sábado, 28 de agosto de 2010

A Síndrome do marido maravilhoso

por Isabelle Ludovico da Silva

Foi este título de um artigo do psicólogo Alberto Lima, publicado há muitos anos, que chamou minha atenção sobre esta realidade. Tenho em mente um desabafo de uma amiga, esposa de um pastor de renome: "Demorei muitos anos para descobrir que eu não era apenas a sombra dele, mas que tinha luz própria!". Lembro de outra amiga, casada com um artista famoso, que luta até hoje para sobreviver ao lado de um ego tão inflado. O que dizer do provérbio popular: "Atrás de todo grande homem, existe uma grande mulher!". De fato, parece que muitos homens desenvolvem um brilho tão ofuscante que não sobra lugar ao seu lado, apenas papéis subalternos de bajuladores e serviçais. São pessoas empreendedoras, carismáticas, sedutoras que conseguem arrebanhar admiradores e vão aos poucos desenvolvendo um personagem idealizado que enfatiza as qualidades e camufla as fraquezas. Assim como, no mito de Narciso, a ninfa Eco é condenada a repetir "maravilhoso, maravilhoso!", este homem não aceita críticas e questionamentos.
Mas o seu sucesso na vida pública não se sustenta na vida privada, na intimidade do lar. Este homem educado, sociável, inteligente, brilhante, reserva suas atenções para as pessoas que o admiram. Em casa, porém, mostra-se mal-humorado, calado, pouco disponível, distante, sempre cansado e irritado. Não é companheiro, joga-se na frente da televisão ou enfia-se num jornal, responde às perguntas de forma evasiva, não convida a mulher para sair e a acompanha de má vontade nos compromissos pessoais. Sua mulher e filhos percebem esta ambigüidade e ficam num grande dilema. A mulher pode se contentar em ser invejada pelas amigas e esconder cuidadosamente a sombra de seu companheiro. Muitas se rendem à imagem pública e passam a desempenhar papéis coadjuvantes, vivendo um faz de conta onde não há espaço para descobrirem seu valor pessoal. Ao negar suas limitações, este homem de sucesso acaba projetando-as nas pessoas mais próximas que ficam a mercê desta imagem distorcida e não conseguem enxergar seu próprio potencial. Outros, principalmente na adolescência dos filhos ou na crise de meia idade da mulher, tentam virar a mesa e denunciar esta farsa. A mulher entra em depressão ou passa a ser crítica e os filhos podem apresentar sintomas físicos, buscar refúgio em drogas ou adotar um comportamento rebelde.

Esta pode ser a grande oportunidade de tirar as máscaras e abrir espaço para uma verdade libertadora para todos. A mulher que se anulou para que ele brilhe pode descobrir sua própria contribuição na luz que ele irradia. Geralmente ela tem qualidades consistentes de hospitalidade, serviço e reflexão. É uma pessoa profunda, que sabe ouvir e encorajar os outros. Além de reconhecer suas qualidades, ela precisa aprender a receber e precisa se dar o direito de colocar limites. Ele precisa admitir sua fragilidade, sua superficialidade, sua insegurança para descobrir que pode ser amado apesar delas. A relação se fortalece nesta nova parceria onde cada um percebe a contribuição do outro e a possibilidade de fertilizar-se mutuamente. Ele desce do seu pedestal e encontra um acolhimento nesta mulher que pode finalmente descobrir o seu lugar ao seu lado. Os filhos conquistam o direito de serem reconhecidos e desenvolver suas características pessoais num ambiente de respeito das diferenças e de encorajamento.
Em vez de delegar a responsabilidade pela sua vida ao marido e limitar-se a sofrer calada ou aprimorar o papel de vítima, a mulher precisa resgatar em Deus a sua verdadeira identidade de filha amada, capacitada pelo Espírito e chamada a uma vocação pessoal e intransferível. O homem precisa ter a humildade de assumir sua sombra e abrir mão do reconhecimento público para descobrir-se acolhido por Deus incondicionalmente, não pelos seus méritos, mas apesar de seus pecados, como Pedro foi acolhido por Cristo após tê-lo traído. Quando experimentamos esta aceitação na hora que nos sentimos mais inadequados, somos libertos da compulsão de seduzir para sermos amados e podemos então ter a coragem de nos mostrar como somos, com toda a nossa humanidade.

Isabelle Ludovico da Silva, psicóloga com especialização em Terapia Familiar Sistêmica. isabelle@ludovicosilva.com.br

domingo, 22 de agosto de 2010

O cuidado de Deus não é fábula!


por Valdir Steuernagel

Há algumas histórias bíblicas com as quais temos uma relação ambígua: gostamos delas e delas tiramos constantes ensinamentos. Mas a verdade é que achamos meio difícil acreditar nessas histórias, pois caem muito melhor para as crianças...

Ver os olhos dos pequenos se arregalando e a adrenalina subindo, num salivar de interesse e total envolvimento, nos fascina e encanta. “E então veio um grande peixe...”, narramos, e o grito deles deixa transparecer todo o seu cativamento. Nós, os adultos, é que contamos a história; mas acreditar nela do mesmo jeito, soltando os mesmos gritos de empolgação, aí já é diferente e bem mais difícil. Dessa ponta de ceticismo e raiz de dúvida, nem nós, os pregadores da Palavra, estamos livres. Penso na minha própria experiência ministerial e nas vezes em que preguei sem sair muito convencido do que disse. “E, se Nínive se converteu, qualquer das nossas cidades pode se converter!”, declarava com eloqüência. Mas, quando as pessoas iam embora e eu, sozinho, descia as escadarias da igreja e retornava à minha casa, perguntava a mim mesmo se acreditava no que dissera. E aí me deparava com todo o meu ceticismo e minha dificuldade de crer.

Uma das dificuldades que temos com as histórias bíblicas é que elas refletem uma realidade muito diferente da nossa, com a qual temos dificuldade de nos relacionar. Acabam sendo coisa de outro tempo e de outro mundo. Tenho visto que um dos segredos é tentar trazer o relato bíblico para dentro do nosso mundo. Aí vejo que ele cabe muito bem na nossa realidade e vai tomando formas que constroem uma bonita ponte entre aquela realidade e a nossa; e o nosso ceticismo vai sendo vencido pela realidade do amor e do cuidado de Deus. E estes, por sua vez, vão tomando forma e assumindo diferentes sabores, cheiros e expressões, sempre a nos dizer que Deus é o mesmo ontem, hoje e sempre (Hb 13.8) e cuida de nós ontem, hoje e sempre.

Vamos ver isso mais de perto?
O cuidado de Deus assume muitas formas

Cada vez mais eu me vejo envolto pelo cuidado de Deus e falando desse cuidado que expressa a natureza divina e nos cativa com seu amor. Esse cuidado assume muitas e diferentes formas e se expressa nas pequenas coisas da vida e no nosso cotidiano. Mas às vezes ele assume uma forma radical e dramática.

Quem já não ouviu falar da história de Elias e de como Deus o sustentou à beira de um riacho remoto, à base de pão e carne? Cardápio simples e suficiente, mas servido de um jeito estranho e nada apetitoso: “disk-corvo”! O problema é o corvo que, sob orientação direta de Deus, visita o profeta duas vezes ao dia: “Depois disso a palavra do Senhor veio a Elias: ‘Saia daqui, vá para o leste e esconda-se perto do riacho de Querite, a leste do Jordão. Você beberá do riacho, e dei ordem aos corvos para o alimentarem lá.’ E ele fez o que o Senhor lhe tinha dito. Foi para o riacho de Querite, a leste do Jordão, e ficou lá. Os corvos lhe traziam pão e carne de manhã e de tarde, e ele bebia água do riacho” (1 Rs 17.2-6).

Falemos cá entre adultos: nós celebramos o sustento que Deus dá ao profeta, mas seu jeito de fazê-lo não desce com tanta facilidade na garganta da nossa credibilidade. Seja porque não nos agrada a idéia de um corvo chegar carregando nosso almoço num bico que bicou sei lá onde, seja porque a nossa verve racional começa a fazer perguntas sobre este episódio. Então, preferimos contá-lo a um grupo de crianças crédulas e fascinar-nos com o seu cativamento!
Trazendo o "corvo" para mais perto

Certa vez, visitando os pais da Silêda no Maranhão, eu compartilhei com eles a minha estranheza acerca do corvo levando carne ao profeta. “Que tipo de carne?”, comentei.

Então a mãe dela, mulher de histórias e parábolas, falou: “Pois é... papai sempre nos contava daquela vez em que a família dele foi alimentada por um urubu!”

E contou uma experiência ocorrida lá pelo final do século 19, quando a família do seu pai vivia no interior do Ceará. A vida era difícil e atormentada. Às vezes, eles tinham de abandonar a casa por causa dos bandos de cangaceiros que tomavam conta de tudo. Eles chegavam e se instalavam na propriedade, sem dia marcado para ir embora. Quem não fugia, morria. E os donos acabavam debandando. A necessidade constante de fugir já fizera disso uma empreitada organizada. Suprimentos e utensílios básicos tinham de acompanhar a fuga, pois não se sabia quanto tempo a família inteira precisaria ficar escondida no mato.

Numa dessas fugas, a permanência no esconderijo prolongou-se além do previsto. Os dias passavam e nada de os bandidos irem embora. Os mantimentos estavam acabando, o nervosismo aumentando e todos vivendo a dificuldade de não saber o que fazer. E chegou o dia em que só havia feijão para cozinhar. Era o resto, e era só feijão mesmo. Nem sal havia!

Era costume na região salgar a carne e pendurá-la num varal para secar e virar carne de sol. Volta e meia os varais eram visitados por famintos urubus. Pois não é que naquele dia, enquanto o feijão cozinhava na panela, um bando de urubus sobrevoou o local e um deles, não conseguindo mais carregar o toucinho que havia roubado de algum varal, deixou-o cair justamente ali! Na pressa do roubo e sem muito tempo para fazer escolhas, ele havia agarrado um pedaço maior do que suas garras podiam transportar. Cansadas, elas se renderam e o toucinho despencou exatamente lá onde a família escondida olhava, ansiosa e faminta, para o feijão sem tempero!

Foi pura benção e absoluto cuidado de Deus! O feijão foi salgado e a refeição enriquecida pelo presente do urubu. Assim, não apenas Elias foi alimentado por um corvo. Aqueles rostos ansiosos e tensos, no indesejado esconderijo, nos confins do sertão nordestino, experimentaram o alimento trazido por um “corvo” como um providencial presente, tão inesperado e inusitado quanto necessário.

Dona Lídia me trouxe a história de Elias para perto. Para a sua própria família, ainda que para dias que já vão longe. Mas ela me ajudou a entender que a história de Elias é coisa de Deus e, sendo de Deus, é coisa para os nossos dias. A dificuldade é que muitas vezes não queremos nem conseguimos ver os corvos trazendo o nosso toucinho, expressão do cuidado e do amor de Deus. Mas que tem toucinho no feijão, isso tem.

Valdir Steuernagel é pastor luterano, trabalha com a World Vision International e com o Centro de Pastoral e Missão, em Curitiba. É autor de, entre outros, Para Falar das Flores... e Outras Crônicas.

domingo, 15 de agosto de 2010

Gente Feliz

por Ariovaldo Ramos

Feliz é quem não segue os conselhos dos perversos: essa gente que sonega o direito; persegue o inocente; e, para quem, os fins justificam os meios.

Feliz é quem não relativiza o amar a Deus, acima de tudo, e o amar ao próximo, como a gente gosta de ser amado, como guia para toda a ação.

Feliz é quem sabe que toda a vida é sagrada, e a preserva.

Feliz é quem vive e anda com os justificados: promovendo o direito e preservando toda a vida.

Feliz é o que está plantado na comunidade dos declarados justos: onde esse amor é o modo de viver, e a vida, então, flui como um rio, que o faz crescer como uma árvore sempre verdejante.

Feliz é o que dá tempo ao tempo, e, no tempo certo, faz o que tem de fazer.

Feliz é o que sabe que o prazer não é um lugar, mas uma construção.

Feliz é o que medita em como ser gente como gente deve ser: que medita em como viver a partir do amar a Deus acima de tudo, e do amar ao próximo como a gente gosta de ser amado.

Feliz é quem anda nesse caminho onde a maldade não tem lugar: porque esse é o caminho de Deus!

domingo, 8 de agosto de 2010

Toma que o filho é teu!


por Ed René Kivitz

Pesquisas do Núcleo de Análise do Comportamento da Universidade Federal do Paraná mostram como o comportamento dos pais influencia a personalidade e a saúde mental dos seus filhos. Desde 2002, aproximadamente 3.000 crianças e adolescentes foram avaliados e opinaram sobre seus pais.

Baseado nos resultados (publicados em O Estado de S.Paulo, no domingo 14 de agosto último), o grupo de psicólogos delimitou quatro perfis de pais: negligentes, participativos, permissivos e autoritários. Os participativos (34%) impõem muitas regras e limites, mas dão muito afeto e se envolvem na vida dos filhos. Os autoritários (12%) impõem muitas regras e limites, mas dão pouco afeto e não se envolvem na vida dos filhos. Os permissivos (15%), impõem poucas regras e limites, mas dão muito afeto e se envolvem na vida dos filhos. Finalmente, os negligentes (39%), impõem poucas regras e limites, dão pouco afeto e não se envolvem na vida dos filhos.

Os resultados foram muito esclarecedores. Por exemplo, filhos com baixa auto-estima, têm pais que lhes dão pouco afeto (71%), se envolvem pouco com eles (69%), impõem poucas regras e limites (67%), punem muito (70%) e lhes dão muitas palmadas (64%). Os filhos com pouca desenvoltura social têm pais que impõem poucas regras (69%), elogiam pouco (62%), se comunicam pouco com eles (62%), mas têm bom clima conjugal (65%). Já os filhos com indícios de stress têm pais que lhes dão pouco afeto (72%), se envolvem pouco (70,6%), impõem poucos limites (72,2%), elogiam pouco (72,2), punem inadequadamente (47,1%), dialogam pouco (72,2%), não dão bom exemplo (77,8%) e têm muito bom clima conjugal (38,9%), o que significa que um bom relacionamento do casal não significa necessariamente bom relacionamento familiar.

Fiquei especialmente impressionado ao ver que 75% dos filhos com pais participativos acreditam que são capazes, contra 21% dos que têm pais permissivos e apenas 4% dos que têm pais negligentes e autoritários, o que pode significar que a variável na educação para a autonomia não está nas regras e limites, mas no afeto e no envolvimento dos pais.

Também achei importante que apenas 14% dos filhos que têm pais participativos têm depressão, contra 56% dos que têm pais negligentes e 26% dos que têm pais autoritários. Mas apenas 3,5% dos filhos com pais permissivos têm depressão, o que pode significar que a grande dificuldade das crianças é conviver com regras, limites e pressão, devendo sempre ser contrabalançadas com afeto, atenção e envolvimento.

Outra informação interessante é que 62% dos filhos que têm pais participativos têm boas habilidades sociais, contra 25% dos que têm pais permissivos, 7% dos que têm pais autoritários e 6% dos que têm pais negligentes, o que pode significar tanto o autoritarismo quanto a permissividade são formas de ausência.

Definitivamente, ainda vale aquela máxima da antiga propaganda: não basta ser pai, não basta ser mãe, tem que participar.

domingo, 1 de agosto de 2010

Olhando o olhar

por Lilia Mariano

O que se passa atrás do seu olhar
neste lugar onde o meu olhar
não pode penetrar!

O que se esconde atrás do seu sorrir
neste lugar onde o mentir
não pode enganar.

Pois mesmo que a cada dia
vista-se roupa nova
ou seja perseguida a alegria
carrega-se a si mesmo como prova
de que tudo será como antes.

Mas pode haver novo dia
com esperança nova
se Cristo é a razão da alegria
carrega-se a si mesmo como prova
de que nada será como antes"

(Sérgio Pimenta - Nada como antes)

Sempre me impressionei com a capacidade que Jesus tinha de olhar as pessoas e enxergar o que elas verdadeiramente eram. Sempre orei para que ele que me desse esse discernimento, de olhar para o ser humano e compreendê-lo, discerni-lo, compadecer-me e me movimentar na direção dele. Mas isso requer exercício. Olhar para discernir é algo que exige prática de compaixão, capacidade de enfrentamento construtivo e, atualmente, exige também muita determinação, pois sempre que encarado, a tendência do ser humano é esconder o olhar. Eu mesma, me pego, muitas vezes, escondendo o olhar...

Coloquei a música acima para tocar, e escutei, logo depois, a música seguinte. Um longo e enlevador instrumental, interpretado pelo Grupo Semente: Ele é o teu louvor, também de autoria de Sérgio Pimenta. Piano maravilhoso tocado por Gerson Ortega. Simplesmente linda! Sempre que ouço esta música sou transportada para um outro nível de aproximação com Deus. No encarte deste CD se conta o seguinte:
"Não dá para esquecer... o Gerson gravando a música ‘Ele é o teu louvor’ ... quebrantado e cheio do Espírito Santo, sofrendo com a enfermidade de seu primeiro filho, dedicando o que tocava a Jesus..."

Os companheiros de equipe do Grupo Semente se conheciam, a ponto de discernir toda a dor que Gerson enfrentava enquanto interpretava Ele é o teu louvor, em lágrimas, como oferenda ao Rei dos reis. Isso é treino, é prática, isso é comunhão, isso é intimidade, isso é ser um como Jesus e o pai são um.

O que se se esconde atrás do seu olhar?

Um dos exercícios que inventei para minhas turmas de treinamento em evangelismo urbano é o de lermos os olhares das pessoas. Tentar aprender com o Mestre esse tipo de olhar que vê o ser humano lá dentro, no profundo da alma, que o discerne, que estremece de compaixão pela necessidade do outro, e que se move em favor dele. Um olhar que ama.

O exercício se chama 3 minutos do seu olhar. Escolhem-se duplas, normalmente entre pessoas que praticamente não se conhecem. A tarefa: passar 3 minutos olhando nos olhos um do outro, discernindo um ao outro. Como eu monitoro o tempo, posso observar as reações, algumas vezes também participo, e verifico que no primeiro minuto sempre acontece um desconforto gigantesco, as pessoas lutam para não se encararem, tem crises nervosas de riso, tentam olhar para outros lados ou para qualquer parte da sala que não encontre com os olhos do seu companheiro da dupla. Mas o olhar não pode ser desviado. É um momento de muita tensão. A partir do segundo minuto as pessoas sossegam um pouco, a agitação desaparece, se acomodam e há o início da leitura da alma do outro ser. No terceiro minuto do olhar, ambos estão relaxados, há o enternecimento, a compreensão da outra alma, o discernimento dos sofrimentos e das angústias que o outro ser está enfrentando. Há compaixão e o amor começa a nascer.

Terminados os três minutos, os membros da dupla são encorajados a contar o que viram um para o outro; só entre eles, e a orarem juntos a respeito. Já apliquei este exercício dezenas de vezes nos treinamentos missionários que ministro, e todas as vezes o resultado é o mesmo: o que as pessoas viram no olhar do outro corresponde, no mínimo, a 80% do que a outra pessoa estava passando. Mas elas só discerniram isso, porque empregaram tempo em olhar, em discernir o olhar das outras.

Eu tenho praticado por 20 anos olhar para o olhar das pessoas. E nestas estradas da vida, vejo tanta dor, tanto sofrimento, desespero e desesperança... eu me identifico com estas pessoas e isso me parte o coração porque muitas vezes estou impotente para solucionar estas questões. E sabe o que mais? Isso deixa o meu próprio olhar cansado e triste. De uns tempos para cá andei concluindo que Jesus teve, provavelmente, um olhar triste, pois é impossível sentir a dor do sofrimento humano sem ser mexido por ela, sem se afetar com ela.

De uns meses para cá eu reparei que meu semblante estava perdendo a energia por conta dos meus olhos, cada vez que era fotografada, eu parecia estar com sono. Passei, nos últimos seis meses, a pintá-los com discrição, na tentativa de dar uma vitalizada no olhar. Mas tenho me lembrado do olhar das pessoas, envelhecido pela dor, cansado de sofrer ... e quando os pinto, percebo que meu olhar reflete a pele do meu corpo, também tatuada pela dor, pelos sofrimentos, pelas decepções dos sonhos que nunca se realizaram... essa poeira da vida que , conforme o tempo vai chegando, as dores vão passando e as cicatrizes vão ficando, embaça o olhar mais brilhante e infantil. Nada será como antes, é o que diz o castanho-escuro dos meus olhos, pois lá no fundo deste par de "jabuticabas" brilha uma chama tenra. Não é ofuscante, é delicada e perene, tão sutil que pouca gente percebe, mas é a luz desta chama eterna chamada Cristo, que me enche de amor pela vida e me traz esperança.

O olhar do Mestre tem me inspirado a ensinar e a fazer tudo que faço hoje, que o "Seu maravilhoso olhar" te toque o coração.
"Ao desembarcar, viu Jesus uma grande multidão e compadeceu-se deles, porque eram como ovelhas que não têm pastor. E passou a ensinar-lhes muitas coisas." (Marcos 6,34)

Nem um momento só, deixou-me o seu olhar
Nem quando eu dava dó, negou-me o seu amar
Nem quando me omiti, como se pudesse me esconder
Nem mesmo quando não vi solução
Negou-me sua mão.

(Sérgio Pimenta - Nem um momento só)
Lília Mariano Lília Mariano é Mestre em Teologia e em Ciências da Religião. É coordenadora da Pós-Graduação em Exegese da UNIABEU e do Departamento de Educação da Conveção Batista Brasileira. É membro da diretoria da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica e também editora das revistas Educador e Pós-Escrito e assessora-articulista das revistas Estudos Bíblicos e Revista de Interpretação Bíblica Latino Americana (RIBLA).
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