sábado, 26 de março de 2011

O coroinha e o office-boy


Por Carlos Queiroz

A essência da liderança é o cuidado especial para com as pessoas.

Quando se afirma que uma determinada pessoa é líder, isso não significa necessariamente um acréscimo de qualidade positiva àquela pessoa. Denominam-se de líderes, por exemplo, desde os governantes aos chefes de gangues; dos gestores de empresa aos sacerdotes de uma religião. Enfim, seja para o bem ou para o mal, os líderes existem. Se estiver correto o conceito de que liderança é basicamente influenciar pessoas, a história registra líderes que assassinaram milhões de pessoas, como o soviético Joseph Stálin, e líderes que conduziram suas nações ao progresso social, como o pastor americano Martin Luther King Jr. Portanto, não basta ser um líder. Importa que o líder seja um ser humano dotado da capacidade de inspirar, apoiar e mobilizar pessoas a cumprir uma missão.

O mérito da liderança não é exercê-la como um fim em si mesmo, mas a capacidade de usá-la para servir. Há outros fundamentos básicos da liderança, como caráter e integridade – e essas são características que podem ser desenvolvidas por qualquer pessoa. O servo que lidera é marcado pela singularidade do bom caráter, que nada mais é que a manifestação pública do seu estado de ser. Conheço mais servos que são líderes do que líderes que são servos. E há muito mais gente escrevendo para os líderes do que para os servos. Depois que li O monge e o executivo, de James Hunter, que anima os líderes a serem servidores, fiquei pensando em escrever um livro intitulado “O coroinha e o office-boy”. Não seria uma réplica – apenas uma forma de falar de serviço a partir do público que serve e tem um potencial extraordinário para liderar.

O detalhe é que nem sempre o pastor titular é o grande líder de uma igreja. Nem sempre o artilheiro é o líder do time de futebol, assim como há gerentes que exercem muito mais liderança numa empresa do que o presidente da corporação. Muitas vezes, os líderes não têm qualquer posição oficial no grupo a que pertencem, mas se destacam por sua integridade, carisma, caráter, capacidade de influenciar as pessoas para o bem comum. A essência mais básica da liderança é o cuidado especial para servir as pessoas. O líder, neste contexto, se realiza em cumprir o seu papel peculiar de tornar os seres humanos mais humanos. O ser humano é a matéria-prima do servo que lidera. E, se a matéria-prima dos líderes é o ser humano, o produto final que realiza esses líderes é o desenvolvimento máximo das pessoas que lideram. Em geral, os servos que lideram agem assim e nunca souberam conscientemente o bem realizado.

Ora, se liderança é influenciar pessoas pelo exemplo e pelo caráter, qual outro líder na história da humanidade conseguiu influenciar pessoas tão positivamente e por tantos séculos senão Jesus de Nazaré? Seu propósito não era liderar, era servir. Todos nós temos sérias suspeitas sobre o cristianismo e sobre a incoerência das instituições cristãs; mas, nem mesmo os opositores da religião cristã têm qualquer suspeita sobre a capacidade extraordinária do serviço de Jesus Cristo prestado à humanidade. Nessa tentativa de propor uma liderança marcada pela integridade, bom caráter, compromisso com a plenitude de vida para todas as pessoas, e, naturalmente relacionados ao exemplo de Jesus Cristo, o perfil proposto nesta reflexão estará sempre denunciando inadequações, equívocos e atitudes que podem ser melhoradas na liderança. O propósito não é provocar uma sensação de culpa, muito menos sugerir que alguém pode ser melhor do que outras pessoas. A intenção é fortalecer uma necessidade básica para toda e qualquer liderança – a necessidade fundamental de servir, em aprendizado e crescimento contínuos. Aprender sempre, mas nunca para ser melhor do que os outros; basta ser e fazer, a fim de se tornar o dia de hoje melhor do que o de ontem.

A partir deste raciocínio, fica evidente que a primeira tarefa do líder é cuidar de si mesmo. Há um consenso muito evidente entre todos os estudiosos sobre liderança: o de que ninguém consegue liderar outras pessoas se não gastar tempo, muito trabalho e sabedoria em liderar a si mesmo. Se a tarefa primária da liderança é amar, servir e influenciar os outros, o próprio líder é a primeira pessoa a desfrutar dessa tarefa. O líder precisa ser inspirado por seus valores, fortalecido pelo prazer de servir e motivado pela capacidade de se sacrificar. Se os monges e executivos precisam ser lembrados sobre suas potencialidades em servir, os servos – tanto os coroinhas como os office-boys da vida – precisam ser desafiados a exercer suas capacidades para que possam liderar. Não há como pensar de forma diferente: a tarefa de liderar requer de quem a exerce muita disciplina pessoal, investimento em conhecimentos diversos e, acima de tudo, conhecimento e domínio sobre si mesmo.

sábado, 19 de março de 2011

Eu não te amo mais!

por Allen Dvorak

Eu não te amo mais!

Acena se repete muitas vezes. O marido e a esposa sentam frente a um conselheiro matrimonial ou um líder religioso, descrevendo o seu casamento problemático. Brigas quase constantes acabaram com a intimidade do relacionamento. Tanto que, é comum um dizer ao outro: “Eu não te amo mais!” O que pode ser feito por casais que “se desapaixonaram” um pelo outro? O divórcio, muitas vezes, parece ser a única saída. Afinal, como poderia uma pessoa se forçar a amar outra pessoa? Ou a pessoa ama ou não ama! Quem quer continuar em um casamento sem amor?

É triste que tantas pessoas parecem acreditar que o amor é, em primeiro lugar, uma reação de glândulas. Nós nos “apaixonamos” e então “deixamos de estar apaixonados” na mesma velocidade. Duas pessoas são atraídas uma a outra e um casamento é feito com pouco mais fundamento que “nossas idéias realmente batem”. Quando param de “bater”, o casamento é desfeito como um erro infeliz. O verdadeiro erro é basear um relacionamento para toda a vida em amor romântico!

A palavra de Deus dá direcionamento para o casal que “deixou de estar apaixonado”. O mandamento é: “Comece a amar!” O apóstolo Paulo escreveu do amor que um marido deve manifestar para com a sua esposa. Guiado pelo Espírito Santo (1 Coríntios 2:10-13), ele mandou os maridos a amarem as suas esposas, porém ele usou uma palavra para “amor” que descreve um amor de escolha moral ao invés de um de emoção (Efésios 5:25, a palavra grega ágape). Este amor não é necessariamente sem emoção, mas não encontra a sua base na paixão humana. É expresso em bem-querer ativo para com o seu objeto ao invés de um sentimento alegre que deixa as pernas moles e um frio no estômago!

A noção na nossa sociedade é de que uma vez que o fogo do amor romântico se apague, há pouco a fazer a não ser terminar o casamento pelo divórcio. Quando a afeição pelo parceiro está “fraca” por causa de conflito e a tensão resultante, as pessoas se descrevem como “não apaixonadas”. O fogo do amor romântico pode ser quente, mas a brisa causada pelas circunstâncias da vida pode o apagar. O amor de escolha moral, por outro lado, pode parecer um pouco frio por comparação, mas é um amor que pode suportar até os momentos mais tempestuosos do casamento. Eu escolho amar a minha esposa, não porque ela está de alguma maneira amável no momento (uma situação hipotética, é claro), mas porque é a coisa certa a fazer. É o que Deus manda e ele compreende a dinâmica do relacionamento matrimonial melhor que eu.

O amor mandado por Deus não é apenas um “Eu te amo” e um beijinho na bochecha e alguns momentos de pura emoção. É o bem-querer ativo. Ele nos leva a buscar o bem-estar um do outro independentemente do comportamento daquele. O marido que ama busca o melhor para a sua esposa, e a esposa que ama é honesta para com seu marido, mesmo quando o relacionamento está difícil por causa de discussão ou conflito.

sábado, 12 de março de 2011

Louvar a Deus é uma atitude do coração

Por Ronaldo Lidório

É comum observar que alguns que muito tem, com abundância e mais do que precisam, por vezes permanecem em contínuo murmúrio pelo que julgam ainda lhes faltar. Nada lhes é suficiente. Outros, mesmo tendo pouquíssimo, o pouco que tem lhes basta para encher o coração de louvor e agradecimento a Deus.

Isto nos leva a uma percepção bíblica de que o louvor não é definido pelas circunstâncias da vida, mas pela atitude do coração.

O Salmo 34 é um convite ao louvor e à maturidade espiritual. Nele o salmista manifesta o seu compromisso de louvar ao Senhor em “todo o tempo”(v.1).

Louvar ao Senhor ao ganhar o que se desejou, ao ter o pedido atendido ou ao ser surpreendido por uma ótima notícia não exige nada especial do nosso coração. A proposta bíblica, porém, é bem mais ampla: é louvar a Deus em “todo o tempo”, no dia bom e também no dia mau, em plena saúde e nos dias de enfermidade, quando aplaudido ou quando criticado, ao receber uma resposta positiva do Senhor ou quando Ele nos fecha um caminho que desejávamos seguir.

Louvar a Deus em “todo o tempo” implica em reconhecer que todos os planos do Senhor são planos de amor. Que, de fato, todas as coisas cooperam, de alguma forma que pouco compreendemos, para o bem dos que sinceramente amam a Deus, e isto nos basta. Louvar a Deus em “todo o tempo” implica também em reconhecer que as circunstâncias da vida, mesmo as mais difíceis, possuem algum motivo de louvor.

Neste salmo não encontramos um cenário de perfeição que nos leva ao louvor, mas um louvor que é proferido na realidade da vida que possui seus desafios realistas e constantes. Os versos 4, 5 e 6 nos falam sobre temores, angústicas e prisões. O verso 8 nos leva, entretanto, ao reconhecimento de que além das cores que pintam o presente cenário da nossa vida, Ele é bom. Somos conduzidos não apenas a compreender a Sua bondade, mas a experimentá-la: “provai e vede que o Senhor é bom”! Deus não é apresentado como aquele que realiza atos de bondade, mas como aquele que é bom em sua essência. É da natureza de Deus ser bom.

Alguns passam por angústias e tornam-se murmuradores. Outros passam por angústias e reconhecem a bondade do Senhor. A diferença está na atitude do coração.
O louvor a Deus combate também a ansiedade da alma.Depressões, ansiedades, fobias e temores são as enfermidades do nosso século. Jamais tantos medicamentos foram produzidos e consumidos para estes problemas emocionais como hoje. Neste salmo vemos que, ao lidar com o louvor, pacificamos também nossos corações. No verso 1 ele nos fala sobre a alegria, no 2 sobre a libertação de nossos temores e no 5 da libertação das nossas angústias. Louvar a Deus alegra o coração do Pai e também pacifica a nossa alma, uma vez que reconheço que minha vida está nas mãos daquele que, em todas as coisas, é bom.

Em 1873 um navio francês, o Ville de Havre, seguia da costa leste americana para a Europa. Entre os passageiros encontravam-se a senhora Spafford e seus quatro filhos, esposa de um cristão piedoso, jovem advogado de Chicago. Nesta viagem o navio sofre um acidente e vem a naufragar, morrendo quase todos os tripulantes. Dias de desespero se seguem com a ausência de notícias para as famílias dos desaparecidos em alto mar. Finalmente o senhor Spafford recebe um telegrama comunicando que sua esposa foi encontrada ainda com vida, mas estava só. A mensagem sobre a perda de seus quatro filhos lhe aflige a alma. Ele chora e lamenta. Depois senta-se e escreve a letra de um hino que se tornaria conhecido em todo o mundo: “It is well with my soul” (Está bem a minha alma), conhecido como “Sou feliz com Jesus”. Nele ele diz:

Se paz a mais doce me deres gozar
se dor a mais forte sofrer
Oh, seja o que for, Tu me fazes saber
Que feliz com Jesus sempre sou

O louvor a Deus não é definido pelos marcadores da nossa história,mas sim pela bondade do Senhor que vai além das linhas do horizonte do entendimento da vida. Louvar a Deus é reconhecer que a Sua bondade será sempre maior do que qualquer tragédia que possa se abater sobre nossa existência. É cantar a Sua bondade nos dias de luz e alegria, e não deixar de fazê-lo nos dias de neblina forte e cores cinzas. Sua bondade é maior que a vida.
Um dia, em luz plena e eterna, cantaremos a Sua bondade, em “todo o tempo”. Não precisaremos de fatos da vida para fazê-lo. A Sua presença nos bastará.

domingo, 6 de março de 2011

Entre desencontros e reencontros


Por Ricardo Agreste

Todos temos a difícil tarefa de lidar com amarguras em relação às atitudes de pessoas. Debaixo dos olhos do Pai Celeste, que tanto nos tem perdoado, somos motivados a fazer o mesmo com o irmão que pecou contra nós.

Um dos maiores desafios que enfrentamos na manutenção de nossa saúde física, emocional e espiritual reside na forma como lidamos com os ressentimentos gerados pelos desencontros em nossas relações interpessoais. Em algum momento de nossa trajetória, todos nós nos deparamos com a difícil tarefa de lidar com as amarguras em relação às atitudes e palavras de pessoas que, consciente ou inconscientemente, nos feriram ou decepcionaram.

No evangelho de Mateus, Jesus inicia uma sessão de ensinamentos com a seguinte frase: "Se o seu irmão pecar contra você (…)". Diante do que é colocado, Pedro levanta uma palpitante questão: "Senhor, quantas vezes deverei perdoar a meu irmão quando ele pecar contra mim?" Jesus responde de forma enigmática, dizendo que não deveria fazê-lo somente sete vezes, mas sim, "setenta vezes sete", conforme Mateus 18.21-22. Dando continuidade ao raciocínio, o Mestre conta a história do rei que, diante da oportunidade de acertar contas com seus servos, optou por cancelar suas dívidas e deixá-los ir.

É interessante que a primeira preocupação que nos ocorre ao lermos este trecho é qual seria o significado da frase "setenta vezes sete". Isso muitas vezes desvia a nossa atenção de alguns outros elementos bem mais importantes no texto. Um deles é o fato de que este conjunto de ensinamentos trata dos desencontros entre "irmãos" e "conservos". Logo, nosso questionamento deveria ser identificar quem é esse irmão, a quem devemos perdoar, ou quem é o conservo cuja dívida devemos cancelar. Eles certamente não serão pessoas desconhecidas, aquela gente que simplesmente encontramos na fila do banco ou no ponto de ônibus. Tais termos referem-se a pessoas que têm compartilhado conosco de uma jornada mais constante, andando lado a lado numa caminhada de fé e na construção de uma relação de amizade.

Justamente por isso, somos levados à constatação de três grandes problemas em nosso relacionamento com aqueles que nos são como irmãos ou conservos. O primeiro deles é que nossa maior dificuldade não é lidar com desencontros ocorridos com estranhos. O sofrimento e a crise se instalam de forma dolorosa e complexa quando o relacionamento com gente que compartilha de nossas vidas é abalado. O segundo problema diz respeito ao idealismo que criamos em torno dessas pessoas que nos são próximas. É uma expectativa irreal pensarmos que gente que compreende o Evangelho e se rende a Jesus como Salvador e Senhor não está sujeita a sentimentos de inveja, ciúmes, rancor ou inimizade. Daí nossa decepção quando o relacionamento com alguém assim é abalado.

O terceiro problema aponta para a forma como trabalhamos esses nossos relacionamentos. Sempre atribuímos maior valor à última atitude ou palavra, sem levarmos em conta todas as atitudes e palavras que construíram a história daquela relação. Em outras palavras, não importam todos os depósitos que foram feitos ao longo das experiências vividas; diante do desencontro, agimos como se nosso irmão ou conservo não tivesse qualquer saldo em nossas vidas. Em qualquer destas situações, a solução é sempre abrir mão do orgulho, reconhecendo o valor dessas pessoas para nossas vidas e histórias, redimensionando nossas expectativas em relação a elas e levando em conta tudo de bom que construiu nossa história mútua, e que não pode ser desprezado em função de um erro fortuito.

Mas o que Jesus quis nos ensinar com essa história? Primeiramente, que nós somos como o servo que não tinha como quitar a dívida com seu senhor. Deus é o rei que optou por cancelar nossas contas e deixar-nos ir, salvos e justificados. Logo, existem momentos que somente a consciência de quem somos diante de Deus pode nos dar a humildade suficiente para lidarmos com graça com nosso irmão ou conservo ofensor.

Em segundo lugar, a história nos ensina que perdoar não é um sentimento que brota espontaneamente dentro de nós. O perdão é uma decisão que tomamos de assumir os prejuízos gerados pelo ofensor, abrindo mão de toda e qualquer cobrança. Ao perdoar o devedor, aquele rei não estava dizendo que não existia de fato uma dívida, mas sim, que ele resolvera abrir mão do que lhe era devido. Ou seja, ele assumiu o prejuízo e liberou o outro de qualquer cobrança. E, muitas vezes, o perdão não consiste em um mero ato, mas em um processo – mesmo depois de tomarmos a decisão de cancelar as contas, somos surpreendidos por sentimentos que voltam a nos assaltar e nos impulsionar à demanda por justiça. Diante deles, precisamos renovar nossa decisão pelo perdão.

Agindo dessa forma, nossos desencontros serão movidos na direção de reencontros. Debaixo dos olhos do Pai Celeste, que tanto nos tem perdoado, somos motivados a fazer o mesmo com o irmão que pecou contra nós ou com o conservo que nos deve. Movidos pela graça que nos alcançou, somos capazes de derramá-la sobre aqueles que nos feriram ou decepcionaram.
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Fonte: Revista Cristianismo Hoje
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