastor em Barcelona deu a Bonhoeffer seu primeiro triste encontro com a pobreza. Ele ajudou a organizar um programa que sua igreja estendeu aos desempregados. Em desespero, ele até mesmo implorou por dinheiro à sua família para este propósito. Num sermão memorável, ele lembrou ao seu povo que “Deus caminha entre nós em forma humana, falando a nós naqueles que cruzam nosso caminho, sejam eles estranhos, mendigos, doentes, ou mesmo naqueles mais perto de nós em nosso dia a dia, tornando-se a ordem de Cristo em nossa fé nele”.

De volta à Alemanha, Bonhoeffer voltou sua atenção para sua “segunda dissertação” – exigida para conseguir uma designação na universidade. Publicada como um livro em 1931, Act and Being (Ser e Agir) externamente parece ser um rápido tour de filosofias e teologias de revelação. Se a revelação é “agir”, então a Palavra eterna de Deus interrompe a vida da pessoa de um modo direto, intervindo muitas vezes quando menos se espera. Se a revelação é “ser”, então é a presença contínua de Cristo na igreja. Através de todas as análises cruzadas deste livro, nós também detectamos a luta profunda de Bonhoeffer entre o conforto do status acadêmico e o perturbador chamado de Cristo para ser um cristão genuíno.

Primeira visita à América – Tendo assegurada sua indicação para a universidade, Bonhoeffer decidiu então aceitar uma bolsa de pesquisa Sloane. Esta lhe ofereceu um ano de estudos adicionais no Seminário de Teologia União (Union Theological Seminary), em Nova York. Mais tarde ele descreveu este ano acadêmico de 1930–31 como “uma grande liberação”.

A princípio, Bonhoeffer olhou severamente para o Seminário de Teologia União, julgando que ele fosse tão permeado de humanismo liberal que tivesse perdido suas amarras teológicas. Mas cursos com Reinhold Niebuhr e longas conversas com seu amigo mais próximo, o americano Paul Lehmann, trouxeram sensibilidade aos problemas sociais.

As amizades de Bonhoeffer no Union Seminary influenciaram-no profundamente. Elas alimentaram sua crescente paixão pelas preocupações do Sermão do Monte. Através de um aluno negro do Alabama, o reverendo Frank Fisher, Bonhoeffer experimentou em primeira mão o racismo opressivo sofrido pela comunidade negra do Harlem.
Admirando os serviços desta igreja, que valorizavam a vida, ele levou gravações dos spirituals para a Alemanha para tocar para seus alunos e seminaristas. Ele falou aos alunos freqüentemente sobre a injustiça racial na América, prevendo que o racismo se tornaria “um dos problemas futuros mais críticos para a igreja branca”.

Outro amigo, o pacifista francês Jean Lasserre, levou Bonhoeffer a transcender sua ligação natural à Alemanha para assumir um compromisso maior com a causa da paz mundial. Bonhoeffer tornou-se devoto da resistência pacífica ao mal, e mais tarde ele defendeu com veemência a paz em encontros ecumênicos. Para Bonhoeffer, a guerra claramente negava o evangelho; nela os cristãos matavam uns aos outros para ideais alardeados que só mascaravam objetivos políticos mais sinistros.

As pessoas perceberam as mudanças na perspectiva de Bonhoeffer em sua volta à Universidade de Berlim. Seus alunos o descreveram como diferente de seus colegas, estes mais enfadonhos e desinteressados. Tentando explicar o que houve com ele, Bonhoeffer disse simplesmente que tinha se tornado cristão. Como ele mesmo disse, ele esteve pela primeira vez na sua vida “no trilho certo”, dizendo ainda: “Eu sei que por dentro serei realmente claro e honesto somente quando eu tiver começado a levar a sério o Sermão do Monte”.

Continua na próxima semana.

domingo, 22 de novembro de 2009

O Sentido da Vida

por Ed René Kivitz

Estudo publicado pela revista britânica Journal of Humanistic Psychology diz ter concluído qual é afinal o sentido da vida. Pelo menos na visão de 17% (o maior grupo) das 200 personalidades marcantes cujas palavras foram analisadas por uma equipe de psicólogos americanos, "a vida é para ser desfrutada". Entre os que partilhariam dessa visão estão o ex-presidente dos EUA Thomas Jefferson e a cantora Janis Joplin, que morreu aos 27 anos. Em segundo lugar, aparecem aqueles que acreditavam que o sentido da vida é "amar, ajudar e prestar serviços aos demais".

Neste grupo estão o físico Albert Einstein e o líder indiano Mahatma Gandhi. Mas há também os pessimistas, para quem a vida simplesmente não tinha sentido. Onze por cento, segundo o estudo, pensavam dessa forma. Entre eles Sigmund Freud e os escritores Franz Kafka e Jean Paul Sartre. Finalmente, um menor número de estudados pensava que a vida é simplesmente "uma piada". Entre os tais estão o cantor Bob Dylan e o escritor Oscar Wilde.

Acredito que se fosse entrevistado por este grupo de psicólogos, marcaria X em todas as alternativas. Estou entre aqueles que acreditam que o sentido da vida está em viver. O mistério da vida se resolve passo a passo, quando somos capazes de realizar com dignidade o sentido embutido em cada momento e situação. Por isso, o sentido da vida não se equaciona na elucidação dos grandes mistérios, nem no êxtase dos grandes eventos, feitos, ou experiências arrebatadoras. Harold Kushner disse que "tentar encontrar a Grande Resposta para a Grande Pergunta a respeito do problema da vida é como tentar comer a Grande Refeição, para nunca mais ter de se preocupar com a fome". Jesus ensinou que devemos buscar o reino de Deus e sua justiça a cada dia, vivendo o hoje e deixando o amanhã nas mãos do Pai Celestial.

Amar, ajudar e prestar serviços aos demais? Claro. Egoísmo e narcisismo são da mesma família da infelicidade, pois qualquer que pretenda encontrar sentido em si mesmo vai se decepcionar. Jesus ensinou que Deus é amor e, portanto, acredito na máxima que diz que quem "não vive para servir, não serve para viver".

Mas há também os pessimistas, para quem a vida simplesmente não tem sentido. E com eles me solidarizo. Os filósofos existencialistas ocupam lugar de honra em minha biblioteca. Também faço suas perguntas. Também sofro a ausência de respostas para muitas delas. A Bíblia ensina que os dias são maus, pois esse mundo é mau, já que tem como seu deus o Maligno. Não fosse a paz que Jesus dá, paz que o mundo desconhece, eu não suportaria a maldade e as fatalidades que acometem pessoas inocentes e, se não totalmente inocentes, certamente não mais culpadas do que eu.

A afirmação de que a vida é simplesmente "uma piada" também faz eco no meu coração. Mark Twin disse que "ninguém tem mais saúde do que aquele que é capaz de rir de si mesmo". Por isso é que Deus de vez em quando "morre" de rir (Salmo 2.4). Que pena que os pessimistas que consideraram a vida uma piada riram sozinhos, melancólicos, irônicos e se deixaram vencer pelo cinismo e a amargura de alma. Que pena que não aprenderam a rir com Deus. Deus logo após se rir da patética configuração que os homens deram ao mundo, começou a chorar. E porque tanto amou os homens e seu mundo, invadiu a história para redimir tudo com o poder da cruz de Jesus e a vida que deixou vazio o túmulo onde o sepultaram.

Imagino como se comportariam Thomas Jefferson e Janis Joplin, Albert Einstein e Mahatma Gandhi, Sigmund Freud, Franz Kafka e Jean Paul Sartre, Bob Dylan e Oscar Wilde, na maioria dos auditórios evangélicos, por exemplo, na cidade de São Paulo, no próximo domingo. Fico a me perguntar se ouviriam algo que lhes fizesse sentido, uma palavra relevante, uma resposta inteligente. Considero se ficariam impressionados com a reverência no ambiente ou se seriam tomados de temor diante de um povo em profunda adoração. Devo confessar minha incredulidade. Acho que sairiam sacudindo a cabeça, indiferentes, ou até mesmo com mais motivos para o cinismo, o pessimismo, a blasfêmia e a chacota. Paradoxalmente, isto não me desmotiva, nem enfraquece minha fé. Na verdade, revigora minha fé e me faz ser grato a Deus, pelo Espírito Santo que constrange o coração humano, razão pela qual as pessoas continuam sendo convertidas a Deus. Pessoas que eu jamais acreditaria fossem se converter. Inclusive eu.

domingo, 15 de novembro de 2009

Quando e como o Senhor quer

por Gregory Fung e Christopher Fung

Estudos sobre os efeitos da intercessão mostram que a ação divina não tem compromisso com a lógica das metodologias


Ao longo dos tempos, medicina e fé nunca se deram lá muito bem. Se, de um lado, os profissionais de saúde costumam atribuir a possibilidade de cura aos corretos tratamentos, por outro, muitos religiosos tendem a maximizar a importância da intervenção divina em detrimento da eficiência médica. De uns tempos para cá, contudo, tem havido uma frutífera aproximação entre os dois segmentos. Tanto, que um estudo recentemente realizado pelo Departamento de Pesquisa de Saúde dos Estados Unidos concluiu que a maioria – 70% – dos médicos pesquisados acreditam que milagres acontecem ainda hoje. Ainda assim, menos de 29% acreditam que os resultados dos tratamentos têm relação com “forças sobrenaturais” ou “ação de Deus”. Mais de 1,1 mil profissionais de saúde participaram da pesquisa.


Há, nos estudos sobre oração na medicina, uma linha que demarca a batalha entre santos e céticos: os cristãos procuram a prova científica da eficácia da oração. Já os críticos buscam o contrário – minar a fé religiosa. Seja bom ou não, muitas tentativas têm sido levadas a cabo no sentido de avaliar o papel exercido pela intercessão na cura. O primeiro estudo conhecido foi publicado em 1872, pelo inglês Francis Galton, autoridade em várias ciências, que não encontrou qualquer evidência estatística de que a oração prolonga a vida de pessoas enfermas. Ressalte-se, que à sua época, levantamentos do gênero careciam de rigor científico.


Mais recentemente, vários experimentos com oração chamaram a atenção de evangélicos ansiosos para encontrar ligação entre fé e ciência. Um estudo de 1983, de Randolph Byrd, elevou os ânimos de forma especial. Ele observou 393 pacientes da cardiologia do Hospital Geral de São Francisco. Cerca de metade recebeu oração de pessoas consideradas cristãos consagrados, que oravam diariamente e eram ativos em suas comunidades religiosas. A outra metade, que serviu como grupo de controle, não foi alvo de nenhuma ministração de natureza espiritual. Nesse estudo, a melhora dos que receberam orações superou de forma significativa a observada entre os integrantes do grupo de controle. Mesmo assim, não se pode dizer que o trabalho de Byrd tenha sido capaz de servir de evidência da atuação direta de Deus na cura, já que foi criticado depois de sua publicação por ter apresentado medidas de resultados inválidas, métodos estatísticos inapropriados e suspeita de erros.


Há três anos, contudo, vieram a público resultados de um estudo notável, programado cuidadosamente para acabar com o debate. Na época da publicação, recebeu certa atenção, mas passou despercebido para muita gente devido às conclusões surpreendentes – e perturbadoras – até para os crentes. O Estudo sobre os efeitos terapêuticos da oração de intercessão (STEP – sigla em inglês), realizado com o patrocínio do Departamento de Medicina da Universidade de Harvard, foi, de longe, o mais abrangente feito até hoje. Levou 10 anos para ser concluído, custou 2,4 milhões de dólares e foi, em sua maior parte, sustentado pela Fundação John Templeton, que apoia estudos sobre a relação entre religião e ciência.


O STEP foi simples e elegante, segundo todos os padrões, normas e protocolos de pesquisa: 1.800 pacientes submetidos à implantação de marcapassos cardíacos foram divididos, aleatoriamente, em três grupos. Dois deles receberam oração de cristãos comprometidos, com prática de orar por enfermos, sendo que só em um dos grupos os membros sabiam que havia alguém orando por eles. O resultado: o grupo em que os pacientes sabiam das orações apresentou mais complicações e recuperação mais difícil do que os que não sabiam se havia, ou não, alguém orando por eles. Curiosamente, o fato de alguém saber que havia um grupo de intercessores orando em seu favor teve um impacto negativo sobre sua saúde.


Houve comparação, também, entre os dois grupos que não sabiam se estavam sendo alvo de preces. Nesse caso, o grupo que recebeu oração apresentou mais complicações graves do que o pessoal que ficou sem oração. Em outras palavras, o estudo parece mostrar que a oração – pelo menos a feita por estranhos – pode ser prejudicial à saúde. O resultado da pesquisa pode ter decepcionado quem esperava ver efeitos positivos da intercessão, mas também surpreendeu os céticos, que não houvesse qualquer efeito.

Praticidade X mover de Deus –As respostas dos evangélicos incluíram a observação de que muitos pacientes oravam por si mesmos e tinham parentes também orando por eles (96% relataram exatamente isso). Essa realidade pode acabar com qualquer efeito das orações da pesquisa. Outros cristãos alegam que a investigação da oração de intercessão é problemática, já que os exemplos de cura física através de oração direta relatados no Novo Testamento sempre aconteceram como resultado da oração presencial – cenário impossível de se testar sem que os participantes saibam o que ocorre. Uma terceira resposta, como disse um conhecido capelão hospitalar, foi simplesmente a de que Deus não está sujeito a pesquisas científicas.


O escritor cristão C.S.Lewis pensou em um estudo sobre oração bem estruturado, mas não esperava resultados positivos e mensuráveis. “O problema é que não vejo como a verdadeira oração possa acontecer sob tais condições,” disse ele. “Mera repetição de orações não é orar. Se fosse, bastaria treinar bem um grupo de papagaios e eles seriam tão úteis quanto os homens na experiência”. Ele defendia que tal abordagem da oração a reduzia a um tipo de mágica – “Alguma coisa que funciona automaticamente”, explicou. Sendo assim, qualquer estudo como o STEP estaria fadado ao fracasso, já que tais esforços sempre acabam tentando medir resultados práticos, e não o verdadeiro mover de Deus.


Ironicamente, o STEP acaba confirmando a visão cristã do mundo. Afinal, orações não têm – ou não deveriam ter, pelo padrão bíblico – nada a ver com encantamentos. O verdadeiro nó górdio do estudo não é que o grupo que recebeu oração se saiu pior, mas sim, que as pessoas que não foram alvo de súplicas acabaram recebendo tantas, se não mais, bênçãos de Deus quanto as outras. Em outras palavras, o Senhor, aparentemente, distribuiu seu favor a despeito da quantidade e até da qualidade das orações. Coerente a seu caráter, ele parece inclinado a curar e abençoar o maior número de pessoas possível. É como se o Senhor mal conseguisse se controlar (embora o faça muitas vezes) e deixar de intervir e romper a natureza do universo para cuidar de quem ele ama – ainda que quem seja alvo dessa graça reconheça o fato ou não. Deus respondeu as orações dos grupos do estudo, mas, acima disso, respondeu as dos pacientes, dos amigos e parentes deles, e talvez até dos que nem sabiam que havia alguém orando.

Amor de Deus – Se isso for verdade, então surge uma questão incômoda: “Se Deus já é tão generoso, por que tanto empenho na oração?” Essa é outra maneira de expressar a verdadeira pergunta – “Qual é o mínimo que se exige de mim para que minhas orações sejam respondidas?” Tais indagações expõem a fraqueza do desejo modernista de saber se a oração “funciona”. Ao descobrir que Deus responde constantemente as orações, deparamo-nos com a realidade mais profunda e perturbadora de que, com frequência, ele não nos dá o onde, quando e como que desejávamos.


A Bíblia confirma essa realidade. Deus, por exemplo, respondeu as orações e libertou o povo da opressão de Faraó, mas a resposta – que demorou, mas chegou – foi inesperada, imprevisível e nem um pouco tranquila, pois demandou uma longa peregrinação pelo deserto, o perigo de atravessar o mar e as agruras da caminhada por décadas a fio. Da mesma forma, a resposta divina ao clamor pela libertação do jugo romano foi ainda mais inesperada e, para muitos, simplesmente inaceitável. Diante disso, não surpreende que Jesus tenha ensinado seus seguidores a orar ao Pai usando os seguintes termos: “Seja feita a tua vontade”, como ele mesmo suplicou todo o tempo que passou no Getsêmani. Diante de tudo isso, a obsessão em descobrir se a oração funciona é a questão errada. Sabe-se que ela funciona – a verdadeira questão é se estamos prontos ou não para a resposta de Deus.


Não é surpresa que os preparados para a resposta divina ao clamor de Israel por um Messias foram os que oravam. Ana, a profetisa que passou a maior parte da vida em adoração no Templo, foi uma das primeiras a reconhecê-lo. Lídia, que entendeu a verdade do Evangelho e abriu a porta para Filipe, estava no lugar certo e na hora certa porque estava orando. Então, o motivo de orarmos não é apenas receber respostas de Deus. Oramos também para sermos capazes de reconhecer e receber a resposta do Senhor, saber como responder e, talvez, ver o próprio Deus.


A maioria dos médicos acredita em milagres e na realidade de causa e efeito no exercício de sua profissão. E as intervenções divinas acontecem para todos porque somos amados por Deus, quer estejamos em rebeldia contra ele ou não. Resta aos médicos, e a nós, decidir como vamos reagir. Deveríamos ser sábios e evitar aplicações mágicas ou mecânicas do Evangelho, que definitivamente não pode ser entendido e vivido dessa maneira. O STEP nos incentiva a acreditar que Deus está ansioso para responder nossas súplicas, aparentemente sem dar muita atenção à nossa competência para orar ou, em certas ocasiões, inclusive à nossa ortodoxia. Isso deveria nos dar confiança para agir, acreditar e trabalhar ao lado de um Senhor bom e generoso, que nos convoca para trabalharmos em seu Reino levando cura e oração ou mundo.


Gregory Fung é bioquímico em Harvard e Diretor Regional da InterVarsity Christian Fellowship, em Boston (EUA); Christopher Fung, seu filho, é patologista e membro da Igreja da Rua LaSalle, em Chicago, também nos EUA

O que significa esperar em Deus?


por Isabelle Ludovico

Vivemos numa época marcada por numerosas fontes de estresse. A violência, o desemprego, a corrupção, a crise do relacionamento homem/mulher são alguns dos fatores que geram muita insegurança. Somos alimentados por uma avalanche de notícias ruins, dramas acontecendo ao redor do mundo, guerras, terremotos, tsunamis etc... que aumentam ainda mais o nosso desânimo. Temos medo dos nossos sentimentos, medo de outras pessoas, medo de perder o que temos e medo do desconhecido. Pessoas com medo tendem a construir mecanismos de defesa, armas e carapaças para se proteger dos perigos. Algumas se tornam irritáveis a ponto de qualquer transtorno desencadear explosões desproporcionais, mostrando que a panela de pressão já ultrapassou o seu limite. Foi o que provavelmente aconteceu com a madrasta de Isabella. Foi o que aconteceu com o motorista que matou o homem que o interpelara no trânsito por causa de uma fechada.

Outras pessoas ficam paralisadas diante da mínima ameaça e vão limitando seu espaço interior e exterior para evitar situações conflitivas. Vivem trancadas emocionalmente e privam-se, desta forma, do que é a essência do ser humano: amar e ser amado. A maior parte busca esquemas de fuga no ativismo, no trabalho, nas compulsões por bebida, comida, remédios ou outros vícios, e no consumismo, para citar apenas alguns. Pessoas movidas pelo medo estão mais propensas a se comportar de maneira agressiva. Qualquer sensação de ameaça gera reações impulsivas que não passaram pelo crivo da razão. Ficamos na defensiva, desconfiados, preocupados apenas em nos proteger, em preservar e acumular bens para nos garantir. Custamos a admitir que não temos controle sobre o nosso futuro. Não escolhemos nascer nem decidimos a hora da nossa morte, a menos que desistamos de viver.

Quando finalmente admitimos a nossa própria impotência e reconhecemos as nossas limitações, podemos então nos voltar para o Criador de todas as coisas que sustenta o universo e nos afirma que não cai um só fio dos nossos cabelos sem o seu consentimento. Esperar em Deus é confiar na sua promessa de estar conosco sempre. Esta espera não é uma atitude passiva, acomodada ou resignada. Pelo contrário, trata-se de uma parceria que nos leva a fazer o melhor para usufruir, multiplicar e compartilhar os recursos que Ele nos confiou. Significa viver ativamente o presente e investir nele, sabendo que o mal já foi vencido na cruz e, por isto, não prevalecerá.

Esperar é confiar na perspectiva de Deus que é mais ampla que nossos desejos finitos e parciais. Abrir mão de nossa visão estreita e de nossas expectativas limitadas permite deixar-se surpreender pelas soluções extraordinárias de Deus. Pegar a sua cruz é aceitar a vida, abrindo-se a todas as possibilidades. É desistir de tentar exercer um controle ilusório sobre o nosso futuro e abrir-nos ao novo na convicção de que Deus, como diz Henri Nouwen, nos trata de acordo com o seu amor e não de acordo com o nosso próprio medo.

Assim, podemos ter a coragem de afirmar, como Dietrich Bonhoeffer na prisão, que Deus é um Deus de amor mesmo quando à nossa volta vemos apenas rancor. Podemos proclamar que a vida suplanta a morte como a luz invade a escuridão enquanto a escuridão não consegue se impor onde há luz. Quando descobrimos que nada pode nos separar do amor de Deus, encaramos o medo de perder o que já temos e o medo do desconhecido e os transformamos em coragem de acolher com fé o futuro, sabendo que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus”. E, parafraseando a música famosa, afirmo: “Quem sabe tem esperança, por isso faz a hora, não espera acontecer”. Esperar em Deus é sair dos nossos esconderijos para encarar a vida de peito aberto, com suas alegrias e tristezas, na certeza de que cada detalhe ocorre diante do olhar amoroso de um Deus que nos quer bem. Assim, em vez de fugir ou refugiarnos numa atitude egoísta, podemos nos tornar agentes de transformação e sinais de esperança, como pontuou tão bem Agostinho: “A esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las”.
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Fonte: Revista Enfoque

domingo, 1 de novembro de 2009

Viver não é para amadores


Por Ricardo Gondim

Todos vivem em constante tensão. A vida é complexa, muitas vezes, paradoxal e plena de riscos. A vida não é um passeio despretensioso. Cada pessoa é responsável e ao mesmo tempo vítima das circunstâncias. Cada estrada que se escolhe conduz a novas bifurcações e cada decisão gera desdobramentos mil. Os poetas, os místicos e os filósofos já perceberam que se precisa de siso e responsabilidade na imensa e difícil aventura de viver. Cada instante é inédito e exige o máximo de cuidado.

Viver não é para amadores. Cada opção produz ondas, iguais às da pedra jogada no meio de uma lagoa. As decisões, semelhantes a círculos concêntricos, espalham-se e as marolas se dissolvem nas margens do lago. Na vida, porém, as conseqüências dos atos se alastram para sempre. Cada pessoa deve lembrar-se de que não tem o controle das conseqüências de suas escolhas, que repercutirão eternamente. Viver não é para amadores. Os pais influenciam os filhos, os filhos formam famílias e tanto as bondades como as maldades se reproduzirão. Crianças sofrem seqüelas por terem crescido em famílias disfuncionais, muitas oprimidas por mães castradoras, que não conseguem criar os filhos. Se cada pai soubesse a importância da paternidade na formação emocional e nos valores éticos de seus filhos, menos pacientes procurariam as clínicas psiquiátricas e menos penitenciárias seriam construídas.

Viver não é para amadores. Sem saber organizar os desejos, a vida pode se perder com projetos irrelevantes; sem dar sentido ao cotidiano, a vida patina no tédio. São necessários princípios, verdades e valores para direcionar a vida. As pressões do dia-a-dia destroem aqueles que não têm força para fazer escolhas responsáveis. Viver não é para amadores. Os indivíduos precisam uns dos outros, mas se arranham mutuamente. O próximo tanto pode ser fonte de alegria, como de frustrações. Quem tenta isolar-se para não passar por decepções, empobrece. Não é possível resguardar-se do amigo sem perder o viço. Só viverá bem quem não considerar o outro um inferno. O céu pertence aos que aprenderam a relevar as inadequações alheias. O longânimo tem chance de ser feliz.

Viver não é para amadores. A existência é imprevisível. Não há como se controlar a história ou situar os eventos futuros em qualquer lógica. Por mais que os religiosos prometam, os filósofos pretendam e os sociólogos estudem, a história não obedece aos trilhos do destino. De repente, sempre de repente, chega o improvável e nessa hora, precisa-se de coragem para não desistir. A viagem rumo ao futuro requer brios. Viver não é para amadores. Equilibrar o lazer e dever, ócio e trabalho não é fácil. Muito lazer produz tédio e muito dever, estresse. A preguiça acompanha o ócio e a fadiga o trabalho. O sábio avisou que há tempo para todas as coisas: "tempo para plantar e tempo para arrancar o que se plantou, tempo de cozer e tempo de rasgar, tempo de juntar e tempo de espalhar o que se juntou". Portanto, só vive quem sabe transitar entre esses eventos tão contraditórios.

Viver não é para amadores. Depressão e riso, alegria e tristeza formam a história de cada um. Quem foge da tristeza acaba neurótico e vive em negação, sempre à procura de um mundo de ilusões. Quem não sabe rir termina inclemente; em busca de gente para povoar o seu purgatório.

Viver não é para amadores. O sofrimento do mundo é grande demais para ser evitado. Contudo, é preciso ter alegria para celebrar aniversários, casamentos e formaturas. Os que se blindam contra a dor universal podem se tornar cínicos; por outro lado, os que se martirizam, arriscam-se a serem inconseqüentes.

Viver não é para amadores. O tempo passa velozmente, carregando tudo e todos. A humanidade se angustia com a areia da ampulheta e com o pêndulo do relógio que não cessam de avisar que os dias do calendário são escassos. Alguns não percebem que jogam a vida fora com melindres bobos e com vaidades e megalomanias onipotentes. Eternizar cada instante se constitui o segredo da felicidade.

Viver, definitivamente, não é para amadores, portanto, "se algum de vocês tem falta de sabedoria, peça-a a Deus que a todos dá livremente, de boa vontade; e lhe será concedida." Que ninguém se atreva a querer levar a vida só.
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