Por Esther Carrenho
Publicado em 21 de abril de 2009
Eu tinha menos de 30 anos e de repente me vi pensando: “Será que Deus existe mesmo?” Achei que fosse um pensamento passageiro que logo iria embora e me deixaria em paz. Mas não foi o que aconteceu. Aquela idéia, de que Deus poderia não passar de um conto da carochinha, continuou me perseguindo como se fosse um juiz dando um veredicto. E o tormento continuou por dias e dias! A coisa seria simples se eu pudesse deixar estas coisas de crença e fé para lá. Até tentei, mas vi que, do outro lado, algo me chamava para crer mesmo que não pudesse ver nada de concreto á minha frente nesta questão de fé religiosa. Entrei num conflito angustiante, como se estivesse entre o diabinho e o anjinho. Duvidava que Deus existisse, mas não tinha como abandoná-lo. Era um pesadelo que eu vivia silenciosamente.
Até que um dia contei ao meu marido. Ele pensou um pouco e perguntou: “Se você morrer e descobrir que tudo o que cremos é bobagem, o que terá perdido por viver da forma como está vivendo?”. Respondi meio timidamente: “Nada!”. Depois dessa resposta, comecei a pensar no tipo de vida que eu levava por causa da fé no Cristo Redentor que se entregou ao sacrifício vicário para que eu tivesse um novo jeito de viver. E descobri algumas coisas.
A primeira é que não fui eu quem fui atrás da fé; foi ela quem veio até onde eu estava. Segunda coisa: a minha vida nunca mais foi a mesma. Uma revolução de dentro para fora inexplicavelmente aconteceu no dia em que percebi que fazia sentido o amor de Deus externado na cruz. Terceira: só saber coisas sobre Deus nunca me ajudou, mas simplesmente observar o movimento do mistério da fé na minha vida sempre me surpreendia. E, finalmente, as mudanças no meu interior eram tão nítidas que me sentia como se minha vida saísse de dentro de mim, saltasse na minha frente e de dissesse: “Olha eu aqui! Eu sou o retrato das marcas da Existência do Todo Poderoso!” Então, mesmo quando muitas vezes não sinto nada, ou pior, às vezes até pergunto se Deus não está anestesiado, tenho que reconhecer que o milagre das mudanças na minha própria vida só pode ser sinal da realidade de um Deus vivo! Fé é sentimento, mas é também razão; é intuição mas é também percepção, é pensar, refletir e avaliar. E foi avaliando que cheguei á conclusão de que muito do que eu supunha saber sobre Deus era apenas a imagem distorcida de Deus, que me fora passada por meus pais, meus lideres religiosos e até por mim mesma. Houve situações em que a descrença não era a falta de fé em Deus, era apenas a descoberta de um ídolo que ocupava minha compreensão e distorcia a imagem do Divino que habita em mim.
Minha crise acabou por me levar a uma experiência mais significativa e me deu mais base racional e mais recursos emocionais para lidar com as demais crises. E talvez o melhor; ampliou o meu coração para compreender e acolher não só aqueles que passam por dúvidas, mas também os descrentes!
Nos meus encontros de ajuda profissional e aconselhamento, tenho encontrado as mais diferentes atitudes diante das dúvidas e crises em relação á fé. Alguns as rejeitam terminantemente e fogem delas como se fossem demônios, outros entram em desespero, mas tiram todo proveito possível e aprofundam mais ainda na experiência com o Sagrado. Outros, que confundiram religiosidade com o andar com Deus, acabam por descobrir que suas crises eram com as organizações religiosas e se tornam mais próximas do Pai do antes. Há também aqueles que transferem para Deus a experiência que tiveram com pai terreno. A crise chega testando o grau de maturidade emocional e a capacidade de desvincular a figura paterna de Deus. Nem todos conseguem, e muitas vezes o mais fácil- principalmente se a pessoa teve um pai violento, ausente ou indiferente – é abandonar qualquer idéia de Deus. Muitos outros resolvem a crise da descrença desistindo de tudo que diz respeito á fé e deixam de desenvolver a própria espiritualidade, negando desta forma uma dimensão do ser humano. Sei que não é fácil crer em algo que não se vê e que nem sempre responde aos anseios legítimos de ver menos sofrimento, menos opressão e menos injustiça. Sei que os ataques de descrença são horrorosos e minam toda e qualquer energia psíquica, emocional e física e podem realmente levar uma pessoa ao abismo da incredulidade. Sei também que não crer pode afastar a culpa e desconforto que acompanham quem satisfaz egoisticamente seus desejos e vontades. Sei que somente quem tem fé pode vir a ser atacado por duvidas e descrenças que surgem por diversas causas ou razoes.
A fé cristã é um caminho de aventuras, sem fórmulas e sem receitas, a graça de Deus é abrangente demais para caber em qualquer equação humana e o amor divino é tão profundo e misterioso que acredito haver um mover de Deus em direção à pessoa que crê e também da que não crê. Mesmo que este mover seja imperceptível aos olhos humanos.
Esther Carrenho cursou teologia, é psicóloga, palestrante e autora dos livros: Depressão – tem luz no fim do túnel, Raiva: seu bem, seu mal e Ressurreição Interior.
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