sábado, 25 de junho de 2011

Entre demandas e valores


Ricardo Agreste

Precisamos de um novo equilíbrio entre nossos corações e nossas agendas. Podemos afirmar que nossa família é prioridade em nossas vidas, mas nossas agendas não condizem com tal afirmação.

Nunca na história da humanidade uma geração esteve tão cercada por demandas como esta à qual pertencemos. Vivemos imersos numa cultura geradora de demandas pessoais, familiares, profissionais, econômicas, sociais e ecológicas, entre outras. Parte delas tem sido gerada e propagada pela mídia de uma sociedade de consumo. Mas também têm sido produzidas e assimiladas através de nossas próprias redes de relacionamentos, nas quais, constantemente, estabelecemos como padrão de referência aquilo que o nosso amigo, vizinho ou parente diz ser, possuir ou fazer.

No passado, era muito mais fácil criar um filho, ter um corpo considerado saudável ou sentir-se realizado profissionalmente – até ter um padrão de vida tido como bom era menos complicado. Atualmente, para criar um filho, necessitamos de coisas que jamais passaram pela mente de nossos pais ou avós. Hoje, só é saudável quem passa horas e horas em academias, ou malha até o limite da resistência. Só pode ser considerado um bom profissional aquele que acumula títulos acadêmicos, domina idiomas e está disposto a sacrificar tudo pela carreira. E ter um bom padrão de vida significa necessariamente possuir bens considerados, até pouco tempo, como totalmente supérfluos.

O grande problema de estarmos inseridos nessa cultura da demanda é que, gradativamente, perdemos a noção da influência que ela exerce sobre nós e dos caminhos que nos leva a percorrer. Passamos a viver em função das demandas que emergem diante de nós e somos pressionados a seguir rumos que nos são impostos (ou a que nos impomos) sem refletir se eles nos levarão para onde um dia planejamos chegar. Assim, nossas vidas se transformam numa grande maratona, só que no ritmo de uma corrida de 100 metros rasos.

Podemos encontrar as consequências disso por todo lado. É fácil encontrarmos gente com agendas lotadas, valores confusos, sintomas crônicos de estresse, casamentos arrebentados, filhos ansiosos e sem limites, vida financeira em desequilíbrio e profundos sentimentos de frustração. Esse tipo de pessoa tem se tornado tão comum em nossa sociedade que corremos o risco de assimilar tal perfil como normal – e concluir que este é o único padrão possível numa cultura geradora de demandas.

No entanto, como discípulos de Jesus, não podemos – e nem devemos –, acreditar que tal é o padrão normal a ser vivido. Na verdade, imersos pela cultura das demandas, precisamos tomar uma decisão interior – afinal, quem determinará os rumos de nossas vidas? As demandas da cultura que nos envolve ou os valores de Deus em nossos corações? Nossa resposta não apenas determinará o futuro de nossas vidas, como também revelará quem de fato é nossa fonte primária de orientação.

Mas a decisão por fazer dos valores de Deus a nossa fonte primária de orientação não é tão simples como parece. Decisão assim impõe sobre nós a necessidade de uma verdadeira reorganização de prioridades em nossas vidas. Primeiramente, precisamos de um realinhamento entre os valores de Deus e os valores de nossos corações.
Muitas pessoas frequentam igrejas, leem a Bíblia, conhecem seus principais personagens e histórias e até fazem orações diariamente. No entanto, os valores do
Reino de Deus não estão em seus corações. Sua relação com a espiritualidade cristã é de mera informação, e não de transformação; e seus corações continuam envolvidos e encharcados pelos valores determinados pela cultura.

Em segundo lugar, após o realinhamento dos valores de Deus aos valores de nossos corações, precisamos também de um novo equilíbrio entre nossos corações e nossas agendas. Podemos afirmar que nossa família é prioridade em nossas vidas, mas nossas agendas não condizem com tal afirmação. Podemos dizer que nossa saúde física e emocional é fundamental em nossa caminhada, mas, novamente, nossa agenda diz o contrário. Logo, se queremos experimentar os valores de Deus como fonte primária de orientação em nossas vidas, precisamos fazer com que eles alcancem e influenciem nossas agendas.

Desta forma, como homens e mulheres imersos numa cultura de demandas, podemos viver uma verdadeira contracultura que tem como centro dinamizador os valores de Deus para a vida em todas as suas dimensões. Como consequência, nossas agendas não estarão mais condicionadas às demandas emergentes, mas sim, aos valores estabelecidos pelo Senhor – valores estes que nos conduzem a um projeto de vida marcado pela sabedoria do Criador, e não pela loucura da cultura gerada pela obstinação de suas criaturas.

Fonte: Cristianismo Hoje

sábado, 18 de junho de 2011

Um testemunho sobre divórcio


Por Ariovaldo Ramos

Quarta Capa - texto para o livro, sobre o divórcio, de Virgínia Martin)

O senhor quer se divorciar? Perguntou-me a juíza. O que deixava a situação ainda mais embaraçosa. Eu estava esperando por um juiz! Não, quem quer se divorciar é ela. Respondi!

O senhor leu os autos e está pronto para assinar o documento? Sim. Respondi, sem ênfase.

No fim, parece que era só disso que se tratava: assinar um documento.
Pronto! Meses de angústia, e de lágrimas, e de orações aparentemente não respondidas, como num passe de mágica, estariam resolvidos com uma assinatura! Eu estaria livre!

Mas quem disse que eu queria me ver livre do que quer que fosse?

Eu havia vivido mais de duas décadas só para isso. Com acertos, com erros, com pedidos e frases de perdão, eu vivi só para o casamento: todos os sins e todos os nãos que disse, os disse para continuar o casamento. Todo o processo de desmascaramento de minha imaturidade, e todo o processo doloroso de crescimento tinha como pivô o casamento.

Eu não queria me livrar disso... Eu não sabia mais viver sem isso!
Estava pronto para encaminhar a minha prole à vida, para viver a vida com quem, depois de muitas idas e vindas eu, realmente, queria viver.

O senhor já assinou? Ah! Sim. Está aqui. Respondi à voz que interrompia-me em meio a pensamentos em que eu tentava processar a minha dor.

Saí com aquele papel nas mãos, e aquele papel em minhas mãos era tudo o que eu conseguia sentir sem doer.

Não tinha ideia do que a estivesse acometendo. Não me importava! Ela quis o divórcio! Ela era a culpada!

Naquela altura eu não sabia que muita coisa iria mudar, e teria de mudar para que a esperança retomasse espaço em minha vida. A culpa seria repartida. Muita coisa que entendi resolvida por palavras ditas, ainda que com sinceridade, teriam de ser revistas por mim e em mim. Muita coisa que entendi ser de menor importância teria de ser revalorada. E muita dor que nunca entendi ter provocado teria de ser assumida.

O tempo passou! Superei! Não sem dor e não sem acabar por provocar dor em quem não tinha nada a ver com isso!

A Virgínia diz que é preferível estar no redemoinho do que no olho do furacão. Concordo! Mas do redemoinho a gente acaba por atingir gente que estava só assistindo ao tufão. E isso aumenta o lamento que a gente sabe que vai carregar.

Acalmou o meu coração! Mas se instalou um indisfarçável medo.

Eu sou um pregador. Deus tem sido gracioso para comigo. As palavras que o Senhor tem me dito têm calado no coração de muitos irmãos e irmãs. E isso é um grande consolo. Mas, apesar disso, toda a vez que subo ao púlpito, que me é sagrado, sinto que, por mais aceito que eu seja, eu carrego um estigma, e não consigo tirar a dor de meus olhos, porque eu sei que eles estão certos, eu passei por algo que eles não querem passar e não sabem como isso pode acontecer com alguém que precisa estar no púlpito.

Pois é, minha amiga... Eu sei, eu sei!

Mas a roda tem de girar, e gira, e Deus, que ama, nos alenta e nos faz ver o sentido que transcende!

Parabéns! É isso! É preciso exorcizar tudo o que tenta nos roubar a identidade.

Muitos serão ajudados!

domingo, 12 de junho de 2011

Afastamento que aproxima


Esther Carrenho

As diferenças podem somar na relação a dois. É justamente a expressão única que cada ser humano tem que pode enriquecer a convivência conjugal

Em minha vivência profissional, por diversas vezes tive de responder à seguinte pergunta: O que faz com que um casamento dure? Muitas coisas podem acontecer para que um relacionamento conjugal não termine em divórcio. Mas o fato de não haver uma separação entre dois parceiros não significa que exista ali um bom casamento. Pode até não existir mais casamento, embora os dois cônjuges continuem residindo sob o mesmo teto.

O que faz um casamento durar? Inúmeras coisas, e não necessariamente positivas. Então, como fazer com que uma parceria conjugal não apenas perdure por muito tempo, mas proporcione crescimento e satisfação a um homem e uma mulher? Um desses fatores é a capacidade de transitar bem no movimento de aproximação e distanciamento dentro do relacionamento, quando se fizer necessário. Não se trata daquele distanciamento acarretado pela separação, mas de Uma liberdade que cada um deve ter de se afastar do outro por um tempo, evitar o diálogo e, quem sabe, até do convívio, para desenvolver novos aspectos da sua compreensão – para, depois, voltar para o reencontro e novamente começar outra caminhada com o mesmo parceiro. Ou seja, movimentos de afastamento sem rompimento de vínculos e de reaproximação sem perda de identidade.

Em outras palavras, uma boa parceria conjugal é aquela onde muitas vezes se “rasga” o contrato já feito para começar um novo, sem trocar-se de parceiro. Muitos casais vivem numa simbiose, acreditando que cada um é uma metade do outro e que os dois, juntos, constituem uma só pessoa. Puro engano. Com dois meios, só é possível formar uma dupla de aleijados. E só. Scott Peck, psiquiatra americano, afirma que o bom casamento é aquele onde cada um tem a capacidade de viver só, mas escolheu a vida em comum. Outra possibilidade, quando dois viram um, é que a identidade de cada cônjuge desapareça e prevaleça apenas a opinião e o jeito do outro. Casamentos assim podem durar muito, mas não podemos chamar a isto de parceria. O melhor é acreditar que um dos parceiros “morreu” em vida. Não estou muito certa do que o apóstolo Paulo quis dizer quando disse que, no casamento, ambos se tornam “uma só carne”; mas, certamente, ele não quis advogar a anulação de um dos cônjuges dentro da união matrimonial.

Alguns elementos são fundamentais para esse ir e vir no relacionamento. Para que um possa se afastar, é necessário que ambos tenham recursos para não tirar a liberdade, e que cada um desenvolva a confiança em si mesmo e no outro. Na proximidade, cada um se apresenta com tudo que conhece, pensa e sente. Quanto mais próximo do outro, mais o indivíduo tende a se mostrar como de fato é, com transparência e sem reservas. É o momento da entrega. Enquanto isso, o outro pratica a escuta verdadeira e o acolhimento sem defesas e sem condições. Não há explicações; é o tempo de receber e hospedar o outro do jeito que está. Mas, mesmo com a aceitação, as revelações ouvidas podem gerar conflitos, desajustes, medos, decepções e frustrações. Novamente, faz-se necessário o afastamento, quando cada um tem a oportunidade do encontro consigo mesmo para a elaboração dos novos conteúdos recebidos do parceiro. Há a chance de se refazer, se recompor, enfim, reconstruir a própria identidade diante de novas escolhas a serem feitas.

É justamente a expressão única que cada ser humano tem que pode enriquecer a convivência conjugal. É um paradoxo, porque a unicidade dos dois evidencia também as diferenças – e diferenças não são defeitos. São apenas maneiras diversas de ser, de ver, de reagir diante da vida. As diferenças podem somar na relação a dois.
Fazendo acordos e respeitando um ao outro, os dois parceiros se darão o apoio necessário quando uma situação exigir exatamente aquilo que apenas um faz melhor.
Quem aprende o segredo de ir é capaz experimentar, na volta, o encontro misterioso que pode acontecer entre duas pessoas. Um encontro que, por constituir mistério, não pode ser explicado. Desfrutar dos encantos desse mistério pode capacitar os cônjuges para carregar todo o peso do funcionamento de uma parceria matrimonial. O exemplo para uma saudável convivência desse tipo foi dado por ninguém menos que nosso Redentor, conforme Paulo diz em sua Carta aos Filipenses: “Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo.”

sábado, 4 de junho de 2011

Preciso de amigos



Por Tais Machado

A sociedade em que vivemos favorece o reino particular, o individualismo e a autonomia como um ideal, e engrandece a trajetória individual daquele que “chegou lá” sozinho, pelo seu próprio e “exclusivo” esforço, como se isso fosse possível.

Muitos estão tão focados em seus projetos, suas metas, seus resultados, suas conquistas que só tem tempo para aquele que for útil. Muitas relações se baseiam nisso. E ainda, é preciso considerar se é mesmo estratégico e se é confiável.

Interessante ler como muitos têm percebido algumas implicações, contradições e lembretes significativos a respeito.

A psicóloga Rosely Sayão, por exemplo, comentou recentemente:

“A época em que vivemos tem uma característica que afeta profundamente as relações interpessoais e, portanto, a vida em sociedade: a desconfiança que criamos em relação ao outro. [...] Precisamos dos outros. Sem eles não há vida social possível. Convivemos com os outros, como colegas e estranhos, boa parte de nossa vida: no trabalho, nos espaços públicos das cidades, no trânsito, nos transportes coletivos etc. E que tipo de vida é essa, se estamos sempre prontos a pensar que o outro aí está para nos prejudicar?” (1).

Já o Rubem Alves diz que “é preciso não estar sozinho. Batalha que se batalha sozinho é batalha perdida. Batalha que se batalha com outros é batalha que pode ser ganha”.

Outra psicóloga, essa uruguaia, Diana Corso, diz também que “por mais fortes e virtuosos que sejamos, o ponto onde chegaremos depende de onde partimos e a forma como chegaremos lá vai ser determinada pelos companheiros de jornada”.

Por sua vez, o pastor e escritor, Eugene Peterson, salienta que
“há sempre muito mais além do alcance dos nossos olhos. E deixamos de perceber muita coisa. Precisamos de amigos que nos puxem pela borda da camisa, que nos virem e nos mostrem o que acabamos de perder agora em nossa pressa por atravessar a rua para chegar ao banco. Precisamos de amigos que estendam o braço sobre o nosso ombro, interrompendo nossos comentários contínuos sobre as conversas da cidade para que possamos ouvir a verdade. Precisamos de testemunhas do transcendente”.

Minha trajetória é resgatada em Cristo, mas são muitos os amigos e amigas que compõe a minha compreensão desse resgate. Já me perdi tanto e sai derrotada de várias batalhas por assumi-las sozinha.

Foram as pessoas chegadas da minh’alma que me ajudaram a mudar o ritmo, ainda me orientam a uma vida mais saudável, me ajudam em meus desesperos e medos infantis, me lembram quem sou e para onde vou. São pessoas amigas e íntimas que me recordam a vocação, me animam quando estou estacionada e abatida.

Gente amiga e irmã que são testemunhas do Deus vivo, são pedras vivas na reconstrução de Cristo em mim. São colo de Deus em dias turbulentos, e, chuva de admoestação quando estou ressecada pela arrogância. São pessoas que repartem comigo o Pão da vida, dividem o próprio sustento comigo, alimentam minha alma com afeto, cuidados, pessoas que me fazem gostar mais de Deus, nosso Pai.

Jesus nutriu amigos e os chamou para mais perto, os chamou para si. O apóstolo Paulo relata que em meio a conflitos externos e internos, sendo tão atribulado, encontrava-se abatido, mas de Deus recebeu consolo com a chegada especial de Tito (II Coríntios 7.5-7) e toda celebração fraterna através dele.

A vida comunitária me educa, me exorta, me encoraja, me santifica. Não é fácil; às vezes me machuco, sinto-me decepcionada em algumas ocasiões, e em outras, a sensação de solidão domina. Mas, a comunidade está próxima, não posso fugir.

Peço a Deus para me ajudar a querer, a desejar profundamente a comunidade, a saborear melhor a comunhão com a família da fé, a privilegiar esse espaço, a me abrir para o outro, a receber o próximo.

Jesus me ensinou que não posso andar só. A psicologia reforçou tal verdade. E os muitos que já me abrigaram, me inspiram.

Minha gratidão ainda é tímida perto de tudo o que significa para mim os muitos companheiros e companheiras nesse chão duro da vida. Não sei nem contar quantas vezes me levantaram. Mas estou aqui porque eles estiveram e continuam comigo – pura manifestação da graça de Deus.

O reino da humanidade caída é d e muita competição, o que inclui vencer o outro, ser mais forte, provar sua competência à frente. O Reino de Deus é de cooperação, de solidariedade, é um Reino de amigos que encontraram um Amigo em comum – alguém que nos fez amigos seus (João 15.15).

Agradeço a Deus pelos que passaram e pelos que permanecem. Agradeço a Deus, nossa referência e esperança.

Notas
(1) Folha de São Paulo, 21/09/2010.
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