sábado, 29 de dezembro de 2012

Para não viver em vão


Por Ricardo Gondim

Publicado em 4/06/2012

Para não viver em vão é preciso oscilar entre as margens do bem e do mal, do ódio e do amor, da delicadeza e da estupidez. Por algum motivo, a sabedoria milenar acertou: a virtude pertence aos moderados. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra.
Para não viver em vão é preciso flutuar com leveza. Se necessário, encher os pulmões de nitrogênio e acompanhar o voo dos balões. E se o desejar as altura for inevitável, não deixar que o fascínio das nuvens roube o acocorar-se ao lado de quem está agrilhoado à crueldade da vida.

Para não viver em vão é preciso levar-se a sério. Mas não com tanta gravidade. Alguns, impertinentes, deixam a impressão de que a virtude é incômoda – como uma mala sem alça. Tem hora que é bom viver sem propósito, ao sabor dos ventos. Por que não celebrar a improdutividade? Por que não aplaudir as cigarras? Seriam as formigas, que seguem em fila sem notar que obedecem a rainha, o melhor exemplo?

Para não viver em vão é preciso vez por outra desentrevar a espiritualidade de protocolos solenes. O cerimonialismo torna a fé um assunto para gente sisuda. Que alívio considerar Deus “um cara muito legal”, compreensivo, longânimo e que não mete medo. Que tal ensinar que Deus gosta de tornar qualquer um íntimo seu?

Para não viver em vão é preciso evitar varrer a inveja para debaixo dos tapetes do cinismo, assumir-se sem afetação, procurar o próprio caminho; e ter coragem de cantar no banheiro.

Para não viver em vão é preciso acordar tarde, comer chocolate sem culpa, presentear perfume caríssimo, sentar para almoçar sem hora para acabar, desligar o telefone celular, conversar um monte de besteira, rir à solta e ler romance.

Para não viver em vão é preciso acompanhar algum esporte, aplaudir trapezistas, sofrer com equilibristas, vibrar com contorcionistas, crer em mágicos e rir de palhaço; claro, gostar de circo.

Para não viver em vão é preciso ladear aquele que se desgasta pela justiça e reverenciar quem não se deixou entrevar pelo narcisismo; não confundir solidariedade com comiseração.

Para não viver em vão é preciso fazer da prece um compromisso, das convicções uma porta para o diálogo e da fé um convite para encarnar o divino.

Para não viver em vão é preciso fazer do instante fugidio um aceno de eternidade, da liberdade um compromisso com o próximo e da discordância uma oportunidade para crescer.

Para não viver em vão é preciso coragem para pedir perdão.

Soli Deo Gloria

domingo, 9 de dezembro de 2012

Como conhecer a vontade de Deus?



Como tomar as decisões corretas? O que Deus quer realmente de mim? Ele se importa com todas as escolhas que faço?

Por Liberty Lay (publicado em www.cristianismohoje.com.br) Postado em 30/07/2012

. Como tomar as decisões corretas? O que Deus quer realmente de mim? Ele se importa com todas as escolhas que faço?

. A grande pergunta por trás de todo esse questionamento é de fato esta: Qual é a vontade de Deus para minha vida?

. Decidimos explorar esse assunto delicado e muitas vezes confuso, com a ajuda de quatro líderes espirituais de universidades cristãs.
Deus realmente se importa com minhas decisões?

Deus se importa com tudo o que acontece em nosso coração. Em cada situação temos a oportunidade de escolher a quem iremos adorar. A Deus ou a nós mesmos. Deus deseja ser prioridade absoluta em nossas vidas.

Em determinadas áreas da vida, a diferença entre as decisões certas e as erradas é bastante clara – como escolher entre colar ou não em uma prova. Em outras áreas, no entanto, é preciso escolher entre duas coisas boas – como escolher entre duas conceituadas universidades para estudar. Nesse caso, é possível que Deus se sinta honrado com qualquer decisão tomada. Em outros casos a escolha pode não se tratar de certo e errado, o que é uma boa oportunidade para praticar a sabedoria. Passar muito tempo se divertindo com os amigos, por exemplo, pode ser algo bom, mas se isso atrapalha aqueles momentos de paz e silêncio, pode ser mais difícil percebermos a presença de Deus. Ser sábio pode significar se afastar um pouco, desligar o celular de vez em quando para aquietar o coração e estar mais atento à presença de Deus no dia a dia.

Às vezes, ao tomarmos decisões, pode parecer que estamos tentando encaixar Deus na história de nossas vidas. Mas na verdade, nós fazemos parte da história de Deus e Ele se alegra quando nos damos conta disso.

-- Jamie Noling, pastor associado na universidade Azusa Pacific, Califórnia.

Como descubro a vontade de Deus?

Em primeiro lugar, é preciso que nos certifiquemos de que estamos tentando obedecer ao que Deus já revelou através de Sua Palavra. Como obedecer aos pais, por exemplo. Essa é uma ordem clara de Deus. Não adianta ignorar a vontade revelada de Deus e esperar que Ele responda a perguntas sobre Sua vontade em áreas específicas de nossas vidas.

À medida que estudamos Sua Palavra e passamos tempo em oração, nosso relacionamento com Deus cresce e começamos a entender Seu caráter. Estaremos então prontos para ouvir Sua instrução sobre as outras áreas de nossas vidas. Além de estudar a Bíblia e orar, é bom que estejamos dispostos a buscar aconselhamento de pastores ou irmãos mais maduros na fé.

Se levarmos a sério a vontade de Deus, precisamos reconhecer que não se trata de conseguir o que queremos, mas sim de fazermos o que Deus nos manda. Devemos confiar e saber que Ele é bom, e que a Sua vontade é o melhor para nós.

-- Jeff Gangel, diretor de formação espiritual na Toccoa Falls, Geórgia.

Deus pode me pedir para fazer algo que eu não queira?


Deus pode pedir que façamos algo que não nos parece natural em um primeiro momento. Mas à medida que escutamos e respondemos a Seu chamado, nos conectamos a nossos mais profundos desejos. Afinal, o que Deus nos chama a fazer, é o que Ele nos criou para fazermos.

Muitos de nós temos hábitos que nos fazem sentir confortáveis e que apreciamos. Em longo prazo, no entanto, essas coisas podem não satisfazer nossas necessidades espirituais mais profundas. Podemos, por exemplo, ter o hábito de buscar aceitação das pessoas, seguindo os passos da maioria. Isso é fácil e pode fazer com que nos sintamos aceitos, mas na verdade, esse hábito pode impedir que nos tornemos quem fomos chamados para ser.

Esse processo pode ser comparado a um atleta que se prepara para uma corrida. Para chegar ao ponto em que ele sentirá prazer ao correr longas distâncias, é preciso trabalhar duro e fazer coisas que não são tão fáceis e agradáveis. Mas quando o atleta está em forma, correr se torna uma grande alegria. Da mesma forma, quando começamos a percorrer o caminho da vontade de Deus, sentimos uma enorme alegria em cumprir Seu chamado.

-- Greg Carmer, reitor da universidade Gordon, Massachusetts.

E se eu não perceber qual é a vontade de Deus?


Tomar uma decisão errada não significa que estaremos para sempre fora da vontade de Deus. Isso é parte da beleza das escrituras: possui inúmeras histórias de pessoas que tomaram decisões ruins, e que ainda assim foram usadas tremendamente por Deus. Veja Abraão e Davi. Ambos fizeram coisas claramente erradas, mas Deus trabalhou através deles para realizar grandes coisas. Ele pode usar todas as nossas decisões, as certas, as erradas ou as neutras.

Também precisamos lembrar que Deus é nosso Pai. Ele não está aqui para nos condenar, mas para nos tornar mais parecidos com Cristo. Se estivermos focados em Cristo, e em santidade, as outras coisas se encaixarão em seus devidos lugares. Deus não tem a intenção de nos oferecer apenas uma chance para fazer o que é certo.

-- Shawn Holtgren, reitor de Desenvolvimento Espiritual e de Liderança na universidade Bethel, Indiana.

Traduzido por Júlia Ramalho

domingo, 2 de dezembro de 2012

Preparas-me uma Mesa na Presença de Meus Inimigos


Por Carlos Moreira

A expressão que dá título a esta crônica não é minha, mas do Rei Davi, no extraordinário Salmo 23.

É difícil fazer uma interpretação precisa de um versículo num contexto como este. Já tentei discernir o texto por vários ângulos, utilizei traduções diferentes, visitei o original hebraico, analisei interpretações de especialistas...

Mas para ser honesto, o que aqui lhe trago é apenas a minha forma de percebê-lo. E não apenas isso, mas também o meu desejo de encarná-lo na vida, existencializar a poesia transformando letra em carne, mesmo sabendo que, muito provavelmente, não era isso que Davi tinha em mente quando o escreveu.

Minha escrita eu construí a partir de um sem número de observações... fui ouvindo as pessoas, anos seguidos, e de tanto ser exposto aos seus medos, dramas e dores, formatei esta imagem alegórica que hoje carrego em mim, não me sai da cabeça...

A sensação que tenho é de que há gente que mais se parece com postes por onde passam imagens, sons, palavras, ações e sentimentos. Elas possuem centenas de “fios emaranhados”, muitos dos quais desencapados, em flagrante perigo. Creia-me, há pessoas que se especializaram em construir “gambiarras” na alma; é tanto “liga” aqui, “desliga” ali, que, ao depois, não se sabe mais o que leva ao que...

Essas “interseções de fios” nada mais são do que os relacionamentos que travamos, sejam afetivos, familiares, profissionais ou de amizade, os quais, por vezes, entram em “curto circuito” por motivos dos mais diversos. É triste, mas me parece que à medida que o tempo avança e “devora” a vida, tanto mais as pessoas vão se tornando solitárias, muitas de suas relações, literalmente, acabam se “incendiando”, terminam em cinzas e silêncio.

Por isso, no meu “Salmo 23”, peço a Deus para por na minha presença uma mesa onde estejam todos os meus desafetos. Sim, digo isto porque você não senta com inimigos a mesa, você os enfrenta no campo de batalha. Pedir uma mesa na presença de adversários é algo, provavelmente, impensável, eu sei, mas é esse o meu desejo.

O motivo é bem simples: essa mesa pode ser a única possibilidade de reatar laços partidos, resgatar amigos perdidos, reaver momentos que seriam bons mas que foram desperdiçados para sempre... Nessa mesa eu poderia usufruir de gargalhadas que nunca serão dadas, e de alegrias não experimentadas, abraços que foram esquecidos, mãos que não mais se tocaram e até lágrimas de solidariedade que, com absoluta convicção, me teriam serventia como consolo e abrigo nos dias cinzentos, dias de sombras e solidão.

No meu “Salmo 23”, a mesa se põe na presença dos inimigos para que eles possam novamente se sentar ao meu lado, para que seja possível haver perdão, cura e libertação. Na minha mesa, o óleo que desce sobre a cabeça sara a consciência e produz saúde que pacifica a alma, e o cálice está sempre transbordando o vinho da alegria, deixando vazar o regozijo que há quando na vida torna-se possível o reencontro, a reconciliação.

Quão bom seria poder sentar nesta mesa, fosse eu convidado de outrem, fosse o anfitrião da festa do perdão. Pena que a realidade nos revele um cenário tão diferente, pois nele é a intolerância e o rancor que são servidos como prato principal, nunca a paz e o perdão.

Por isso, se te for possível, reconcilia-te ainda hoje com o teu semelhante, ponha perante ti e ele uma mesa, e conclame a Deus como tua testemunha deste ato de grandeza. Sim, amigo, faça isso enquanto ainda há tempo, pois talvez chegue o dia em que a tua mesa seja apenas feita de lonjuras e distâncias e nela tu estejas completamente só...

Carlos Moreira é editor assistente do Genizah e escreve também para a Nova Cristandade.



sábado, 24 de novembro de 2012

Qual Seu Propósito na Vida?


Por Flitz Klumpp

Sinto-me fascinado pela vida do homem mais sábio que já viveu: rei Salomão, filho de Davi e terceiro rei de Israel. Ele reinou no século X A.c., governando durante a era de ouro em Israel. Apesar das espantosas realizações e notoriedade, o resumo de sua vida, da perspectiva de seus últimos dias, foi que “É tudo vaidade (sem sentido)” (Eclesiastes 1.2,14).

Olhando para Salomão e tudo quanto ele alcançou durante sua célebre existência, não posso deixar de perguntar: “Como alguém que começou tão bem, e fez tantas coisas, pode chegar ao final da vida e concluir que o que realizou não fazia sentido?”

Muitos começaram idealisticamente fazendo algo que sentiu daria significado à sua vida, para depois se desiludir. Tenho observado isto em muitos que começam carreiras militares. São idealistas e pensam que podem ajudar a realizar coisas importantes, mas a realidade da guerra os leva à decepção. A resultante perda de propósito pode contribuir para o transtorno do estresse pós-traumático (PTSD, em inglês). O mesmo tipo de decepção é experimentado por pessoas envolvidas com a política e o mercado de trabalho.

Todos desejam que a vida valha a pena; todos desejam uma vida significativa. Sempre penso na afirmação do filósofo Blaise Pascal sobre o “vazio com forma de Deus”, que existe no coração de cada pessoa, um vazio que somente Deus pode preencher. John Maxwell, na "Bíblia da Liderança Cristã", se refere a outro vazio: vazio com forma de vida, que somente pode ser preenchido por uma missão na vida.

A conclusão de Salomão que “tudo é inútil, é correr atrás do vento” (Eclesiastes 1.14), diz respeito ao trabalho feito “debaixo do sol” (Eclesiastes 4.7). Se o propósito para a vida não pode ser encontrado “debaixo do sol”, então precisamos procurá-lo em outro lugar: olhar na direção do céu! Se queremos encontrar verdadeiro significado e propósito, precisamos olhar para o próprio Deus.

Meu amigo e mentor de longa data, Joe Coggeshall, me desafiou durante anos a escrever uma “declaração de propósito de vida”. “Companhias de sucesso têm uma declaração de propósito ou missão”, ele me dizia. “Por que você não pode ter a sua?” Finalmente aceitei o desafio e, desde então, descobri que considerar e por em palavras meu propósito na vida, transformou-se numa bússola que me permite rejeitar o bom em favor do melhor.

Na versão Amplificada da Bíblia, Paulo escreve: “(Porque o meu firme propósito é) que eu possa conhecê-lo (a Jesus Cristo) – [que eu possa progressivamente conhecê-lo pessoalmente mais profunda e intimamente, percebendo e reconhecendo e compreendendo as maravilhas de Sua pessoa mais forte e claramente]” (Filipenses 3.10). No que diz respeito a propósito de vida, este me parece bem razoável.

Qual é o seu propósito? Por que você faz o que faz? Se você não tem uma declaração de propósito de vida, por que não faz uma?

Questões Para Reflexão ou Discussão

1. Já lhe aconteceu, apesar de muita atividade e esforço, não realizar muita coisa? Por que isso acontece?
2. Que acha da avaliação desanimadora do rei Salomão, que “tudo é vaidade e correr atrás do vento”?
3. O autor sugere considerar nosso propósito de vida e colocá-lo sob a forma de uma declaração. Você já fez a sua?
4. Como você responderia se alguém lhe perguntasse hoje, qual o seu propósito na vida?
5. Desejando considerar outras passagens da Bíblia relacionadas ao tema, sugerimos: Provérbios 6.20-23; 14.12; 17.24; 19.20; Eclesiastes 12.9-14; Mateus 5.16; 6.19-21,33.

Sobre o autor deste texto:
Fritz Klumpp e sua esposa, Ann, vivem em Ashland, Virgínia, EUA. Ele foi piloto da Marinha Americana, serviu durante a Guerra do Vietnã, aposentou-se depois de uma carreira como piloto na Delta Air Lines. Seu website é www.fritzklumpp.com. Tradução de Mércia Padovani. Revisão e adaptação de J. Sergio Fortes e Eude Martins.

sábado, 17 de novembro de 2012

Começar de novo


Por Richard José Vasques

Quando falamos em começar de novo, dá a impressão que esperamos alguma coisa chegar ao final, para daí recomeçarmos. É uma forma de se pensar nesse assunto. Por outro lado, geralmente quando se chega ao final de uma tarefa ou de um projeto, começa-se outra tarefa ou projeto. Nós não fazemos a repetição deles. Às vezes começamos realmente desde o início novamente. Um exemplo disso é quando estamos trabalhando num texto no computador, e por descuido ou falta de hábito, não salvamos o trabalho em andamento e acabamos perdendo-o por alguma pane ou operação indevida. Aí sim teremos de começar de novo; fazer tudo novamente. Quanto desgaste isso traz!

Se olharmos para nossas vidas, considerando que cada dia é um dia, e que não sabemos se haverá um novo dia, ao iniciarmos um novo dia podemos dizer que estamos começando de novo: a nossa vida. Com esse foco, o ideal é que nosso dia seja bastante agradável e produtivo, mas nem sempre é assim. Quantas vezes gastamos nosso tempo em atividades e ações que não agregam nada à nossa vida nem à vida das pessoas que nos cercam, ou com as quais nos relacionamos. Como fazer então para o nosso dia ser produtivo e agradável? Creio que cada um tem a sua receita, apesar de muitas vezes não ser possível aplicá-la.

Estou lendo um livro de autoria de John Maxwell, intitulado “O Líder 360º”. Num trecho do livro, ele comenta sobre uma prática adotada pelo General aposentado do Exército Americano, Tommy Franks, que criou uma disciplina de olhar e se preparar para o intangível. Todos os dias de sua carreira, desde 23/02/88, ele começava o seu trabalho planejando o dia. Para isso ela respondia à seguinte pergunta: “Quais são os maiores desafios que posso enfrentar hoje?” em um cartão para aquele dia. Na parte de baixo do cartão ele escrevia os cinco problemas mais importantes que poderia enfrentar e na parte de trás do cartão, as oportunidades que poderiam aparecer naquele dia.

Todas as manhãs, desde aquele dia, ele anotava os Desafios e Oportunidades que poderiam surgir em cada dia. O General disse que o importante não é o cartão em si, mas preparar-se para cada dia. Preparar-se para começar de novo. Cada dia, um recomeço. Podemos ainda pensar em fases da nossa vida. De repente em determinada fase as coisas não estão acontecendo como gostaríamos que acontecesse. O que podemos fazer de diferente para nos ajustarmos à nova realidade? Fazer diferente. Esse é realmente um desafio. Nossa tendência é pensar que só sabemos ou podemos fazer aquilo que estamos acostumados a fazer.

Nova visão a cada dia. Novos focos, ou reforço de algo que precisa de continuidade. John Maxwell citou também um comentário da Psicóloga Joyce Brothers: “Confie nos seus palpites”. Quanto mais você concentra sua atenção no que é intangível, mas aguçada ficará a sua intuição. Estar aberto a tudo o que é novo, a perceber as oportunidades, a “sentir” os seus palpites. Intangíveis: coisas que não podemos quantificar ou mensurar num primeiro momento, mas que podem trazer grandes resultados.

Novos resultados somente com novas ações. Já foi dito que se você continua fazendo as mesmas coisas, no máximo você continuará obtendo os mesmos resultados. Se esses resultados são bons e as suas ações estão alinhadas a ele, OK. E se não forem bons? O que fazer? Mesmo obtendo bons resultados é importante pensar em aprimoramento das ações que estão levando àqueles resultados. Na cultura da qualidade ou da gestão, dizemos que aplicamos o ciclo PDCA (Planejar, Fazer, Controlar e Agir de forma corretiva sempre que necessário). Esse ciclo é também chamado de “Ciclo da Melhoria Contínua”.

Melhorar sempre. Às vezes a melhoria tem a ver com redução de ritmo para se processar os ajustes necessários. O desafio é conciliar esse tempo, essas novas ações, com os compromissos vigentes. Penso que o cartão do General Tommy Franks pode nos ajudar a criar essa cultura, de recomeçar a cada dia. Pensar nos desafios e oportunidades e estabelecer ações planejadas para enfrentá-los e buscá-las, respectivamente.

Num dos trechos do Sermão do Monte, Jesus diz assim: “Não vos inquieteis, pois, pelo dia amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal”. (Mateus 6:34). Não estar inquieto com o próximo dia, mas parar para avaliar como ele pode ser mais produtivo e agradável, trazendo resultado para a nossa vida e para a vida dos nossos semelhantes. Apesar de todos os planos, as coisas ainda podem acontecer de forma diferente do planejado. O Rei Salomão nos lembrou disso: “muitos são os planos no coração do homem, mas o que prevalece é o propósito do Senhor”. (Provérbios 19.21).

Então nos cabe, ao preenchermos nosso cartão modelo Tommy Franks, perguntar ao Senhor qual é o propósito dele para o nosso dia. Que o propósito do seu dia agrade ao Senhor. Boa semana.

E-mail: rjv@rjv.com.br Website: www.rjv.com.br

sábado, 10 de novembro de 2012

Deus,esse desconhecido conhecido


Por Leonardo Boff

Nos dias 5 e 6 de outubro em Assis realizou-se mais uma edição do “Átrio dos Gentios”, iniciativa do Pontifício Conselho para a Cultura do Vaticano, voltada para a questão de Deus. O Presidente da Itália, Giorgio Napolitano e o Card. Gianfranco Ravasi, à frente do Conselho e famoso exegeta bíblico, fizeram um diálogo instigante sobre “Deus, esse desconhecido”.

Com o “Átrio dos Gentios” faz-se um esforço de levar ao diálogo crentes e não crentes. O Átrio era o espaço ao redor do templo de Jerusalém acessível aos gentios (pagãos) que, de resto, jamais poderiam de entrar no templo. Agora procura-se tirar os interditos para que todos possam aceder ao templo.

A este propósito me permito uma reflexão que me acompanha ao largo de toda a vida de teólogo: pensar Deus para além das objetivações religiosas (metafísicas) e procurar interpretá-lo como Mistério sempre desconhecido e, ao mesmo tempo, sempre conhecido.
Por que este caminho? Einstein nos oferece uma pista: ”o homem que não tem os olhos abertos para o Mistério passará pela vida sem nunca ver nada”.

Efetivamente, para onde quer que dirijamos o olhar, para o grande e para o pequeno, para fora e para dentro, para o alto e para o baixo, para todos os lados, encontramos o Mistério. O Mistério não é o desconhecido. É o conhecido que nos fascina e nos atrai para conhecê-lo mais e mais. Ao tentar conhecê-lo, percebemos que nossa sede e fome de conhecimento nunca se sacia. No mesmo momento em que O conhecemos, Ele se nos escapa na direção do desconhecido. Perseguimo-lo sem cessar e mesmo assim Ele fica sempre Mistério em todo o conhecimento, causando-nos atração invencível, temor profundo e reverência irresistível. O Mistério simplesmente é.

Minha tese de base é esta: no princípio era o Mistério. O Mistério era Deus. Deus é o Mistério. Deus é Mistério para nós e para Si mesmo.

É Mistério para nós na medida em que nunca acabamos de conhecê–Lo nem pela razão nem pelo amor. Cada encontro deixa uma ausência que leva a outro encontro. Cada conhecimento abre outra janela para um novo conhecimento. O Mistério de Deus não é o limite do conhecimento mas o ilimitado do conhecimento. É o amor que não conhece repouso. O Mistério não cabe em nenhum esquema nem vem aprisionado nas malhas de alguma religião, Igreja ou doutrina. Ele está sempre por ser conhecido.

O Mistério é uma Presença ausente. Mas também, uma Ausência presente. Manifesta-se na nossa absoluta insatisfação que incansavelmente e em vão busca satisfação. Neste transitar entre Presença e Ausência se realiza o ser humano, trágico e feliz, inteiro mas inacabado.

Deus é Mistério em si mesmo e para si mesmo. Deus é Mistério em si mesmo porque sua natureza é Mistério. Vale dizer: Deus enquanto Mistério se autoconhece e no entanto nunca tem fim seu autoconhecimento. O conhecimento de sua natureza de Mistério é cada vez inteiro e pleno e, ao mesmo tempo, sempre aberto para nova plenitude, ficando sempre Mistério, eterno e infinito para si mesmo. Se assim não fosse, não seria o que é: Mistério. Portanto, Ele é um absoluto Dinamismo sem limites.

Deus é Mistério para si mesmo quer dizer: por mais que Ele se autoconheça nunca esgota este seu conhecimento. Está aberto a um futuro que é realmente futuro. Portanto, algo que ainda não é dado, mas que pode se dar como novo para Ele mesmo. Com a encarnação Deus começou a ser aquilo que antes não era. Portanto, em Deus há um devir, um tornar-se.

Mas o Mistério, por um dinamismo intrínseco, permamentemente se revela e se autocomunica. Sai de si e conhece e ama o novo que emerge dele. O que vai se emergir não é reprodução do mesmo. Mas sempre distinto e novo, também para Ele. À diferença do enigma que, conhecido, se desfaz, o Mistério quanto mais conhecido mais aparece como desconhecido, quer dizer, como Mistério que convida para mais conhecimento e para maior amor.

Dizer Deus-Mistério é expressar um dinamismo sem resto, uma vida sem entropia, uma irrupção sem perda, um devir sem interrupção, um eterno vir-a-ser sempre sendo e uma beleza sempre nova e diferente que jamais fenece. Mistério é Mistério, agora e sempre, desde toda a eternidade e por toda a eternidade.

Diante do Mistério se afogam as palavras, desfalecem as imagens e morrem as referências. O que nos cabe é o silêncio, a reverência, a adoração e a contemplação.
Estas são as atitudes adequadas ao Mistério.

Assumindo tal compreensão, se derrubam todos os muros. Já não haverá mais o Atrio dos Gentios e tambem não existirá mais templo, porque Deus não tem religião. Ele é simplesmente o Mistério que liga e re-liga tudo, cada pessoa e o inteiro universo. O Mistério nos penetra e nEle estamos mergulhados.

Leonardo Boff é autor de Experimentar Deus: a transparência de todas as coisas, Vozes 2002.
Publicado em http://leonardoboff.wordpress.com/ em 16/10/2012

sábado, 3 de novembro de 2012

Sofrimento


Por Ed René Kivitz

Publicado em 05 de Junho de 2012 (http://edrenekivitz.com/blog/)

"Aceitar a realidade e inevitabilidade do sofrimento é escolher a vida, decidir amar, optar pela plenitude, apostar na fé."

O sofrimento pode ser o caminho através do qual chegamos às nossas verdades. A estrada pela qual chegamos à maturidade atravessa, necessariamente, a escuridão e a solidão. A escuridão, porque sofrer implica perder as referências, desdenhar das explicações, questionar os clichês e aventurar perguntas. A escuridão é o momento quando não caminhamos porque vemos, mas porque intuímos, recordamos e temos fé. Intuímos o rumo certo pelo tanto que já caminhamos, recordamos as experiências aprendidas em momentos semelhantes no passado e andamos por fé, que supera as trevas, prescinde de explicações e transcende as certezas.

A solidão é imprescindível na trilha do sofrimento. A dor pode ser compartilhada, mas jamais transferida. Pode ser percebida, mas não capturada. Pode até ser escondida, mas nunca suprimida. Quem sofre, sofre sempre em solidão. Não necessariamente porque lhe falta boa e providencial companhia, mas porque todo sofrimento pessoal, em sua dimensão mais profunda e essencial, é intransferível. O sofrimento tem sua realidade particular, e não pode ser diferente: cada um sofre por uma razão, é vitimado em áreas distintas, por motivos diversos e com respostas as mais variadas, num dégradé de resiliência que vai da meninice do chororô ao heroísmo quase estóico, incluído entre os tons das cores a grandeza da fé, resignada e esperançosa, e por isso engajada e mobilizadora.

O sofrimento desperta para o ético e o estético. Convoca virtudes adormecidas a que subam ao palco: coragem, perseverança, paciência, honradez, respeito à vida. Possibilita o lapidar do caráter, apara arestas, harmoniza as formas, faz irromper a beleza escondida na frieza do coração. O sofrimento quebranta orgulhosos, vaidosos e prepotentes, faz desmoronar intransigentes, legalistas e moralistas. Como o martelo do escultor, retira os excessos da pedra e dá à luz o belo, o sublime, o deslumbrante.

Quem sofre descobre seus limites, identifica verdadeiras amizades, vislumbra novos horizontes, abre a mente para novas verdades e o coração para novos amores. O sofrimento produz compaixão, evoca misericórdia, gera solidariedade. O sofrimento cria caminhos para arrependimentos e confissões, subverte juízos e sentenças, possibilita aproximações e reconciliações.

O sofrimento coloca homens, mulheres, velhos e crianças, de joelhos. Faz com que os olhos procurem os céus. Dilata a alma para o mistério, conclama o espírito para o inefável, inspira poesias e canções, faz surgir nos lábios o perfeito louvor. Quem sofre aprende a perdoar e pedir perdão. Ganha a oportunidade de colocar o rosto no chão, em clamor e oração. O sofredor jamais chora em vão. Deus habita também a sombra e a escuridão.

O sofrimento é o ônus do viver, o custo do amor, a paga pelo crescimento, o preço da maturidade. Viver é muito perigoso, já dizia Guimarães. Amar é muito precioso. Crescer é muito doloroso. Amadurecer é muito custoso. Crer é coisa de teimoso. O sofrimento diminui o poder da morte, dissolve a crueldade da indiferença, envergonha a pequenez da alma, desmascara o mundo de mentirinha da ingênua infância, quebra a maldição da incredulidade. Aceitar a realidade e inevitabilidade do sofrimento é escolher a vida, decidir amar, optar pela plenitude, apostar na fé.

Fonte: Ed René

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Decisões que Transformam Vidas


Por Ronaldo Lidório.

Publicado em http://www.ronaldo.lidorio.com.br

A Bíblia está repleta de iniciativas e decisões que mudaram a vida de pessoas, países e gerações. Algumas foram complexas - como peregrinar por um deserto, empreender uma guerra ou enfrentar um gigante -, outras foram mais simples - como parar ao longo de um caminho para ajudar um homem caído. Foram, porém, decisões transformadoras.

Erramos ao pensar que as decisões são tomadas com base em nossa vontade. Apesar de a vontade exercer um papel fundamental em nossas vidas, frequentemente ela não se mostra forte o suficiente para nos guiar em uma decisão acertada e transformadora.

Quantas vezes tivemos sincera vontade de fazer algo notadamente de grande importância e não o fizemos? Decisões são mais frequentemente tomadas com base em nossos princípios - aquilo que determina o que cremos, que resume o nosso sentido de vida e nos impulsiona a fazer o improvável.

Lucas, no capítulo 10, apresenta-nos quatro personagens distintos na estrada entre Jerusalém e Jericó: um necessitado caído à margem da estrada, um sacerdote, um levita e, por fim, um samaritano. É nesta pequena história que encontramos o reflexo da nossa própria humanidade: virtudes a serem celebradas e o natural engano do coração que nos impede de ver o mundo com os olhos do Pai.

O sacerdote e o levita possuíam uma função para a qual foram chamados. Eram homens separados para o serviço do Reino e ocupados com as coisas do Reino. Possuíam um salário e também um público que esperava que cumprissem suas funções. Eram os homens do culto, das celebrações e das cerimônias religiosas. Estavam, porém, tão absortos no cumprimento da própria agenda que perderam de vista o motivo da vocação. Eles se esqueceram de que pessoas são mais importantes que coisas, que uma alma vale mais que o mundo inteiro.

Em uma sociedade ativista, consumista e hedônica, como a nossa, talvez este seja nosso maior desafio: perceber aqueles que estão caídos, enquanto seguimos apressados para o próximo compromisso. Jesus repetidamente ensinou aos seus discípulos que eles deveriam atentar para os órfãos, viúvas, encarcerados, enfermos, famintos, sedentos, excluídos e perdidos. Jesus, com isso, nos ensinou que devemos ter os olhos abertos para os que se encontram nas margens dos caminhos.

Não caía bem a um samaritano ajudar um judeu, opressor do seu povo. Seria ele visto como um entreguista, um colaborador do inimigo, ou mesmo um bajulador de Israel? Ajudar o inimigo não lhe traria aplausos. O certo é que ele estava disposto a sacrificar sua reputação tomando esta decisão transformadora: parar e ajudar a figura mais improvável.

Facilmente nos impressionamos com histórias, biografias e ministérios que não impressionam a Deus. Isso acontece porque nos comovemos com resultados visíveis, mensuráveis e que geram prestígio, bem como com processos ligados às multidões, holofotes e aplausos. Parece-me, porém, que no exemplo de Jesus – e do samaritano – o verdadeiro amor do Pai ocorre com frequência em lugares bem menos frequentados.
Lugares onde Jesus encontrou um cego próximo a Jericó, uma mulher samaritana ao lado de um poço e um coletor de imposto odiado pelo próprio povo. Deus vê o coração.
Talvez estejamos aplaudindo o sacerdote e o levita, que seguiam rápido, provavelmente para um grande culto, mas Deus se agradou do samaritano que parou.

Identidade é um elemento que contribui tremendamente para tomada de decisões diárias. Para aquele samaritano, sua história lhe dizia que aquele caído era seu inimigo e que este dia era o momento da revanche. Mas, parece-me que ele possuía uma imagem real de si mesmo, que ia além da história contada pelos seus pais, sua sociedade, seu sobrenome e seu contexto. Ele agiu como alguém que crê que sua identidade é definida por Deus. Ele não se viu naquele dia como um oponente, mas como um ajudador. Não enxergou o homem caído como um estranho distante, mas como o seu próximo.

Talvez a sua história lhe diga coisas tristes a seu respeito. Talvez seus pais, amigos, inimigos, os fatos da vida ou seu próprio inconsciente colaborem para construir em você uma autoimagem baixa demais, alta demais, ou simplesmente irreal. A Palavra nos diz, porém, que em Cristo temos uma nova identidade. Somos os amados do Pai, herdeiros com Cristo, vencedores em Deus, sal da terra e luz do mundo, criados para a Sua glória, alvos preferenciais do amor do Eterno. Somos mais que samaritanos opressos, somos filhos de Deus que podem ter os olhos abertos para os caídos ao longo do nosso caminho. A oração a ser repetida a cada dia, neste caso, é justamente esta: Senhor, abra os olhos do meu coração.

sábado, 20 de outubro de 2012

Eu escolho amar


por Emerson Leão

Publicado em 20/06/2012. www.irmaos.com


Ultimamente ando pensando sobre o amor entre duas pessoas, sobre como um casal de 70 anos faz para chegar até lá. Também andei pensando sobre a relação entre amar e merecer amar. Sempre tive uma ideia de que só quem ama outro ser sem este merecer é Jesus, que para se amar outra pessoa deve-se sim ter tolerância e respeito com certas coisas, e que bastariam algumas características do amado serem manifestas para tudo de ruim ser revelado. Até que um dia me deparei com a situação onde me perguntava: “o que que tô fazendo aqui?”. Não havia mais o porquê de amar.

As lembranças de lindos momentos juntos e uma certeza de que Deus estava no “negócio” me segurava, me impedia de dar um ponto final nessa história. De fato tudo entre nós sempre foi muito difícil, sempre tivemos que nos unir para enfrentarmos situações onde só a fé nos dava esperança. Tudo isso sempre nos tornava gratos por estarmos um com o outro, olhar para trás e ver como a união fez a força. Mas desta vez foi diferente, o problema de um era o outro.

Se eu falar que tudo explodiu repentinamente estarei mentindo. Eu sabia que em coisa boa não ia dar, mas em vez de declarar guerra, em vez de me revestir com a armadura de Efésios 6 para derrubar mais esse gigante, fechei os olhos, fui atrás de soluções momentâneas, sorrisos para maquiar a verdade em vez de choros para transformar a realidade. Com muito pesar eu digo que vi o cronômetro da bomba, dei meia volta e esperei detonar.

Mas ainda há tempo. Enquanto um de nós estiver vivo ainda haverá. Há alguma situação que torne o cristão impossibilitado? Pedro estava preso, prestes a morrer; a Igreja não podendo fazer nada, fez tudo: orou fervorosamente e as portas da prisão se abriram. Sempre tive mania de querer resolver as coisas com as minhas próprias mãos e não é desta vez que vou fazer diferente. Com as minhas mãos entregarei tudo a Deus. A ação mais sábia de um homem é deixar Deus agir.

Agora me pego na seguinte situação: por que tudo isso? Por que ir atrás de algo que pode não valer mais a pena? Não sei. Pode ser cegueira. Até cogitaria ser um daqueles desejos enganosos do coração, caso ele quisesse isso de fato, porém o que ele quer é que eu alimente a raiva e seja egoísta. Mas estou mais para o mandamento da Nova Aliança: "amarás o próximo como a ti mesmo”.

A grande lição que eu aprendi é que amar não é uma questão de motivo, é questão de escolha. Eu escolho amar.

sábado, 13 de outubro de 2012

Crianças -"Não as impeçais"!


Por Edvar Gimenes de Oliveira

Publicado em 20.07.12 - 89/100 dias de oração pelo Brasil

Crianças são seres humanos.
Em estágio de vida diferente dos adultos, mas seres humanos.
Responsabilidades diferentes dos adultos, mas seres humanos.
Reações diferentes dos adultos, mas seres humanos.

Isso parece óbvio, mas não para todos e em todos os tempos. Nos tempos de Jesus, como as mulheres, elas não eram contadas. Isso indicava que não tinham o mesmo valor que os homens. Daí os discípulos dificultarem o acesso de uma mulher a Jesus que, além disso, queria levar uma criança para ser abençoada.
Jesus, quebrando mais um paradigma, reage: "não as impeçais".

"Não as impeçais" não é o mesmo de "deixem que façam o que quiserem". Significa que seus direitos devem ser reconhecidos. No caso de Jesus, os discípulos lhes negava o direito de serem abençoadas.

Por que elas não poderiam sequer ser abençoadas por Jesus? Porque Jesus era por demais importante, bastante assediado por adultos e, sendo elas seres de segunda classe, não deveriam incomodá-lo. Esse era o pensamento por detrás da decisão deles. Errado, mas assim a cultura foi introjetada em suas mentes. (Preservar a cultura é algo bom, desde que os valores que elas apresentam sejam saudáveis ao indivíduo e à sociedade como um todo).

Jesus via de outra forma.
As crianças são frágeis, mas seres humanos.
Não desenvolveram a capacidade física para se defenderem, mas seres humanos.
Não têm autonomia econômica para sobreviverem, mas seres humanos.
Não têm pensamento amadurecido para decidirem, mas seres humanos.
Não têm maturidade emocional para se autocontrolarem plenamente, mas seres humanos.
Sim, seres humanos que merecem todo o nosso respeito e cuidado.

Portanto, as palavras de Jesus precisam ser vistas não somente como um incentivo à evangelização de crianças, no sentido de proporcionarmos a elas o direito de conhecerem um evangelho que lhes garante uma salvação no futuro, mas também o evangelho que reconhece e, por isso, valoriza seus direitos de serem salvas das maldades e equívocos humanos no presente.

Não as impedí-las de ir a Jesus, para ouvirem e conhecerem, por exemplo, o "sermão do monte" que lhes ensina direitos e deveres conferidos por Deus, para viverem a vida de maneira saudável. Conhecerem, portanto, não só o direito ao céu, mas à vida, em todas as dimensões, como manifestação da graça e do amor divinos.

sábado, 6 de outubro de 2012

O Sofrimento Não é Uma Punição de um Deus Cruel


Por Harold S. Kushner

Publicado em www.shalom.org.br

Eu acredito em Deus. Mas eu não acredito nas mesmas coisas sobre Ele nas quais acreditava anos atrás, enquanto crescia, ou quando fui um estudante de teologia. Reconheço Suas limitações. Ele é limitado no alcance de Suas ações pelas leis da natureza e pela evolução da natureza humana e liberdade moral humana.

Eu não mais responsabilizo Deus pelas doenças, acidentes e desastres naturais, porque eu percebo que perco muito e ganho pouco quando culpo Deus por essas coisas. Eu consigo reverenciar mais facilmente um Deus que odeia o sofrimento mas não pode eliminá-lo do que um Deus que escolhe fazer crianças sofrerem e morrerem, seja qual for o motivo superior.

Há alguns anos, quando a teologia da “morte de Deus” estava na moda, lembro ter visto um adesivo onde se lia “Meu Deus não está morto, sinto muito pelo seu.” Acho que em meu adesivo se leria “Meu Deus não é cruel, sinto muito pelo seu.”

Deus não causa nossos infortúnios. Alguns deles são causados por má sorte, alguns são causados por pessoas más, e alguns simplesmente são uma conseqüência inevitável de sermos humanos e mortais, vivendo em um mundo de leis naturais inexoráveis.

As coisas dolorosas que nos acontecem não são castigos por nosso mau comportamento, nem são, de algum modo, parte de algum grande projeto de Deus. Porque a tragédia não é vontade de Deus, não precisamos nos sentir chateados com Deus e nem traídos por Ele, quando a tragédia nos atinge. Podemos nos dirigir a Ele para que nos ajude a superá-la, exatamente porque podemos nos convencer que Ele se sente tão ultrajado por ela quanto nós.

Uma Noção de Significância Torna a Dor Mais Suportável

“Isso quer dizer que minha dor não tem sentido?” Este é o desafio mais expressivo que pode ser suscitado pelo ponto de vista que tenho defendido neste livro. Poderíamos suportar quase qualquer dor se soubéssemos que existe um motivo atrás disso, um propósito para a mesma. Mas mesmo um fardo mais leve se torna demais se sentirmos que não faz sentido.

Em um hospital de veteranos, os pacientes que foram seriamente feridos em combate têm uma maior facilidade para se adaptarem aos seus ferimentos do que pacientes com exatamente o mesmo ferimento, mas que tenha sido causado seja quando se divertiam numa quadra de futebol ou numa piscina, porque os primeiros podem acreditar que seu sofrimento, pelo menos, foi por uma boa causa. Pais que tenham se convencido de que existe algum propósito que será atingido pela limitação de seus filhos, podem aceitar o problema mais facilmente pelo mesmo motivo.

Vocês se lembram da história bíblica sobre Moisés, no capítulo 32 do Êxodo, como ele atirou as tábuas dos Dez Mandamentos quebrando-as, quando desceu do Monte Sinai e viu os Israelitas venerando o bezerro de ouro?

Existe uma lenda judaica que nos conta que, enquanto Moisés descia a montanha com as tábuas de pedra nas quais Deus havia escrito os Dez Mandamentos, ele não teve problemas para carregá-las, embora fossem placas de pedra largas e espessas, e a descida era íngreme. Afinal, apesar de serem pesadas, tinham sido inscritas por Deus e eram preciosas para Moisés. Mas quando Moisés encontrou o povo dançando em volta do bezerro de ouro, a lenda diz, as palavras desapareceram das tábuas. Elas se tornaram, novamente, apenas pedras negras. E, então, se tornaram pesadas demais para que ele as segurasse.

Poderíamos suportar qualquer fardo se soubéssemos que existe um sentido no que fazemos. Terei eu tornado mais difícil para as pessoas aceitarem suas doenças, seus infortúnios, suas tragédias familiares, aos lhes dizer que estas não são coisas enviadas por Deus, como parte de um plano mestre Dele?

Permitam que eu sugira que as coisas ruins que acontecem em nossas vidas não têm sentido quando nos acontecem. Elas não acontecem por algum bom motivo que nos faria aceitá-las de bom grado. Mas nós podemos dar a elas um significado. Podemos redimir nossas tragédias da insensatez ao conferir um significado às mesmas.

Olhar Para o Futuro Redime Nossas Tragédias

A pergunta que deveríamos estar formulando não é: “Por que isso aconteceu comigo, o que eu fiz para merecer isso?” Esta é, na verdade, uma pergunta irrespondível, inútil. Uma pergunta melhor seria: “Agora que isso aconteceu comigo, o que eu vou fazer a respeito?”

Martin Gray, um sobrevivente do Gueto de Varsóvia e do Holocausto, escreveu um livro sobre sua vida chamado For Those I Loved (Para Aqueles que Eu Amei). Ele conta como, depois do Holocausto, reconstruiu sua vida, se tornou um homem de sucesso, se casou e criou uma família. A vida parecia boa depois dos horrores do campo de concentração.

Então, um certo dia, sua mulher e filhos foram mortos quando um incêndio florestal destruiu sua casa, no sul da França. Gray ficou destroçado, à beira da loucura, com mais esta tragédia. As pessoas lhe encorajavam a exigir um inquérito para determinar as causas da tragédia. Mas, ao invés disso, ele optou por dedicar seus recursos para um movimento de proteção à natureza contra incêndios futuros. Ele explicou que um inquérito, uma investigação, se concentraria no passado e em questões de dor e tristeza e culpa. Ele queria se concentrar no futuro.

Um inquérito o colocaria contra outras pessoas – “será que alguém foi negligente? De quem é a culpa?” - e ficar contra outras pessoas, se dedicar a encontrar um vilão, apenas deixa uma pessoa solitária mais solitária ainda. A vida, ele concluiu, tem que ser vivida para alguma coisa, e não contra alguma coisa.

Nós também precisamos superar as questões que se concentram no passado e na dor --“por que isso aconteceu comigo?”—e, ao invés disso, precisamos fazer a pergunta que nos abre as portas do futuro: “Agora que isso aconteceu comigo, o que eu vou fazer a respeito?”

Rabi Harold S. Kushner é rabino pertencente ao Templo Israel em Natick, Massachusetts. Ele é autor de vários livros, incluindo Living a Life that Matters (Vivendo uma vida significativa).

sábado, 29 de setembro de 2012

Que me Venha a Tristeza Então!


Por Carlos Moreira

Publicado em http://anovacristandade.blogspot.com/

“A tristeza é melhor do que o riso, porque o rosto triste melhora o coração”. Ec. 7:3.

Nós vivemos na sociedade da fuga. Foge-se de tudo e, não raro, de todos. As pessoas fogem da realidade, vivem entorpecidas por psicotrópicos, não suportam o mundo como ele se apresenta. Em recente reportagem da Folha de São Paulo, constatou-se que o ansiolítico Rivotril vende mais no Brasil do que Paracetamol e Hipoglós.

Pessoas em fuga... Elas fogem de situações difíceis, inventam uma “mentirinha branca”, aquela que não trás prejuízos... Foge-se do gerente do banco, pois a conta está estourada, foge-se do síndico do prédio, pois o condomínio está atrasado, foge-se do cliente, pois a entrega está fora do prazo acordado, foge-se dos filhos, pois eles demandam tempo, e tempo é algo que nós não temos...

Há os que fogem do confronto, são eternas crianças, tem medo da palavra mais firme, do olho-no-olho, da verdade nua e crua. Evitam a todo custo uma conversa sincera, por isso, criam desculpas esfarrapadas, marcam e não comparecem, prometem e não cumprem, têm medo do enfrentamento porque sabem que agiram erradamente, preferem o jogo de esconde-esconde, arrastam a situação por anos, se possível for. Já afirmava Charles Ferdinand Ramuz "Não basta fugir, é necessário fugir-se para o lado mais conveniente."

Há os que fogem de si mesmos... Tentam esconder o ser do próprio ser, enterram seus sentimentos nos escaninhos da alma, aprisionam suas consciências em masmorras de dor e solidão. Essa é, talvez, a pior das fugas! Friedrich Hebbel afirmou: "A vida da maioria das criaturas humanas é uma fuga para fora de si próprias.". Que agonia é existir apenas para fora, no simulacro, no disfarce, no embuste, é a existência performática, é a vida caricaturada, ou como disse Kierkegaard, “o grande baile de máscaras”.

Tenho visto algo alarmante: pessoas fugindo de qualquer tipo de situação incômoda ou de desprazer. É a existência idealizada sobre a égide do hedonismo epicureu, é a busca pelo prazer, pela alegria e felicidade, tudo o mais deve ser evitado. Hospitais, funerais, doentes terminais, estações outonais, as pessoas não querem nada que as remeta as dinâmicas pertencentes à existência: a dor, a perda, o sofrimento, a solidão, a angústia, o medo. E haja Rivotril!

Quero chamá-lo a realidade da vida! O sábio do Eclesiastes afirma que é melhor o enfrentamento com a tristeza do que a fuga dela. É a tristeza, e não o riso, que produz um ser mais “robusto”, uma espiritualidade sustentável, uma fé conseqüente. É girando o moinho da dor que as pessoas se transformam em gente, aprendem a solidarizar-se, a perceber o outro, tornam-se generosas, humildes, contritas e mansas. Somos todos seres singulares, mas bem poetizou o Frejat na sua canção “todo mundo é parecido quando sente dor”.




Não fuja da tristeza, ela pode lhe ser de grande valia na vida! É por isso que o apóstolo Paulo dizia que “regozijava-se nas fraquezas, nos insultos, nas necessidades, nas perseguições e angústias”, pois sabia que estes matizes da vida eram capazes de transformar suas fragilidades em fortalezas.

Não tenho dúvidas de que Deus se utilizará mais da tristeza do que da alegria para forjar em nós um ser melhor, pois este é o convite para os que desejam caminhar no caminho: “tendo os olhos fitos em Jesus, autor e consumador da nossa fé. Ele, pela alegria que lhe fora proposta, suportou a cruz, desprezando a vergonha, e assentou-se à direita do trono de Deus. Hb. 12:2.

Que me venha, então, a tristeza, pois eu sei, conforme o salmista, que os que “semeiam com lágrimas, com alegria ceifarão”. Quem na vida sai andando e chorando enquanto semeia, quem entendeu que lágrimas são sementes que germinam a felicidade, e que a terra regada com o sofrimento é capaz de produzir frutos de justiça, jamais deixará que qualquer tipo de dor passe em sua vida sem que ela produza paz e bem para o ser.

Carlos Moreira

sábado, 22 de setembro de 2012

Ensina a teu Filho


Por Frei Betto

Publicado em www.freibetto.org

Ensina a teu filho que o Brasil tem jeito e que ele deve crescer feliz por ser brasileiro. Há neste país juízes justos, ainda que esta verdade soe como cacófato. Juízes que, como meu pai, nunca empregaram familiares, embora tivessem filhos advogados, jamais fizeram da função um meio de angariar mordomias e, isentos, deram ganho de causa também a pobres, contrariando patrões gananciosos ou empresas que se viram obrigadas a aprender que, para certos homens, a honra é inegociável.

Ensina a teu filho que neste país há políticos íntegros, administradores competentes, autoridades honradas, que não se deixam corromper, não varrem as mazelas para debaixo do tapete, não temem desagradar amigos e desapontar poderosos, ousam pensar com a própria cabeça e preservar mais a honra que a vida.

Ensina a teu filho que não ter talento esportivo ou rosto e corpo de modelo, e sentir-se feio diante dos padrões vigentes de beleza, não é motivo para ele perder a auto-estima. A felicidade não se compra nem é um troféu que se ganha vencendo a concorrência. Tece-se de valores e virtudes, e desenha, em nossa existência, um sentido pelo qual vale a pena viver e morrer.

Ensina a teu filho que o Brasil possui dimensões continentais e as mais fertéis terras do planeta. Não se justifica, pois, tanta terra sem gente e tanta gente sem terra. Assim como a libertação dos escravos tardou mas chegou, a reforma agrária haverá de se implantar. Tomara que regada com muito pouco sangue.
Saiba o teu filho que os sem-terra que ocupam áreas ociosas, griladas ou devolutas são, hoje, chamados de "bandidos", como outrora a pecha caiu sobre Gandhi sentado nos trilhos das ferrovias inglesas e Luther King ocupando escolas vetadas aos negros.

Ensina a teu filho que pioneiros e profetas, de Jesus a Tiradentes, de Francisco de Assis a Nelson Mandela, são invariavelmente tratados, pela elite de seu tempo, como subversivos, malfeitores, visionários.

Ensina a teu filho que o Brasil é uma nação trabalhadora e criativa. Milhões de brasileiros levantam cedo todos os dias, comem aquém de suas necessidades e consomem a maior parcela de suas vidas no trabalho, em troca de um salário que não lhes assegura sequer o acesso à casa própria. No entanto, essa gente é incapaz de furtar um lápis do escritório, um tijolo da obra, uma ferramenta da fábrica. Sente-se honrada por não descer ao ralo que nivela bandidos de colarinho branco com os pés-de-chinelo. É gente feita daquela matéria-prima dos lixeiros de Vitória, que entregaram à polícia sacolas recheadas de dinheiro que assaltantes de banco haviam escondido numa caçamba.

Ensina a teu filho evitar a via preferencial dessa sociedade neoliberal que tenta nos incutir que ser consumidor é mais importante que ser cidadão, incensa quem esbanja fortuna e realça mais a estética que a ética. Convence-o de que a felicidade não resulta da soma de prazeres e a via espiritual é um tesouro guardado no fundo do coração – quem consegue abri-lo desfruta de alegrias inefáveis.

Saiba o teu filho que o Brasil é a terra de índios que não se curvaram ao jugo português e de Zumbi, de Angelim e Frei Caneca, de madre Joana Angélica e Anita Garibaldi, dom Helder Camara e Chico Mendes.

Ensina a teu filho que ele não precisa concordar com a desordem estabelecida e que será feliz ao unir-se àqueles que lutam por transformações sociais que tornem este país livre e justo. Então, ele transmitirá a teu neto o legado de tua sabedoria.
Ensina a teu filho a votar com consciência e jamais ter nojo de política, pois quem age assim é governado por quem não tem, e se a maioria o tiver será o fim da democracia. Que o teu voto e o dele sejam em prol da justiça social e dos direitos dos brasileiros imerecidamente tão pobres e excluídos, por razões políticas, dos dons da vida.

Ensina a teu filho que a uma pessoa bastam o pão, o vinho e um grande amor. Cultiva nele os desejos do espírito, a reverência pelos mais velhos, o cuidado da natureza, a proteção dos mais frágeis. .

Saiba o teu filho escutar o silêncio, reverenciar as expressões de vida e deixar-se amar por Deus que o habita.

Frei Betto é escritor, autor de "Alfabetto – autobiografia escolar" (Ática), entre
outros livros.

sábado, 15 de setembro de 2012

Saudade para sempre


Por Sérgio Andrade

Postado em 9 de Julho de 2012 no site: http://deaosergioandrade.com.br/

Em geral, as pessoas não admitem, porém há uma enorme dificuldade entre a maioria delas para refletir com profundidade acerca de temas importantes, tais como nossas perdas, nosso luto e nossa saudade. Em diversas ocasiões, isto só acontece quando somos confrontados com o inesperado: a partida de alguém. Entre tantos sentimentos, em condições como estas nada mais difícil que encarar do que a presença da saudade.

Para Pablo Neruda, poeta chileno, saudade “é solidão acompanhada, é quando o amor ainda não embora. Saudade é amar um passado que ainda não passou. É recusar um presente que nos machuca. É não ver o futuro que nos convida…Saudade é sentir que existe o que não existe mais…Só uma pessoa no mundo não deseja sentir saudade: aquela que nunca amou. E esse é o maior dos sofrimentos: não ter por quem sentir saudade, passar pela vida e não viver”.

Com atenção, percebemos que ao escrever para Timóteo, o apóstolo Paulo abordou este tema com seu jovem aprendiz. Ele afirmou que trazia consigo lembranças daquelas que foram exemplos e educadoras para o iniciante pastor: “Trazendo à memória a fé não fingida que em ti há, a qual habitou primeiro em tua avó Lóide, e em tua mãe Eunice, e estou certo de que também habita em ti.” (2 Tm 1.5).

Neste contexto, Paulo nos indica que a saudade se evidencia como algo relevante quando vem acompanhada pelos aprendizados que recebemos daqueles que partiram. Fé, cuidado, lealdade e consagração são palavras e princípios presentes que indicam o legado que nutre e concede razão à saudade.

Percebemos ainda, nestas relações, que a saudade tem importância quando é abençoadora para aqueles que nos cercam. Isto ocorre quando nossas lembranças extrapolam o sentimentalismo e o infantilismo para reverberar as certezas que permaneceram apesar dos anos passados. “Tu, pois, meu filho, fortifica-te na graça que há em Cristo Jesus. E o que de mim, entre muitas testemunhas, ouviste, confia-o a homens fiéis, que sejam idôneos para também ensinarem os outros.” (2 Tm 2.1-2).

Finalmente, reconheçamos que a saudade bem vivida nos impulsiona para frente, pois com ela celebramos a vida e o futuro. Quem somos hoje deve ser resultado desta trajetória que começa com o outro, passa por nós e será perpetuada por aqueles que virão (2 Tm 3.14-17).

sábado, 8 de setembro de 2012

A Arte da Comunhão


Por Ricardo Barbosa de Sousa

"Nessa arte precisamos oferecer o que temos de melhor".

Uma das reclamações mais freqüentes em nossas igrejas é a falta de amizades sinceras, amor verdadeiro, relacionamentos profundos. Podemos ter uma boa estrutura eclesiástica, boa doutrina, boa música, bons programas, mas nada disto é suficiente para atender a necessidade humana de ser amado, aceito, acolhido, reconhecido e valorizado. Por um tempo, os programas ajudam a preencher este vazio, a música parece criar um clima saudável, o trabalho e a participação nos programas dão a sensação de que é disto que precisamos, porém mais cedo do que imaginamos, nos vemos de novo frustrados com a superficialidade afetiva, a hipocrisia dos que nos cercam, a ausência de amizades sinceras e profundas.

A conversão é a transformação do “eu” solitário num “nós” comunitário. É o chamado para sermos amigos de Deus e dos nossos irmãos. As parábolas e imagens do reino glorioso de Cristo sempre envolvem mesas fartas, festas, multidão de todas as línguas, tribos, raças e nações; Paulo nos fala de uma nova família, um corpo; João nos fala de um rebanho e de uma cidade — essas imagens revelam que o reino de Deus é o lugar onde as pessoas se encontram na comunhão festiva com Cristo. Porém, para muitos, a igreja não tem sido este lugar; pelo contrário, tem sido um lugar de desilusão, frustração e solidão. Um lugar de mágoas, ressentimentos e traições. Sei que existem aqueles que se sentem acolhidos e amados em suas comunidades, mas esta não é a regra geral. No entanto, mesmo os que se sentem bem nem sempre experimentam uma verdadeira comunhão de amizade e amor.

Grande parte do fracasso na comunhão deve-se aos falsos ideais e às fantasias que projetamos. Para Bonhoeffer, a comunhão falha porque o cristão traz em sua bagagem “uma idéia bem definida de como deve ser a vida cristã em comum, e se empenhará por realizar esta idéia... Qualquer ideal humano introduzido na comunhão cristã perturba a comunhão autêntica e há que ser eliminada, para que a comunhão autêntica possa sobreviver”. Para ele, o ideal que cada um traz para a igreja acaba sendo maior que a própria comunhão e termina destruindo-a.

As imagens bíblicas de banquete, mesa farta cheia de amigos, nos ajudam a refletir melhor sobre o significado da comunhão e da amizade. Quem viu o filme ou leu o livro A Festa de Babette percebe isto. Babette chega a um vilarejo na Dinamarca fugida da guerra civil em Paris e emprega-se na casa de duas filhas de um rígido pastor luterano. As irmãs seguem à risca os rigores da sua fé pietista, que as proíbe de qualquer prazer na vida, sobretudo o material. Um dia, Babette descobre que ganhou um prêmio na loteria e, em vez de voltar para a França, onde havia sido uma exímia cozinheira em Paris, pede permissão para preparar um jantar em comemoração do centésimo aniversário do pastor. Sob o olhar suspeito das irmãs, Babette prepara o banquete. Durante o jantar, o sabor de cada prato, o aroma do vinho, o prazer de cada mordida, foi lentamente quebrando a frieza, demolindo as antigas mágoas e transformando aquela mesa num encontro de corações libertos. Quando terminou, uma das filhas, Philippa, assustada pelo fato de que Babette teria usado toda a fortuna da loteria naquele jantar, disse: “Não deveria ter gasto tudo o que tinha por nossa causa”. Depois de pensar um pouco, Babette respondeu: “Por sua causa?”, retrucou. “Não, foi por minha causa”. Depois disse: “Sou uma grande artista”. Após algum silêncio, Martine, a outra irmã, perguntou: “Então vai ser pobre o resto da vida, Babette”? Babette sorriu e disse: “Não, nunca vou ser pobre. Já lhes disse que sou uma grande artista. Uma grande artista nunca é pobre”.

Comunhão e amizade é o trabalho de artistas. A riqueza de um artista nasce de sua capacidade de oferecer o melhor. Ao oferecer o melhor que podia, Babette abençoou a si e aqueles que provaram do seu dom. Na arte da construção da comunhão e da amizade, precisamos oferecer o que temos de melhor, seja uma boa refeição ou uma boa música, uma boa conversa ou um lindo sorriso. Não foi isto que Cristo fez?

Fonte: Revista Ultimato

sábado, 1 de setembro de 2012

Água no deserto


Por Ronaldo Lidorio

O deserto é possivelmente uma das mais claras representações da ausência de vida e esperança. Beduínos e Tuaregues - povos do deserto - desenvolveram milenares técnicas de sobrevivência para resistirem à angustiante mistura de sol, calor e areia. Anos atrás, atravessei a parte ocidental do Saara e, apesar de estar acostumado com as temperaturas tropicais, nada me preparou para os 54 graus à sombra durante aquelas tardes. Lembro-me que o pensamento mais obsessivo e recorrente era simplesmente água, o elemento mais desejado em terras áridas.

Davi escreveu o Salmo 63 no deserto de Judá, enquanto fugia de Saul. Encontrava-se em um dos momentos mais constrangedores de sua vida. Além de estar no deserto, tomado pelo desconforto e temores natos ao ambiente, seu povo e rei o perseguiam.

Contrariando a natural tendência do descontentamento de coração perante as caminhadas desérticas, Davi revela, ali mesmo na areia, que a sua alma tinha “sede de Deus”. Este parece ter sido o pensamento mais paradoxal que passou pela mente do salmista: a sede de Deus era maior que a sede de água. A busca pela presença de Deus era mais forte que qualquer outra carência humana.

Quando em caminhadas solitárias e perseguidos pelos que antes eram mais chegados que irmãos, devemos nos conscientizar desta verdade transformadora: precisamos mais de Deus em nossas vidas do que água no deserto. C.S. Lewis nos diz que “o amor é o princípio da existência, e seu único fim”. Com isto nos incita a pensar que o amor não é apenas o meio, mas também o propósito final. Somos convidados, em toda a caminhada cristã, a andar de forma paradoxal em expressões de amor: perder a vida para ganhá-la; oferecer a outra face a quem nos fere; esperar contra a esperança; amar, e não odiar, os inimigos; perdoar, mesmo perante óbvias razões para a amargura; desejar mais a Deus do que a água, mesmo quando se vagueia, foragido, por entre terras mais secas.

É nessa caminhada que encontramos descanso verdadeiro. Davi não apenas fala da possibilidade de descanso em Deus, mas o experimenta. Os principais verbos nos versos 6 a 8 estão no presente. Davi se lembra, pensa e canta o descanso em Deus enquanto caminha - não apenas o planeja fazê-lo amanhã. Reconhecer que a presença de Deus é melhor que a vida parece ser o exercício mais transformador – de mente, coração e visão de mundo - que qualquer pessoa possa experimentar.

Somos amados por Deus e esse fato deveria definir a forma pela qual vemos a vida e o mundo ao nosso redor. Ser amado por Deus é entender que somos convidados a um relacionamento eterno, é perceber que estamos em lugar seguro e saber que não há nada melhor.


A construção desta canção do deserto revela a alma de Davi. No verso 1, ele expressa que tinha sede de Deus. Nos versos 2 a 5, ele louva a Deus pelo Seu amor que é melhor que sua própria existência. Nos versos 6 a 8, Davi descansa no Senhor e, finalmente, nos versos 9 a 11, ele declara sua confiança na vitória sobre os inimigos.

Encontro-me rotineiramente com pessoas as quais, à semelhança de Davi, experimentam a solidão do deserto, o constrangimento da fuga e a incerteza dos que não sabem para onde vão. A vida, nesses momentos, torna-se mais lenta, opaca e pesada. Porém, justamente em ocasiões assim, a presença de Deus nos convida a crer um pouco mais e nos encoraja a continuar caminhando. Em um relance olhamos para trás e percebemos que no passado o Senhor foi fiel, mesmo no dia mais escuro. Amanhã não será diferente. A presença de Deus sempre traz à memória o que pode nos dar esperança.
Lutero, citado por Mahaney em seu livro “Glory do Glory”, diz-nos que: “esta vida, portanto, não é justiça, mas crescimento em justiça. Não é saúde, mas cura. Não é ser, mas se tornar. Não é descansar, mas exercitar. Ainda não somos o que seremos, mas estamos crescendo nesta direção. O processo ainda não está terminado, mas vai prosseguindo. Não é o final, mas é a estrada. Todas as coisas ainda não brilham em glória, mas todas as coisas vão sendo purificadas”.

Que o Senhor se mostre presente em nossas vidas. Nestes dias o deserto se tornará lugar de alegria e descanso.

* Ronaldo Lindório é pastor e missionário presbiteriano – extraído do site Genizah

sábado, 25 de agosto de 2012

Pavio curto ou temperamento transformado?


Por Esther Carrenho

Publicado em 26 julho, 2011 (www.cristianismohoje.com.br)

No deserto, Moisés teve seu caráter forjado na solidão. Tornou-se um novo homem, manso e paciente.

Quando explodimos, o prejuízo e a destruição podem ser assustadores.

Todos nós conhecemos pessoas que são bondosas, corretas e calmas, mas que, quando menos se espera, apresentam comportamento explosivo e violento. Normalmente, nessas situações, quem está por perto é pego de surpresa – até porque, em geral, o fato motivador nem justifica a atitude. Em muitos casos, o indivíduo até se assusta com o próprio descontrole, não sabe explicar o motivo de ter agido assim e sente-se até culpada. Há diferenças de personalidade entre uma pessoa e outra, claro. Algumas são mais pacatas; outras, mais esquentadas, como se diz popularmente. Mas, mesmo para quem tem um temperamento mais dinâmico e ativo – e, portanto, mais suscetível a rompantes do gênero – existe a possibilidade de se desenvolver o equilíbrio, a fim de não ferir aos outros e nem a si mesmo desnecessariamente.

A psicologia pode nos ajudar muito quando o assunto é comportamento. Ninguém explode sem causa. A explosão é o resultado do excesso de pressão num tanque que já está cheio. O ditado popular “gota d’água que entorna o pote” faz todo sentido nessas ocasiões. Algumas pessoas podem anular suas iniciativas e viver apaticamente quando não encontram espaço para expressar seus sentimentos diante de situações de sofrimento. Mas, em outras pessoas, as sensações doloridas vão se acumulando, enchendo o tanque emocional. Uma vez ultrapassados os limites, qualquer fato ou comportamento que, de alguma forma, se assemelhe com vivências passadas, pode detonar o rompimento desse depósito, como se fosse rachadura na parede de uma represa. E, quando isso acontece, o prejuízo e a destruição podem ser assustadores.

Uma criança que sempre foi criticada e cresce humilhada, sem oportunidades de expressar sua vergonha ou raiva, pode, com o passar do tempo, apresentar um comportamento violento e explosivo – sobretudo, diante de situações que fazem aflorar suas lembranças de desconforto como se fatos passados tivessem ocorrido ontem.

Um bom exemplo bíblico de pavio curto é o de Moisés. Ele nasceu num contexto de muita injustiça social, política e racial. Foi vítima dessas injustiças, e só não acabou assassinado na infância, tendo o mesmo fim de muitos meninos hebreus, por providência divina. Desmamado, foi adotado pela filha do rei do Egito. Provavelmente por volta dos seis anos, o menino Moisés deixou sua casa de origem e foi morar no palácio de faraó. A partir dali, sua vida ganhou rumo totalmente diverso do se seu povo, então escravizado pelos egípcios.

Quando tinha 40 anos, Moisés resolveu ir ver como viviam os hebreus, seu povo. Assim que viu um feitor espancando um escravo judeu, o príncipe descontrolou-se e matou o egípcio. Foi uma reação incontrolável; a injustiça cometida deixou-o indignado. Vendo que o homicídio logo seria descoberto por todos, Moisés resolveu fugir da corte egípcia. Dali, seguiu para o deserto, onde seu caráter foi forjado na solidão, em companhia apenas dos animais que pastoreava. Tornou-se um novo homem, manso e paciente.

O apóstolo Paulo, em sua carta aos crentes de Éfeso, alerta que não devemos deixar que a raiva seja acumulada dentro de nós. Ele nos convida a lidar com iras e ressentimentos antes do por do sol. Porém, o que acontece é que muitos deixam não apenas o sol se por sobre nossos agravos, mas muitos dias, semanas e até anos. Para estes, o caminho pode ser o mesmo de Moisés: voltar na história de vida para identificar possíveis danos sofridos no passado, mas que permanecem vivos lá no fundo, prontos para aflorar e incitar violência e destruição. Dores a mágoas disfarçadas numa história de vida não desaparecem e podem explodir quando menos se espera no momento errado, do jeito inadequado e, muitas vezes, prejudicando inocentes.

Se realmente fomos magoados ou feridos, não adianta negar o sentimento; é preciso identificar e sofrer o dano da ofensa para reconhecer que alguém falhou conosco e há uma divida. Contudo, se o perdão foi concedido, não há mais saldo devedor para o ofensor. Uma criança não dispõe de recursos emocionais e muito menos intelectuais para reagir e lidar de forma adequada diante das ofensas e injustiças cometidas pelos mais fortes. Mas, quando alcançamos a maioridade, podemos rever nossas origens, a fim de trazer à memória os sentimentos da criança ferida que porventura há em nós. Através desse acolhimento, por vezes doloroso, integraremos o que se passou ao presente, proporcionando cura. É um caminho para lidarmos com os fatos do nosso cotidiano, com coragem e mansidão.

Esther Carrenho

sábado, 18 de agosto de 2012

Esses cristãos reflexivos


Por Brian McLaren

“Os heróis da história da Igreja começaram justamente como crentes questionadores, que duvidaram daquilo que todos consideravam ser o óbvio.”

A diferença sempre foi vista com curiosidade ou estranheza. A cor de sua pele, por exemplo, pode tornar você um estranho em alguns cenários. Já seu poder aquisitivo ou sua educação têm a capacidade de fazer com que se destaque em determinados ambientes. Até mesmo seu estilo de adoração, a linha teológica que você adota ou sua preferência por algum partido político podem colocá-lo à margem – ou para além dela – em certos casos. A verdade é que ser, pensar, olhar ou agir de modo diferente da maioria pode empurrar determinado indivíduo para fora dos círculos sociais e religiosos.

Fato é que, nas nossas igrejas, sempre há uma pessoa, ou um grupo, que na maioria das vezes se sente diferente da maioria – e gente assim quase sempre é marginalizada. Dan Taylor, em The Myth of Certainty [O mito da certeza], chama essas pessoas de “cristãos reflexivos”. Os menos solidários classificam-nas como questionadoras da fé; e, muitas vezes, suas atitudes de inconformismo fazem com que se tornem desrespeitados em suas comunidades.

Como quase todos os protestantes sabem, no século 16 a Igreja Católica Apostólica Romana estava empolgada acerca da emissão das famigeradas indulgências. Elas eram alardeadas pelo clero como maneiras de reduzir o tempo das pessoas no purgatório através da doação de dinheiro ou bens à Igreja. Mas apesar da generalização de tal prática, muitas pessoas não se contiveram e questionaram o programa de indulgência proposto pelas autoridades eclesiásticas. Elas duvidaram do que a instituição sustentava com tamanha convicção, simplesmente porque aquilo não fazia sentido para esses cristãos questionadores. Se permanecessem em silêncio, iriam se sentir desonestos e frustrados; contudo, se levantassem suas questões, seriam vistos com desconfiança. Alguns desses questionadores, como Martinho Lutero se manifestaram e descobriram que cristãos reflexivos, já àquela altura, não tinham futuro na Igreja.

Aproximadamente cem anos mais tarde, Galileu Galilei olhou através de um telescópio certa noite e viu luas posicionadas como bailarinas em órbita de Júpiter. Logo percebeu que a Igreja estava errada ao sustentar a visão de mundo tradicional, geocêntrica, que havia herdado de Aristóteles e Ptolomeu. Infelizmente, quando passou a questionar abertamente a corrente majoritária, ele descobriu aquilo que Martinho Lutero já sentira na pele: cristãos reflexivos não eram bem-vindos à Igreja.

Uma história semelhante poderia ser contada acerca do célebre evangelista John Wesley, que duvidava daquilo que todos sabiam: que atividades sagradas, como a pregação, precisavam ser desenvolvidas em espaços sagrados, como púlpitos. Por discordar disso, ele foi à porta das minas de carvão do Reino Unido anunciar a salvação em Jesus a trabalhadores que não freqüentavam os templos. Poderíamos falar ainda de crentes reflexivos como Phineas Bresee, fundador dos Nazarenos, que duvidou que pessoas pobres devessem ser evitadas por cristãos honrados. E o que dizer de Menno Simons, o líder dos anabatistas, que discordava da voz corrente de que cristãos deveriam matar outros cristãos em nome de Cristo?

Questionadores contemporâneos, como o pastor Martin Luther King Jr e o bispo Desmond Tutu, duvidaram que a raça fosse um fator de comunhão, e enfrentaram forte oposição por isso. Já líderes como Bill Hybels ou Rick Warren, com suas propostas de uma nova eclesiologia, ou talvez você, com suas idéias ainda não devidamente expostas, também tendem a provocar certo desconforto devido a suas posturas... Os heróis que estudamos na história da Igreja começaram como cristãos reflexivos que duvidaram daquilo que todos consideravam ser o óbvio. Como conseqüência foram, em quase todos os casos, marginalizados. Quando comunidades habitualmente marginalizam ou excluem seus membros mais reflexivos – aqueles que fazem perguntas difíceis sobre coisas que são completamente basilares para a maioria –, é claro que os que são estigmatizados acabam feridos.

A comunidade que exclui, no entanto, também é ferida, porque ao agir assim corta da própria pele recursos de crescimento e de renovação. Além disso, constrói resistências exatamente para aquilo que em breve será necessário, o que deixa no ar uma pergunta urgente: quem são os cristãos reflexivos, que talvez sintam que já estão com a camada de gelo bem fina nas margens, ou seja, prestes a serem marginalizados por completo? E o que seria necessário para dizer-lhes que eles são queridos, necessários e respeitados, que a sua diferença não é um problema a ser resolvido por meio da pressão para que se amoldem, mas que sua atitude questionadora é um recurso?

Aqui vai uma sugestão: que esses cristãos reflexivos sejam ouvidos! Tentemos entender suas perguntas, frustrações e novas idéias, mesmo que não concordemos com suas inquietações. Sejamos atenciosos, dando-lhes espaço para serem quem são, mesmo se pensam diferente da maioria. Às vezes, talvez seja preciso se posicionar entre eles e seus críticos mais contundentes a fim de defendê-los das forças que mantêm as fronteiras e promovem a exclusão. Um coração bondoso e um ouvido disposto a escutar podem manter os cristãos reflexivos dentro da comunidade – e, se a renovação vier das margens, como quase sempre parece ser o caso, então, ao amputarmos essas nossas margens, fazemos aquilo que os chefes dos sacerdotes e escribas fizeram quando uma voz necessária apareceu às margens de sua comunidade. Será que estamos escutando seu clamor?

(Tradução: Jorge Camargo)

Brian McLaren fundou e foi por muitos anos pastor da Cedar Ridge Community Church, nos arredores de Washington D.C. (EUA). É palestrante e autor de vários livros, dentre eles A mensagem secreta de Jesus e Uma ortodoxia generosa.
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domingo, 12 de agosto de 2012

OS PAIS AMAM


Por Sylvio Macri (http://prazerdapalavra.com.br/)

Ultimamente temos recebido notícias ruins sobre pais que maltratam seus filhos e até de uns que chegam a matá-los. De outros, temos sabido que induzem seus filhos ao uso de drogas ou deles abusam sexualmente. Porém, isto não quebra nossa confiança nos pais, pois sabemos que essas notícias são uma exceção. A imensa maioria dos pais ama os filhos e jamais faz mal a eles.

Os pais amam seus filhos porque cuidam deles. Diariamente se lançam numa verdadeira batalha para trabalhar e trazer para casa os recursos necessários para abrigar, alimentar, vestir, calçar, pagar as despesas com educação, saúde, lazer; e ainda com os presentes de aniversário, de Natal, etc. Filhos agradecidos reconhecem a luta de seus pais para sustentá-los.

Os pais amam seus filhos porque os ensinam a viver. Este é um tipo de ensino que não está disponível na escola. Ao longo da sua caminhada os pais tiveram vitórias e derrotas, sucessos e fracassos, e procuram passar a seus filhos as lições que tiraram dessas experiências. Filhos sábios percebem quanta sabedoria há nesses ensinos e os aproveitam.

Os pais amam seus filhos porque os disciplinam. Eles sabem que é necessário corrigir, orientar e punir, quando necessário, os filhos, pois infelizmente a natureza humana é propensa ao erro e as oportunidades para fazer o mal parecem se multiplicar a cada dia. E pais que amam de verdade, desejam ver seus filhos no caminho do bem. Os bons filhos reconhecem que seus pais têm o direito de discipliná-los e aceitam a disciplina.

Os pais amam seus filhos porque os perdoam. E na maioria das vezes perdoam de antemão, antes mesmo que seus filhos reconheçam seus erros e se desculpem. Uma das grandezas da paternidade é saber relevar, saber desculpar, saber entender e ajudar os filhos a consertar o que está errado ou aquilo em que falta sabedoria. Filhos humildes e conscientes reconhecem a compreensão e a paciência dos pais, e evitam abusar deles.

A Palavra de Deus ordena: “Honra teu pai e tua mãe - este é o primeiro mandamento com promessa - para que tudo te corra bem e tenhas longa vida sobre a terra.” (Ef.6:2,3). Honrar o pai é reconhecer o quanto ele tem lutado, é valorizar seu ensino e seu exemplo, é deixar-se aperfeiçoar por sua disciplina, é ser grato pela sua paciência. Mas é, também, agradecer a Deus por sua vida, e prestar-lhe a homenagem devida enquanto ele pode ouvi-la e presenciá-la.

Pr. Sylvio Macri

sábado, 4 de agosto de 2012

Contentamento


Ricardo Gondim

De que mais carece um homem senão de um olhar que não o condene, principalmente no momento tenebroso em que se sente arqueado de culpa? E que lhe devolva a sensação de saber-se acolhido por pura gratuidade, sem pedir explicações; deixando-o pleno de paz, sem cobrar nada.

De que mais carece um homem senão de um ombro que se ofereça para dividir a carga, de um parceiro que não considere a ajuda um sacrifício? E que ao caminhar ao lado desse amigo, possa dizer que sua companhia é mais valiosa que uma jazida de ouro. De que mais carece um homem senão de um irmão que lhe estenda a mão no corredor escuro, quando as opções se mostrarem arriscadas? Basta que ele diga: “Vamos tentar acertar uma dessas portas, não importa o quanto errarmos”, e desaparecerá o medo dos labirintos, das armadilhas, das setas malignas.

De que mais carece um homem senão de um ouvido para desabafar? Ele se sentirá feliz em encontrar o confidente que não precisa responder, mas, calado, quer esquecer. Sim, um amigo com amnésia para nunca alegar inconveniências antigas; não cobrar o porquê das insensibilidades despercebidas; um teimoso que deseja continuar ao lado, mesmo quando não for chamado.

De que mais carece um homem senão de poesia para fazê-lo vivenciar a linguagem criadora do universo? Somente o poema lhe fará vagar pelos sentimentos indizíveis do artista e sofrer com a angústia do profeta. Só a beleza da palavra é pão; só o verbo, carne; só o verso, um copo d’água.

De que mais carece um homem senão de música para embalar seus sonhos, descansar seu corpo fatigado e devolver graça para suas pernas trôpegas? Com melodia, ninguém perde leveza para acabar insensato. Cantar torna as pessoas íntimas, nunca distantes; graves, nunca pessimistas. De que mais carece um homem senão de colo para deitar-se e sentir-se amado?

Todos carregam uma enorme nostalgia do aconchego uterino, todos desejam retornar ao ninho primordial para poder orar a Deus que também é mãe. “Que meus olhos sejam tão mansos para com os outros como os teus são para comigo. Porque, se for feroz, não poderei acolher a tua bondade. Ajuda-me para que não seja enganado pelos maus desejos. E livra-me daqueles que carregam a morte nos próprios olhos” (Rubem Alves).

De que mais carece um homem senão de uma noite insone para virar-se ao avesso e dialogar com suas sombras sem horrorizar-se? Nessas inquietações, sem relaxar, é possível identificar dores que precisam de cura. Nos conflitos internos, aprende-se a apalpar a asa ferida e evita-se o vôo precipitado, antes que a madrugada chegue com suas réstias de esperança.

De que mais carece um homem senão de dormir profundamente e sonhar? E nessa experiência que prenuncia a morte, atravessar o deserto do silêncio até aprender a amá-lo; no descanso profundo e total, dialogar com a eternidade, vaga e misteriosa, até perder o medo da solidão e encontrar Deus. De que mais carece um homem senão de espelhos que reflitam seu olhar sereno mesmo quando enfrenta a mais terrível tribulação? E, mirando-se, não esquecer que, sobretudo, deve manter guarda constante de si mesmo para continuar solidário, misericordioso e amigo da justiça. De que mais carece um homem senão de um Salvador que se pareça com um cordeiro, não com um leão? E que seu Senhor lhe inspire a voltar o coração para os sofredores, a identificar-se com a sorte das ovelhas, não dos lobos; dos condenados, não dos carrascos.

De que mais carece um homem senão de paixão para acordar pleno de entusiasmo a cada manhã? E revestido de ideais, transformar-se em um hino que confronta os egoístas, fazendo da sua teimosia um sino que convoca o medíocre a abandonar seu discurso raso e irrelevante.

De que mais carece um homem senão de uma esperança que lhe desafie como o horizonte de um vasto oceano? E que ela esteja para além da história, para além do tempo, para além da vida; e semelhante a um veleiro, não busque achar um porto, preferindo a aventura de navegar ao sabor do vento indomável. Soli Deo Gloria.

terça-feira, 31 de julho de 2012

Entre palavras ditas e palavras ouvidas


P

or Ricardo Agreste

Postado em 26/06/2012 (www.cristianismohoje.com.br)

Quando pronunciamos palavras, temos sempre a opção entre sermos fonte de boas coisas ou de coisas ruins para aqueles que nos cercam.

Nossas vidas são construídas pelas opções que fazemos nas inúmeras bifurcações com as quais nos deparamos ao longo da jornada. Optamos por fazer determinado curso universitário e não um outro, por exemplo. Consequentemente, desenvolvemos amizades com certas pessoas, e não com outras, e frequentamos determinados lugares em detrimento de outros. Depois de formados, aquela rede de relacionamentos que formamos podem nos levar a trabalhar em determinadas empresas, e não em outras.

Mas nossas vidas não são construídas apenas pelas opções que fazemos. As palavras que ouvimos também entram nesse processo. Palavras influenciam grandemente nossas escolhas ao longo do caminho, e o que ouvimos ecoam dentro de cada um de nós. Palavras têm o poder de nos mover aos lugares mais altos da vida; podem, por outro lado, nos levar a situações de tristeza, escuridão e crise. Assim, uma conversa com o filho pode determinar seu sucesso futuro; um elogio recebido do chefe pode mudar a disposição e o futuro da carreira de um profissional; e um conselho de amigo pode resultar na restauração de um casamento.

Palavras de carinho da mulher para seu marido podem mudar seu ânimo diante da adversidade. E até mesmo um frase despretensiosa, dirigida a uma pessoa numa roda de amigos, pode fazer grande diferença àquele que a recebe. Porém, palavras podem ter efeitos negativos. Uma crítica feita em momento inapropriado pode levar ao abandono de uma vocação; uma difamação pode levar à destruição de uma carreira ou de uma família; comentários levianos podem semear intrigas e sabotar amizades desenvolvidas ao longo de anos. Por isso, precisamos reconhecer que palavras têm grande poder – tanto para gerar as coisas mais positivas como as mais negativas numa pessoa.
Quando pronunciamos palavras, temos sempre a opção entre sermos fonte de boas coisas ou de coisas ruins para aqueles que nos cercam. E tais efeitos podem determinar escolhas definitivas na vida daqueles que ouvem. Certas vezes, não nos encontramos na posição daqueles que proferem as palavras, mas sim, na daqueles que as escutam.
Queiramos ou não, somos constantemente alvo das palavras alheias, e não temos qualquer controle sobre elas, muito menos sobre o conteúdo do que dizem a nós ou sobre nós. Palavras, simplesmente, vêm ao nosso encontro, alcançam nossas mentes e corações, gerando efeitos positivos ou negativos em nossos sentimentos e opções ao longo da vida.

Certo amigo de muitos anos é um especialista em gerar coisas boas através de suas palavras. Ele teve importante participação em meus primeiros anos como pastor de uma comunidade local. Com suas palavras, ele sempre encontrava uma forma de fortalecer minha confiança e valorizar a forma como atuava. Mas, paralelamente aos elogios, não me poupava das criticas necessárias. Pelo contrário – sempre dizia, com muita franqueza e assertividade, o que considerava errado em minhas atitudes, além de pontuar meus erros com clareza. A maneira como ele usava as palavras fez de mim uma pessoa melhor.

Recentemente, contudo, vivi situação oposta. Alguém proferiu palavras que me levaram a uma tristeza tão grande que cogitei a possibilidade de abandonar todo um ministério de 25 anos. Por quê? Porque aquelas palavras desvalorizavam tudo o que tenho feito. Não foi uma crítica construtiva, pois nem mesmo a mim as palavras foram dirigidas: tratava-se de um conjunto de leviandades e questionamentos sem qualquer amor, com propósito maior de intimidar, ferir, destruir – e por muito pouco tal propósito não foi alcançado.

Mas a sabedoria cristã aponta noutra direção. Através de Tiago, as Escrituras nos aconselham a sermos prontos para ouvir, tardios para falar e mais tardios ainda para nos irar, pois nossa ira não traz à tona a justiça de Deus, conforme Tiago 1.19. Logo, precisamos submeter as palavras que ouvimos à justiça de Deus. Isso significa que a última palavra acerca de quem somos ou fazemos vem do Senhor. Ele deve ser a maior fonte de influência em nossas escolhas.

Diante do grande poder das palavras, que tal resgatar o silêncio em nossas vidas? A quietude nos ajuda a discernir as palavras que devem ser ditas, que produzirão o bem para os outros, e palavras que não merecem ser proferidas. Mas o silêncio também nos ajuda a ouvir a voz daquele que é justo e verdadeiro, mostrando-nos claramente o que devemos acolher e o que devemos simplesmente dissipar de tudo quanto ouvimos.

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