sábado, 4 de junho de 2011

Preciso de amigos



Por Tais Machado

A sociedade em que vivemos favorece o reino particular, o individualismo e a autonomia como um ideal, e engrandece a trajetória individual daquele que “chegou lá” sozinho, pelo seu próprio e “exclusivo” esforço, como se isso fosse possível.

Muitos estão tão focados em seus projetos, suas metas, seus resultados, suas conquistas que só tem tempo para aquele que for útil. Muitas relações se baseiam nisso. E ainda, é preciso considerar se é mesmo estratégico e se é confiável.

Interessante ler como muitos têm percebido algumas implicações, contradições e lembretes significativos a respeito.

A psicóloga Rosely Sayão, por exemplo, comentou recentemente:

“A época em que vivemos tem uma característica que afeta profundamente as relações interpessoais e, portanto, a vida em sociedade: a desconfiança que criamos em relação ao outro. [...] Precisamos dos outros. Sem eles não há vida social possível. Convivemos com os outros, como colegas e estranhos, boa parte de nossa vida: no trabalho, nos espaços públicos das cidades, no trânsito, nos transportes coletivos etc. E que tipo de vida é essa, se estamos sempre prontos a pensar que o outro aí está para nos prejudicar?” (1).

Já o Rubem Alves diz que “é preciso não estar sozinho. Batalha que se batalha sozinho é batalha perdida. Batalha que se batalha com outros é batalha que pode ser ganha”.

Outra psicóloga, essa uruguaia, Diana Corso, diz também que “por mais fortes e virtuosos que sejamos, o ponto onde chegaremos depende de onde partimos e a forma como chegaremos lá vai ser determinada pelos companheiros de jornada”.

Por sua vez, o pastor e escritor, Eugene Peterson, salienta que
“há sempre muito mais além do alcance dos nossos olhos. E deixamos de perceber muita coisa. Precisamos de amigos que nos puxem pela borda da camisa, que nos virem e nos mostrem o que acabamos de perder agora em nossa pressa por atravessar a rua para chegar ao banco. Precisamos de amigos que estendam o braço sobre o nosso ombro, interrompendo nossos comentários contínuos sobre as conversas da cidade para que possamos ouvir a verdade. Precisamos de testemunhas do transcendente”.

Minha trajetória é resgatada em Cristo, mas são muitos os amigos e amigas que compõe a minha compreensão desse resgate. Já me perdi tanto e sai derrotada de várias batalhas por assumi-las sozinha.

Foram as pessoas chegadas da minh’alma que me ajudaram a mudar o ritmo, ainda me orientam a uma vida mais saudável, me ajudam em meus desesperos e medos infantis, me lembram quem sou e para onde vou. São pessoas amigas e íntimas que me recordam a vocação, me animam quando estou estacionada e abatida.

Gente amiga e irmã que são testemunhas do Deus vivo, são pedras vivas na reconstrução de Cristo em mim. São colo de Deus em dias turbulentos, e, chuva de admoestação quando estou ressecada pela arrogância. São pessoas que repartem comigo o Pão da vida, dividem o próprio sustento comigo, alimentam minha alma com afeto, cuidados, pessoas que me fazem gostar mais de Deus, nosso Pai.

Jesus nutriu amigos e os chamou para mais perto, os chamou para si. O apóstolo Paulo relata que em meio a conflitos externos e internos, sendo tão atribulado, encontrava-se abatido, mas de Deus recebeu consolo com a chegada especial de Tito (II Coríntios 7.5-7) e toda celebração fraterna através dele.

A vida comunitária me educa, me exorta, me encoraja, me santifica. Não é fácil; às vezes me machuco, sinto-me decepcionada em algumas ocasiões, e em outras, a sensação de solidão domina. Mas, a comunidade está próxima, não posso fugir.

Peço a Deus para me ajudar a querer, a desejar profundamente a comunidade, a saborear melhor a comunhão com a família da fé, a privilegiar esse espaço, a me abrir para o outro, a receber o próximo.

Jesus me ensinou que não posso andar só. A psicologia reforçou tal verdade. E os muitos que já me abrigaram, me inspiram.

Minha gratidão ainda é tímida perto de tudo o que significa para mim os muitos companheiros e companheiras nesse chão duro da vida. Não sei nem contar quantas vezes me levantaram. Mas estou aqui porque eles estiveram e continuam comigo – pura manifestação da graça de Deus.

O reino da humanidade caída é d e muita competição, o que inclui vencer o outro, ser mais forte, provar sua competência à frente. O Reino de Deus é de cooperação, de solidariedade, é um Reino de amigos que encontraram um Amigo em comum – alguém que nos fez amigos seus (João 15.15).

Agradeço a Deus pelos que passaram e pelos que permanecem. Agradeço a Deus, nossa referência e esperança.

Notas
(1) Folha de São Paulo, 21/09/2010.

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