segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Intimidade com Deus refletida na partilha do pão‏

por Carlos Queiroz


"Pai nosso que estás nos céus"

Em Mateus a oração do "Pai Nosso" faz parte do famoso e conhecido Sermão da Montanha, proferido por Jesus. Neste sermão, Jesus trata cada assunto com a simplicidade da vida ao mesmo tempo em que aprofunda os seus ensinamentos. Para John Stott o sermão é radical, pelo fato de Jesus lidar com temas relevantes da existência humana e os trata a partir da raiz dos problemas. Nesse contexto é introduzida a oração ensinada aos discípulos do Senhor. Portanto, com a mesma perspectiva e radicalidade do sermão. Jesus não pretende ensinar uma oração a ser meramente repetida na superficialidade litúrgica, não uma forma, que somente decorada e reproduzida, traga efeitos mágicos à vida dos seus seguidores. Orar, segundo o estilo de Jesus Cristo, não se resume na formulação de jargões, fraseados bem construídos, mesmo que elaborados com estilo e fundamentos bíblicos e teológicos. Naturalmente não descartamos a beleza de uma oração bem elaborada. Os salmos, por exemplo, são peças elaboradas com fundamentação teológica correta, e poesias feitas com muita técnica e maestria.

Todavia, orar na experiência de Jesus era um modelo de ser acolhido pelo Pai na privacidade da vida, na intimidade do lugar secreto. "O Pai que vê em secreto..." Seja este lugar o quarto, onde podemos orar de joelhos, rosto em terra, com lágrimas ou sem lágrimas, lugar onde, despir ou não despir, não fará diferença. Seja este lugar o deserto solitário ou a noite silenciosa, o importante e significativo na oração é manter a relação íntima paterno-filial com Deus de onde desabrocham os relacionamentos com as demais pessoas e a maneira de se encarar a dor e sofrimento dos que não possuem pão.

Do ponto de vista da forma e estruturação litúrgica o "pai nosso" não inovou em basicamente nada. A inovação que faz a grande diferença entre o "Pai nosso que estás nos céus" e as demais orações é a seguinte.

Primeiro: "O Pai Nosso" enfoca uma nova maneira de nos colocarmos diante de Deus numa profunda e pessoal relação de amizade de pai para filho. Sem esta relação íntima com o Pai não adiantam formas, lugares, bons hábitos de oração, linguagem rebuscada, correta e burocrática das liturgias religiosas. Oração ao Pai antes de ser um modelo prefixado requer uma entrega na base da confiança, um relacionamento alicerçado no amor, um desejo profundo de ser amado e perdoado pelo Pai. Este aspecto inovador relacional com Deus na oração de Jesus, é exclusivo dEle e dos seus discípulos. Jesus começa a oração usando uma palavra aramaica com a qual o filho se dirigia ao Pai dentro de casa e que significa "papai". Fora de casa, o pai era tratado por "senhor". Jesus ao orar várias vezes "Abba-Pai" não o fazia para conquistar uma intimidade, mas para expressar a relação familiar já existente. Abba-pai é a oração da intimidade do quarto: "Tu, porém quando orares entra no teu quarto, e fechada a porta, orarás a teu pai que está em secreto e teu pai que está em secreto te recompensará." (v.6.). O termo grego utilizado, "tameion" é mais sugestivo do que quarto. "Tameion" é o lugar onde se guarda o tesouro, depósito subterrâneo; lugar de difícil acesso. Fora do lugar secreto, ou "tameion", a oração torna-se manipulável a serviço da publicidade e propaganda do orante.

Jesus não está ensinando uma oração privada individualista, mas procurando desmascarar a futilidade do uso publicitário da oração para o prestígio pessoal. Era assim o estilo dos hipócritas; "...gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, para serem vistos dos homens". (v.5.). Portanto, "Abba-Pai" na intimidade, de modo que somente o pai perceba, é uma disciplina espiritual que nos ajuda a crucificar o exibicionismo e a hipocrisia.
"Abba-Pai" é a oração de homens e mulheres a quem Deus conhece e sabe de suas necessidades (v.7). Por isso não temos necessidade de nos assemelharmos aos gentios ou pagãos. Àqueles que oram repetindo palavras, fórmulas na tentativa de inclinar Deus aos seus desejos, estão orando à semelhança dos pagãos. Os pagãos acreditavam que os seus deuses lhes escutariam pela muita repetição das palavras. Eles entendiam essa maneira de orar como uma técnica para aplacar a força divina em serviço próprio. No mundo cristão, há aqueles que se utilizam de modelos pagãos, achando que pelo fraseado, Deus irá lhes atender, talvez usando um argumento forte baseado nas Escrituras, uma promessa, por exemplo. Não muda em nada, Deus conhece todas as vossas necessidades. Não adianta a frase em nome de Jesus Cristo se o propósito de nossa oração não faz parte dos interesses de Deus.

"Abba-Pai" é a oração dos interessados e engajados nos projetos de Deus. É a oração daqueles que independente de adquirir ou não coisas e bens, através de suas orações, ou mesmo se tiverem que correr riscos por causa do Reino de Deus, mesmo assim, preferem a comunhão com o Pai. "Abba-Pai" é a oração da entrega incondicional. "Pai se possível, passa de mim este cálice...", mas entre a morte e a nossa intimidade, entre a morte e a quebra da Tua vontade, é preferível a morte. Orar em nome de Jesus Cristo significa que Ele pôs o Seu nome em risco para os propósitos de nossa oração.

Para filhos que guardam tão estreita relação, o pai não somente conhece as suas necessidades, mas pode declarar a sua apreciação; "Este é o meu filho amado em quem eu tenho prazer". Deus porventura, diria o mesmo sobre você? "Abba-Pai" é a oração daquele que fala com Deus e ouve a voz de Deus. Ás vezes não paramos para ouvi-lo.

Oramos com tanta angustia que só nós falamos. Certa feita uma jovem me perguntou:
- Pastor, por que Deus não responde as minhas orações? Falo com Ele, não tenho parado de falar, mas não escuto resposta.
- Como você vai ouvir se não parar de falar? Se já falou, procure escutar. - Sugeri.

Oração é uma via íntima de duas mãos. Precisamos falar, mas necessitamos exercitar interpretar a voz mais profunda do silêncio de Deus.

Segundo: A oração ensinada por Jesus era inovadora porque aponta para uma nova maneira de encarar as pessoas na reciprocidade do amor. Se amamos a Deus, amamos também os nossos irmãos. Se somos perdoados por Ele também perdoamos os nossos irmãos; "perdoa-nos (...) assim como nós temos perdoado (v.12). Na tradição religiosa judaica era conhecido o perdão oferecido por Deus àqueles que oram, mas em nenhuma tradição encontra-se a oração onde aquele que ora perdoa o seu irmão. Na oração - estilo de vida apresentado, orar não é uma ação privada-individualista. Por mais paradoxal que possa parecer, orar é a encubação da amizade com Deus na intimidade, e em lugar secreto, sendo ao mesmo tempo, vivida e ensinada no lugar mais elevado à vista de todas as demais dimensões e relações da vida. Comunhão com os irmãos, fundamentada no amor, na reciprocidade do perdão é essencialmente novo na oração do "Pai Nosso".

A primeira pessoa do plural usada na oração de Jesus evita que a oração-estilo caia nas práticas esotéricas, onde o homem é convidado a sair de si para o além. O modelo de vida ensinado por Jesus é: "Pai nosso", "Pão nosso", "Perdoa as nossas dívidas", assim como nós perdoamos aos nossos devedores; não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal..." O "Pai nosso " é a oração que brota frutos no outro lado da porta e janelas do quarto. O "nosso" quebra a tentação da oração privada-individualista.

O quarto é o ponto de partida, o depósito subterrâneo onde Deus planta em nossos corações a semente do amor, aguada e fertilizada pela oração. Porém os frutos dessa semente germinam no relacionamento familiar, na convivência com irmãos e amigos, no trato amável e pacificador de relacionamentos desgastados, na consciência de nossa vocação e consequentemente na eficácia de nosso ministério.

Pai nosso é a oração que nos projeta do nosso "tameion" (amizade com Deus), para o "quarto" dos filhos. Da relação de amor e confiança com o Pai, capaz de desembocar numa intimidade profunda e relevante com a família.
"Pai Nosso", porque Deus é pai do irmão que sem motivo se irou contra você. E quem ora ao Pai, não consegue ficar diante do altar da liturgia, sem primeiro reconstruir o altar da amizade, uma vez que não existe no estilo de Jesus a oração ao meu pai, e sim ao "Pai nosso". Quem ama a Deus ama também ao próximo.
"Pai Nosso" é a oração do Getsêmani com a comunidade dos discípulos amados, é a transfiguração com Pedro, Tiago e João. É a oração sacerdotal, cujo ênfase concentra-se na confluência dos relacionamentos. "Como és tu ó Pai em mim, e eu em Ti, também sejam eles em nós".

O Pai nosso é a oração do "Pão nosso de cada dia". O pão nosso de cada dia é um pedido para o suprimento material. Pedimos e recebemos o pão-de-cada-dia. Alguns têm além do pão de cada dia - possuem o pão acumulado para cinqüenta, cem anos. O pão nosso passa a ser um problema da nossa falta de espiritualidade, quando o outro não o tem. Para muitos o "Pai-nosso" pode ser compartilhado, dividido, mas o pão, este deixa de ser nosso, é um ídolo que só na reza, na burocracia religiosa pertence a comunidade. O pai nosso é também a oração do pão de cada dia do outro.

É a oração da reciprocidade do perdão. É a intercessão íntima, profunda, comprometida com a superação da crise de tentação da comunidade. É o gemido para que o Senhor nos livre do mal, porque se ele(mal) ferir um membro do corpo, todos os outros membros sofrem com ele. Porventura sofremos com a dor da mulher marginalizada, da criança sem teto, do índio dizimado?

Portanto a oração do Pai-nosso é a comunhão existente somente na primeira pessoa do plural.

Terceiro: É essencialmente novo que o Deus a quem oramos é Pai, é "nosso", mas é acima de tudo Pai que está nos céus. Não é um ídolo terreno projetado materialmente em gesso, pedra, ouro ou qualquer outro material," não é fruto da imaginação construído em nossa realidade cultural-religiosa com o nome de deus e em muitos casos com o nome "Jesus", que nem sempre, refere-se ao Jesus Cristo, conforme as Escrituras.

A oração é feita a um Deus transcendente, todo-poderoso, imutável, infinito, que conhece, e por isso não se impressiona com aqueles que oram repetindo palavras, nem com aqueles que dão esmolas para serem visto pelos homens. Não se deixa comprar pela confissão labial: "Senhor, Senhor..." não se curva diante da reivindicação daqueles que mesmo tendo profetizado, expelido demônios ou feito milagres e nunca aprenderam a orar como estilo de vida em amizade e comunhão com o Pai. A estes o nosso Pai do céu dirá: "Nunca vos conheci..." Não tivemos qualquer momento de comunhão e relacionamento paterno-filial.

O Pai que está nos céus não é manipulável, é totalmente independente, inconfundível com qualquer ídolo terreno. Por isso Jesus propõe um relacionamento baseado no amor, confiança, confissão, transparência... Os artifícios não funcionam com Ele, porque o Pai nosso que está nos céus conhece todas as coisas.

Que a nossa oração seja um mergulho nas profundezas do coração, um recolhimento ao "tameion" este depósito subterrâneo da alma invadido pelo Pai celestial, o todo-poderoso Deus, diante de quem não há coração que possa se esconder, não há mente capaz de fugir de sua santa e graciosa ação. Com a invasão dEle o pão é mais facilmente dividido pela consciência de justiça que brota de corações puros e misericordiosos.

Que assim aconteça para que o Deus dos céus nos ajude a repartir o pão da terra.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Resgatando a esperança - O que significa esperar em Deus?

Por Isabelle Ludovico

Vivemos numa época marcada por numerosas fontes de estresse. A violência, o desemprego, a corrupção, a crise do relacionamento homem/mulher são alguns dos fatores que geram muita insegurança. Somos alimentados por uma avalanche de notícias ruins, dramas acontecendo ao redor do mundo, guerras, terremotos, tsunamis etc... que aumentam ainda mais o nosso desânimo. Temos medo dos nossos sentimentos, medo de outras pessoas, medo de perder o que temos e medo do desconhecido. Pessoas com medo tendem a construir mecanismos de defesa, armas e carapaças para se proteger dos perigos. Algumas se tornam irritáveis a ponto de qualquer transtorno desencadear explosões desproporcionais, mostrando que a panela de pressão já ultrapassou o seu limite. Foi o que provavelmente aconteceu com a madrasta de Isabella. Foi o que aconteceu com o motorista que matou o homem que o interpelara no trânsito por causa de uma fechada.

Outras pessoas ficam paralisadas diante da mínima ameaça e vão limitando seu espaço interior e exterior para evitar situações conflitivas. Vivem trancadas emocionalmente e privam-se, desta forma, do que é a essência do ser humano: amar e ser amado. A maior parte busca esquemas de fuga no ativismo, no trabalho, nas compulsões por bebida, comida, remédios ou outros vícios, e no consumismo, para citar apenas alguns. Pessoas movidas pelo medo estão mais propensas a se comportar de maneira agressiva. Qualquer sensação de ameaça gera reações impulsivas que não passaram pelo crivo da razão. Ficamos na defensiva, desconfiados, preocupados apenas em nos proteger, em preservar e acumular bens para nos garantir. Custamos a admitir que não temos controle sobre o nosso futuro. Não escolhemos nascer nem decidimos a hora da nossa morte, a menos que desistamos de viver.

Quando finalmente admitimos a nossa própria impotência e reconhecemos as nossas limitações, podemos então nos voltar para o Criador de todas as coisas que sustenta o universo e nos afirma que não cai um só fio dos nossos cabelos sem o seu consentimento. Esperar em Deus é confiar na sua promessa de estar conosco sempre. Esta espera não é uma atitude passiva, acomodada ou resignada. Pelo contrário, trata-se de uma parceria que nos leva a fazer o melhor para usufruir, multiplicar e compartilhar os recursos que Ele nos confiou. Significa viver ativamente o presente e investir nele, sabendo que o mal já foi vencido na cruz e, por isto, não prevalecerá.

Esperar é confiar na perspectiva de Deus que é mais ampla que nossos desejos finitos e parciais. Abrir mão de nossa visão estreita e de nossas expectativas limitadas permite deixar-se surpreender pelas soluções extraordinárias de Deus. Pegar a sua cruz é aceitar a vida, abrindo-se a todas as possibilidades. É desistir de tentar exercer um controle ilusório sobre o nosso futuro e abrir-nos ao novo na convicção de que Deus, como diz Henri Nouwen, nos trata de acordo com o seu amor e não de acordo com o nosso próprio medo.

Assim, podemos ter a coragem de afirmar, como Dietrich Bonhoeffer na prisão, que Deus é um Deus de amor mesmo quando à nossa volta vemos apenas rancor. Podemos proclamar que a vida suplanta a morte como a luz invade a escuridão enquanto a escuridão não consegue se impor onde há luz. Quando descobrimos que nada pode nos separar do amor de Deus, encaramos o medo de perder o que já temos e o medo do desconhecido e os transformamos em coragem de acolher com fé o futuro, sabendo que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus”. E, parafraseando a música famosa, afirmo: “Quem sabe tem esperança, por isso faz a hora, não espera acontecer”. Esperar em Deus é sair dos nossos esconderijos para encarar a vida de peito aberto, com suas alegrias e tristezas, na certeza de que cada detalhe ocorre diante do olhar amoroso de um Deus que nos quer bem. Assim, em vez de fugir ou refugiarnos numa atitude egoísta, podemos nos tornar agentes de transformação e sinais de esperança, como pontuou tão bem Agostinho: “A esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las”.


Fonte: Revista Enfoque

domingo, 13 de dezembro de 2009

Bonhoeffer - A vida e a morte de um mártir moderno. Última Parte




por Geffrey B. Kelly

PARTE III

Viagem por engano à América – No outono de 1938, Bonhoeffer sentia que era um homem sem igreja. Ele não conseguia influenciar a Igreja Confessante a tomar coragem e resistir a um governo civil que ele considerava como o mal inerente. Na frente ecumênica, ele havia se mostrado inapto em persuadir a Aliança Mundial das Igrejas a não aceitar a delegação do Terceiro Reich em sua conferência. Como forma de protesto, em 1937, Bonhoeffer renunciou ao cargo de secretário da Aliança Mundial.

Na chamada “Noite de Cristal” (Kristallnacht), em 9 de novembro de 1938, o frenesi do nazismo anti-semita é permitido contra os cidadãos judeus. A polícia observava passivamente as hordas de alemães quebrar as vidraças das casas e das lojas judias e queimar as sinagogas, brutalizando os judeus. Bonhoeffer estava fora de Berlim naquela noite, mas voltou rapidamente para aquele cenário. Ele se recusou a acreditar nas tentativas de atribuir tal violência a tão falada maldição divina sobre os judeus por causa da morte de Cristo. Em sua Bíblia, ele sublinhou Salmo 74:8 – “Disseram em seus corações: ‘Vamos acabar com eles! E queimaram todos os santuários do país’”. – e colocou ao lado a data da Noite de Cristal.

Bonhoeffer sentiu um enorme desapontamento com o vergonhoso silêncio que se seguiu por parte da igreja, sobre aquela noite de selvageria. Este foi um dos fatores que o levou a cogitar uma segunda viagem à América. Ele desejava repensar seu compromisso com a Igreja Confessante, o ponto principal de sua oposição a Hitler.

Outra razão para deixar a Alemanha era a iminente convocação às forças armadas para os de sua faixa etária. Bonhoeffer compreendeu que sua recusa a ingressar no exército traria a ira nazista sobre seus colegas da Igreja Confessante. Bonhoeffer também havia entrado em contato com seu cunhado, Hans Von Dohnanyi, almirante Wilhelm Canaris, e o coronel Hans Oster (todos da unidade de inteligência militar ou Abwehr), que estavam preparando um golpe de estado. Ele temia, inconscientemente, atrair a atenção da Gestapo para este plano.

Por todos estes motivos, Bonhoeffer considerava a possibilidade de deixar a Alemanha, desta vez via um tour de palestras pelos Estados Unidos, no verão de 1939. O americano Paul Lehmann, seu amigo íntimo e o seu primeiro professor Reinhold Niebuhr, estavam ansiosos por resgatar Bonhoeffer do destino reservado aos dissidentes na Alemanha Nazista. Por isso arranjaram o tour com a intenção implícita de que, uma vez iniciada a guerra, ele pudesse permanecer na América. Bonhoeffer embarcou para os Estados Unidos em 2 de junho de 1939.

Entretanto, a tranqüilidade desta viagem era perturbada pela lembrança da perseguição que os pastores dissidentes estavam enfrentando. A Godesberg Declaration, de 04 de abril de 1939, impunha a todos os pastores o dever de devotarem-se completamente a “política nacional de trabalho construtivo do Führer”. Tornava-se cada vez mais perigoso ser enumerado como um dos inimigos do Terceiro Reich. Neste período o diário de Bonhoeffer é repleto de expressões de ansiedade. Porque ele havia ido para a América quando era necessário aos cristãos da Alemanha?
Rapidamente Bonhoeffer mudou de idéia e resolveu voltar. Partiu em 08 de julho de 1939, pouco mais de um mês de sua chegada. “Cometi um engano ao vir para a América”, ele escreveu para Reinhold Niebuhr. “Eu tenho que viver este período da história nacional com os cristãos da Alemanha. Eu não terei direito de participar da reconstrução da vida cristã na Alemanha depois da guerra, se não compartilhar das aflições deste tempo com o meu povo”.

Atividades de espionagem – Quando retornou ao seu país, Bonhoeffer foi proibido de ensinar, pregar ou de publicar qualquer coisa sem submeter uma cópia do material para aprovação prévia. Ele também recebeu ordens para se apresentar regularmente à polícia.

A liberdade para continuar a escrever veio inesperadamente através do seu recrutamento para uma conspiração. Hans von Dohnanyi e o coronel Hans Oster, figuras de prestígio na inteligência militar alemã, arranjaram para tê-lo figurando como indispensável para as atividades de espionagem que desenvolviam. Como Bonhoeffer estava designado para o escritório em Munique, isto o livrou da prisão e o deixou longe da vigilância da Gestapo em Berlim.

Sua missão ostensiva era espionar para a inteligência através de suas “visitas pastorais” e seus contatos ecumênicos. Todavia, sob esta aparência, Bonhoeffer estava envolvido em reais atividades de espionagem. Sua verdadeira e principal missão era conseguir com os Aliados os termos da rendição, caso o plano contra Hitler fosse bem-sucedido. O ponto alto dessas negociações foi em uma reunião secreta com o Bispo Bell, em Sigtuna – Suíça, em maio de 1942. Bonhoeffer convenceu Bell de que ele poderia acreditar que os conspiradores venceriam o governo nazista, restaurariam a democracia na Alemanha e fariam reparações de guerra. Bell levou estas informações ao Secretário Britânico para Assuntos Exteriores, Anthony Eden, mas os aliados responderam que para a Alemanha só havia a condição para uma
“rendição incondicional”.

Quando não estava desperdiçando seu tempo no escritório de Munique, Bonhoeffer ficava em seu quartel-general, localizado nas vizinhanças de um mosteiro beneditino. Lá, ele continuava a escrever o que uma vez declarou ser o principal trabalho de sua vida: Ética – obra póstuma reconstruída por Eberhard Bethge, mas que dificilmente seria “Ética” completa. Na verdade, eram os últimos quatro fragmentos dos métodos de construção da ética cristã em meio à crise nacional da Alemanha. Neles, Bonhoeffer criticava a igreja duramente por “não ter levantado sua voz em defesa das vítimas ou… encontrado meios de sair em socorro a elas”. Em uma frase contundente ele declarou a igreja “culpada da morte dos mais fracos e dos mais indefesos irmãos e irmãs de Jesus Cristo”.

Cartas e papéis da prisão – Enquanto trabalhava para a Abwehr, Bonhoeffer se envolveu na chamada “Operação 7”: um ousado plano de contrabandear judeus para fora da Alemanha. Isto atraiu suspeitas da Gestapo, e em 05 de abril de 1943, após o fracasso de três atentados contra a vida de Hitler – Bonhoeffer foi preso e encarcerado na prisão militar de Tegel, em Berlim. A princípio, os nazistas tinham apenas acusações vagas contra ele: sua evasão do serviço militar, sua participação na “Operação 7” e suas deslealdades anteriores.

Durante o tempo que passou na prisão, Bonhoeffer escreveu cartas inspirativas e poemas que hoje são considerados como clássicos cristãos. Após a publicação póstuma de Resistência e submissão, por Eberhard Bethge; pessoas de todo o mundo começaram a apreciar a criatividade incansável de Bonhoeffer em busca do significado da fé cristã. Estruturas religiosas sem significado e linguagem teológica abstrata eram respostas insípidas aos clamores das pessoas perdidas em meio ao caos e às mortes nos campos de batalha e campos de concentração.

Nestas cartas, Bonhoeffer também levantava questões perturbadoras que iriam irritar os líderes da igreja. Na carta de 30 de abril de 1944, ele confidencia que “o que mais me preocupa é a questão do que o cristianismo realmente é; ou de fato quem Cristo realmente é, hoje, para cada um de nós”.

Em resposta a esta questão, Bonhoeffer observava que a igreja, ansiosa por manter os privilégios clericais e sobreviver aos anos de guerra com seu status intacto, oferecia apenas, uma religião que servia a interesses próprios, tornando-se um refúgio da responsabilidade pessoal. A igreja falhara em demonstrar qualquer tipo de credibilidade moral em uma “época em que o mundo precisava dela”. A igreja tem que repudiar aqueles “adereços religiosos” que são muitas vezes confundidos erroneamente com a fé autêntica. Para ele, se Jesus é “o homem para os outros”, então a igreja somente poderá ser uma igreja de verdade quando existir para corajosamente servir às pessoas.

Bonhoeffer escreveu, também, cartas à sua noiva, Maria von Wedemeyer. Ele se
apaixonara por Maria em 1942, quando conheceu a família dela durante as viagens a serviço da Abwehr. Ele foi atraído por sua beleza, vivacidade e seu espírito independente. Inicialmente, a família dela foi contra a um compromisso entre eles, por ela ser muito mais jovem – ela estava com 18 anos e ele com 37. Ele também estava envolvido em ações secretas que poderiam ser perigosas para ela. Mas após sua prisão, eles anunciaram o noivado publicamente como uma forma de apoio a ele. As visitas de Maria a Bonhoeffer tornaram-se o principal sustento dele durante os primeiros dias sombrios do seu encarceramento.

Uma das cartas que escreveu a Maria, fala do amor dos dois como “um sinal da graça de Deus, e de sua bondade; que nos encoraja a ter fé”. Ele acrescenta ainda, “e eu não falo de uma fé que foge do mundo, mas de algo que faz com que ele sobreviva, e cujo amor e verdade permanecem para o mundo apesar de todo o sofrimento que ele nos traz”.

Campo da morte em Flossenburg – Em 20 de julho de 1944, outro plano para assassinar Hitler falhou. A Gestapo, como resultado de sua rede de investigação, fechou o cerco contra os principais conspiradores, incluindo Bonhoeffer. Ele foi transferido para a prisão da Gestapo em Berlim, em outubro de 1944. Maria e Dietrich Bonhoeffer estavam completamente separados um do outro. Em fevereiro de 1945, Bonhoeffer foi mandado para o campo de concentração de Buchenwald.

Em meio ao caos reinante, por causa do assalto final das tropas aliadas à Alemanha, Maria viajou por todos os campos de concentração entre Berlim e Munique, geralmente a pé, em infrutíferas tentativas de ver Bonhoeffer novamente.
O que sabemos sobre aqueles últimos dias está reunido no livro The Venlo Incident (O incidente de Venlo), escrito por um companheiro de prisão de Bonhoeffer, o oficial da inteligência britânica Payne Best. Bonhoeffer e Payne Best estavam entre os “prisioneiros importantes” levados para Buchenwald. Best escreveu mais tarde sobre Bonhoeffer: “Ele foi um dos poucos homens que conheci para quem o seu Deus era real, e estava sempre junto com ele…”.

No dia 3 de abril, Bonhoeffer e outros presos foram colocados em um vagão de trem e levados para serem exterminados no campo de Flossenbürg. Para transportarem prisioneiros desta maneira, a sentença de morte já havia sido decretada em Berlim.

Os guardas da SS cumpririam as formalidades de uma corte marcial, executariam estes inimigos do Terceiro Reich e depois destruiriam seus corpos.

Em 08 de abril, eles alcançaram Schönberg, uma pequenina vila da Bavária, onde os prisioneiros eram amontoados em uma pequena escola usada temporariamente como prisão. Era o primeiro domingo depois da Páscoa, e muitos prisioneiros pediram a Bonhoeffer para liderá-los em culto e orações. Ele aceitou e meditou no livro de Isaías “E por suas chagas fomos curados”. Em seu livro, Best relembra aquele momento: “Ele tocou o coração de cada um, encontrando as palavras certas para expressar o espírito do nosso aprisionamento, os pensamentos e resoluções que isto tinha trazido”.

A quietude foi interrompida assim que a porta foi aberta por dois homens, membros da Gestapo, em trajes civis. Eles ordenaram que Bonhoeffer os seguisse. Para os prisioneiros, isto só podia significar uma única coisa: que ele seria executado em breve. Bonhoeffer arrumou tempo para se despedir de cada um. Puxando Best de lado, ele falou as últimas palavras das quais se têm registro, uma mensagem para seu amigo inglês, o Bispo Bell: “Este é o fim – mas para mim, o início da vida”.

Bem cedo, na manhã de 9 de abril, Bonhoeffer, Wilhelm Canaris, Hans Oster, e mais quatro outros conspiradores foram enforcados no campo de extermínio de Flossenbürg. O médico do campo, que testemunhou as execuções, se lembra de ter visto Bonhoeffer ajoelhar-se e orar antes de ser levado à forca. “Eu fiquei profundamente comovido pela maneira com a qual aquele homem amável orava: tão devotado e tão certo que Deus ouviria sua oração”, ele escreveu. “Naquele lugar de execução, ele novamente fez uma pequena oração e então subiu os degraus para a forca; corajoso e sereno… Nos quase cinqüenta anos em que trabalhei como médico, creio que jamais vi um homem morrer tão completamente submisso à vontade de Deus”.

À distância, soavam os canhões do exército norte-americano do general George Patton. Três semanas depois Hitler cometeria suicídio e, em 7 de maio, a guerra na Europa estaria terminada.

O nazismo contra o qual Bonhoeffer lutou sobrevive no mundo moderno sob outras formas de um mal sistemático. Mas o seu testemunho de Jesus Cristo ainda vive. Bonhoeffer continua a desafiar os cristãos a seguir Jesus até a cruz do genuíno discipulado e a ouvir o clamor dos oprimidos.

Dr. Geffrey B. Kelly é professor de teologia sistemática na La Salle University, na Filadélfia, e autor de “Liberating Faith: Bonhoeffer’s Message for Today” (Augsburg, 1984 – Liberando a fé: a mensagem de Bonhoeffer para hoje)
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domingo, 6 de dezembro de 2009

Bonhoeffer: A vida e a morte de um mártir moderno - PARTE II


Palestrante universitário eletrizante – Retornando da América, Bonhoeffer fez uma pausa na Universidade de Bonn, onde ele finalmente conheceu o teólogo Karl Barth. Os escritos de Barth tinham eletrizado o mundo teológico e cativado Bonhoeffer durante seus anos de estudante em Berlim. Os dois ficaram amigos, então. Barth apreciava os avisos incisivos de Bonhoeffer sobre a acomodação das ideologias políticas na religião organizada. Bonhoeffer começou a usar Barth como um meio de divulgação de suas opiniões, confiando nas avaliações maduras de Barth sobre como contra-atacar as concessões da igreja ao nazismo.

Sendo o professor mais jovem da faculdade, Bonhoeffer ficou conhecido pelo seu jeito de ir até o fundo de uma questão e abordar os assuntos na sua revelância atual. Um aluno escreveu sob a direção de Bonhoeffer “cada frase encontrava seu lugar; havia uma preocupação pelo que me perturbava, e de fato, todos nós jovens, o que perguntávamos e o que queríamos saber”. Mas a carreira de ensino de Bonhoeffer foi ofuscada pela ascensão de Hitler ao poder. Os alunos atraídos pelo nazismo o evitavam.

Alguns dos cursos de Bonhoeffer na universidade durante este período têm sido publicados como livros desde então. Em The Nature of the Church, (A natureza da igreja), Bonhoeffer observou que a igreja ficou à deriva; ela, com muita freqüência, buscou o conforto dos privilegiados. A igreja, ele disse aos seus alunos, tinha que confessar a fé em Jesus com coragem incomum e rejeitar sem hesitação toda idolatria secular.

Em suas palestras sobre Cristologia, publicada como Christ the Center (Cristo o centro), Bonhoeffer insistiu com seus alunos a responder perguntas perturbadoras: Quem é Jesus, no mundo de 1933? Onde Ele pode ser achado? Para ele, o Cristo de 1933 era o judeu perseguido e o dissidente na luta da igreja.

Durante os anos na universidade, Bonhoeffer também achou tempo para ensinar a turma de confirmação numa favela de Berlin. Para ser mais envolvido na vida destes alunos, ele se mudou para a sua vizinhança, visitou suas famílias e os convidou a passar finais de semana num chalé alugado na montanha. Depois da guerra, um destes alunos lembrou que “a turma dificilmente ficava agitada”.

Crescente luta da igreja – Durante este período, muitos cristãos dentro da Alemanha adotaram o Socialismo Nacional de Hitler como parte de seu credo. Conhecidos como “cristãos alemães”, seu porta-voz Hermann Grüner, deixou claro o que eles defendiam:
“O tempo se completou em Hitler para as pessoas na Alemanha. É por causa de Hitler que Cristo, Deus, o ajudador e remidor, tornou-se eficaz entre nós. Portanto, o Socialismo Nacional é cristianismo positivo em ação… Hitler é o modo do Espírito e da vontade de Deus para o povo alemão entrar na igreja de Cristo”.

Ordenado em 15 de novembro de 1931, Bonhoeffer, com seu grupo de “Jovens Reformadores”, tentou persuadir delegados nos sínodos da igreja a não votar em candidatos pró-Hitler. Num sermão memorável, logo antes das eleições na igreja em julho de 1933, Bonhoeffer apelou: “Igreja, permaneça uma igreja! Confesse, confesse, confesse!” Apesar dos seus esforços, os cristãos alemães elegeram como Bispo Nacional um simpatizante do nazismo, Ludwig Müller. Numa carta à sua avó, em agosto daquele ano, Bonhoeffer afirmou com franqueza: “O conflito é realmente ser Alemão ou ser Cristão e o quanto antes este conflito ficar às claras, melhor”.

Em setembro de 1933, o conflito ficou às claras. No “Sínodo Marrom” naquele mês (chamado assim porque muitos dos religiosos usavam uniformes nazistas marrons e faziam a saudação nazista), a igreja adotou a “Frase Ariana”, que negava o púlpito a ministros ordenados que tivessem sangue judeu. O amigo mais próximo de Bonhoeffer, Franz Hildebrandt, foi afetado pela legislação (junto com muitos outros). A Frase Ariana dividiu a Igreja Protestante alemã.

Defesa aberta dos judeus – A primeira reação pública de Bonhoeffer à legislação anti-semita chegou logo. Em abril de 1933, ele falou a um grupo de pastores sobre “A Igreja a questão judaica”. Neste sermão, ele pediu as igrejas para, em primeiro lugar, desafiar com ousadia o governo que justifica tais leis, obviamente imorais. Segundo, ele exigiu que a igreja viesse em socorro das vítimas – batizadas ou não. Finalmente, ele declarou que a igreja devia “travar as rodas” do governo se a perseguição aos judeus continuasse. Muitos dos que ali estavam saíram correndo, convencidos de que tinham ouvido a incitação para um motim.

Logo após o Sínodo Marrom, Bonhoeffer e um herói da Primeira Guerra Mundial, o pastor Martin Niemöller, formaram a “Liga de Emergência dos Pastores”. Eles defendiam a luta para repelir a Frase Ariana, e no fim de setembro, tinham obtido 2.000 assinaturas. Mas, para decepção de Bonhoeffer, mais uma vez os bispos da igreja continuaram em silêncio.

No Sínodo de Barmen, de 29 a 31 de maio de 1934, entretanto, a nova “Igreja Confessante” (aqueles pastores que se opuseram à Frase Ariana e outras políticas nazistas) afirmaram a agora famosa Confissão de Fé de Barmen. Concebida em grande parte por Karl Barth, sua associação do Hitlerismo com idolatria fez muitos dos simpatizantes homens marcados pela Gestapo: “Nós repudiamos o falso ensino de que há áreas em nossa vida que não pertencem a Jesus Cristo, mas a outros senhores…”
Abandonando uma carreira promissora – Uma vez que os cristãos alemães estavam agora entrincheirados em posições de liderança na igreja, Bonhoeffer foi rejeitado para um pastorado. Os comentários contra ele apontaram sua posição radical e intempestiva às políticas governamentais. E ele foi considerado muito ligado ao seu amigo cristão-judeu, Franz Hildebrandt. A assustadora “nazificação” das igrejas deixou Bonhoeffer sentindo-se isolado e incapaz de esboçar uma oposição destemida a Hitler dentre os pastores.

Em sua posição de ensino, ele sentiu que a universidade tinha se ligado indesculpavelmente ao sentimento popular que exaltava Hitler como salvador político. Ele ficou perturbado também pela falta de protesto diante do afastamento de professores judeus. Estas frustrações facilitaram a decisão de deixar a Alemanha. No outono de 1933, ele assumiu o pastorado de duas igrejas de língua alemã em Londres.
Por causa desta atitude Bonhoeffer foi severamente repreendido por Karl Barth, que achou que ele estivesse fugindo de cena quando ele era mais necessário. Barth acusou Bonhoeffer de privar a luta da igreja de seu “esplêndido arsenal teológico” e de sua “correta figura alemã”.

Mas Bonhoeffer ainda não estava abandonando a luta contra o nazismo. De Londres, ele pretendia trazer pressão externa sobre a igreja do Reich Alemão. Numa carta ao líder do Ministério Eclesiástico Estrangeiro, Bonhoeffer recusou a se abster de criticar o governo alemão.

Dietrich Bonhoeffer e outros delegados foram a uma conferência ecumênica em Fano, na Dinamarca, em 1934. Na conferência, Bonhoeffer pregou um sermão aos líderes cristãos de mais de 15 nações. “O mundo está sufocando com armas”, ele disse, “e a desconfiança que salta dos olhos de cada ser humano é assustadora. As trombetas da guerra podem tocar amanhã”. Nesta ocasião, ele insistiu para que os cristãos falassem contra a guerra e ousassem pelo “grande empreendimento” da paz.

Buscando para o mundo o apoio da igreja – Era no nível ecumênico que Bonhoeffer esperava continuar mais efetivamente na luta da igreja. Ele tinha sido indicado secretário da juventude para a Aliança Mundial para Promover a Amizade Internacional através das Igrejas (um precursor do Conselho Mundial das Igrejas). Neste papel, ele ajuntou as igrejas internacionais para fazer um forte protesto anti-nazismo, para apoiar a Igreja Confessante e para expulsar a igreja do Reich do movimento ecumênico.

Suas atividades levaram a uma amizade duradoura com o bispo inglês George Bell. Bell era presidente do Conselho Universal Cristão para a Vida e Trabalho, que trabalhava de perto com a Aliança Mundial. Ele apoiava a luta de Bonhoeffer para que a Igreja Confessante fosse reconhecida como a única representante da igreja protestante na Alemanha.

Os esforços de Bonhoeffer alcançaram um clímax na conferência de 1934 em Fano, na Dinamarca. A Comissão Ecumênica de Jovens de Bonhoeffer surpreendeu os delegados por sua recusa em expressar resoluções em uma polida linguagem diplomática. Além disso, Bonhoeffer queria que as igrejas declarassem não-cristã qualquer igreja que tivesse se tornado meramente uma audiência neutra nas questões políticas. Todos os delegados sabiam que a Igreja do Reich era o alvo de tais resoluções.

A contribuição mais duradoura de Bonhoeffer para esta conferência, entretanto, foi um sermão matinal inesquecível sobre a paz, chamado “A Igreja e os Povos do Mundo”. Seu aluno, Otto Dudzus relatou que as palavras de Bonhoeffer deixaram os delegados “prendendo a respiração de tanta tensão”. Como poderiam as igrejas justificar sua existência, ele perguntou, se elas não tomavam medidas para impedir a marcha em direção a outra guerra? Ele exigiu que o conselho ecumênico se levantasse “para que o mundo, embora esteja rangendo os dentes, tenha que ouvir, para que as pessoas se alegrem por que a igreja de Cristo, no nome de Cristo, tomou as armas das mãos dos seus filhos, proibiu a guerra, proclamou a paz de Cristo contra o mundo irado”. Uma frase deste sermão ficou para sempre marcada nas memórias dos alunos de Bonhoeffer: “Temos que nos atrever pela paz. Este é o grande empreendimento!”. Até mesmo Dudzus lembrou que “Bonhoeffer tinha seguido tanto à frente que a conferência não podia segui-lo”.

Bravo novo seminário – Em 1935, os líderes da Igreja Confessante pediram a Bonhoeffer para dirigir um seminário ilegal perto do mar Báltico. Para a Igreja Confessante, estabelecer seus próprios seminários era um passo ousado. Eles simplesmente contornavam o treinamento típico dos candidatos nas universidades contaminadas pelo nazismo. Com seus próprios seminários, eles podiam ignorar as exigências para que os candidatos provassem seu sangue puro ariano e lealdade ao nazismo como condições para a ordenação. Estes seminários eram apoiados não por ajuda do governo, mas por ofertas de boa vontade.

Os jovens candidatos, que se juntavam primeiro em Zingst, no mar Báltico e mais tarde numa escola particular abandonada, em Finkenwalde, lembram-se do seminário como um oásis de liberdade e paz. Bonhoeffer estruturava o dia ao redor da oração em comum, meditação, leituras bíblicas e reflexão, serviço fraternal, e suas próprias palestras. Cada dia era aliviado pela recreação, incluindo cantar os spirituals que Bonhoeffer trouxera da América.

Mas o ponto alto de seu treinamento, eram as palestras de Bonhoeffer sobre discipulado. Elas deram origem ao mais conhecido de seus livros O discipulado. Nele, Bonhoeffer acusou os cristãos de buscarem “graça barata”, que garantia uma salvação na base da barganha, mas não fazia exigências reais às pessoas, envenenando, dessa forma, “a vida de seguir a Cristo”. Ele desafia os leitores a seguir a Cristo até a cruz, a aceitar “a graça de alto preço”, da fé que vive em solidariedade com as vítimas de sociedades sem coração.

A Gestapo fechou o seminário em outubro de 1937. Bonhoeffer tentou então conduzir um “seminário secreto em atividade”. Mas não houve sucesso. O espírito de Finkenwalde sobreviveu, entretanto, no Vida em comunhão. Publicado em 1939, o livro registra as “experiências em comunidade” dos alunos. A igreja, Bonhoeffer acreditava, precisava promover um senso genuíno de comunidade cristã. Sem isso, não poderia testemunhar com eficácia contra a ideologia nacionalista na qual a Alemanha havia sucumbido. A congregação de uma igreja não era para ser fechada em si mesma, mas ser um ponto de apoio para os esgotados espiritualmente e um refúgio para os perseguidos. Através da oração e serviço a igreja podia tornar-se novamente “Cristo existindo como comunidade”.

A falha na coragem da igreja – Os anos de 1937 a 1939 foram particularmente problemáticos para Bonhoeffer e seu papel na luta da igreja. Os líderes da Igreja Confessante pareciam não ter firmeza na questão de fazer o pacto civil a Hitler. Ele ofereceu aos ministros da Igreja Confessante legitimidade para retomar seu apoio silencioso aos seus planos expansionistas, incluindo a anexação da Áustria. A paz, a respeitabilidade e o patriotismo eram a isca. Bonhoeffer queria que os bispos defendessem o direito dos pastores de se recusarem a fazer o pacto de fidelidade a Adolf Hitler.

Bonhoeffer foi bloqueado, também, em seus esforços para agitar uma oposição mais forte na igreja contra a cruel perseguição aos judeus. Para ele, os sínodos (assembléias) da igreja olhavam apenas os seus próprios interesses. Faltava-lhes o sentimento para assuntos mais urgentes: como contra-atacar o abuso e negação dos direitos civis na Alemanha. Ele censurou publicamente a falta de sensibilidade para com a situação difícil dos pastores aprisionados por suas dissidências.

Se os líderes da igreja levantassem suas vozes em favor dos judeus, Bonhoeffer teria como avaliar o sucesso ou o fracasso do sínodo. “Onde está seu irmão Abel?” – ele perguntava. Os ensaios e palestras de Bonhoeffer deste período exibiam sua indignação contra a covardia dos bispos. Ele freqüentemente citava Provérbios 31:8 – “Erga a voz em favor dos que não podem se defender”, para explicar o motivo de ser a voz de defesa dos judeus na Alemanha nazista.

Em junho de 1938, o Sexto Sínodo da Igreja Confessante reuniu-se para resolver a última crise da igreja. O Dr. Friedrich Werner, comissário do governo, responsável pela Igreja da Prússia, havia ameaçado expulsar qualquer pastor que se recusasse a fazer, como um “presente de aniversário” a Hitler, o juramento de lealdade civil. Ao invés de lutar pela liberdade da igreja, o sínodo transferiu o peso da decisão para cada pastor individualmente. Este resultado caiu nas mãos da Gestapo, que pôde facilmente identificar os poucos desleais que ousaram recusar-se a fazer o juramento. Enfurecido com os bispos, Bonhoeffer questionava, “Será que a Igreja Confessante nunca irá aprender que, em questões de consciência, a decisão majoritária mata o espírito?”
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