sábado, 6 de outubro de 2012

O Sofrimento Não é Uma Punição de um Deus Cruel


Por Harold S. Kushner

Publicado em www.shalom.org.br

Eu acredito em Deus. Mas eu não acredito nas mesmas coisas sobre Ele nas quais acreditava anos atrás, enquanto crescia, ou quando fui um estudante de teologia. Reconheço Suas limitações. Ele é limitado no alcance de Suas ações pelas leis da natureza e pela evolução da natureza humana e liberdade moral humana.

Eu não mais responsabilizo Deus pelas doenças, acidentes e desastres naturais, porque eu percebo que perco muito e ganho pouco quando culpo Deus por essas coisas. Eu consigo reverenciar mais facilmente um Deus que odeia o sofrimento mas não pode eliminá-lo do que um Deus que escolhe fazer crianças sofrerem e morrerem, seja qual for o motivo superior.

Há alguns anos, quando a teologia da “morte de Deus” estava na moda, lembro ter visto um adesivo onde se lia “Meu Deus não está morto, sinto muito pelo seu.” Acho que em meu adesivo se leria “Meu Deus não é cruel, sinto muito pelo seu.”

Deus não causa nossos infortúnios. Alguns deles são causados por má sorte, alguns são causados por pessoas más, e alguns simplesmente são uma conseqüência inevitável de sermos humanos e mortais, vivendo em um mundo de leis naturais inexoráveis.

As coisas dolorosas que nos acontecem não são castigos por nosso mau comportamento, nem são, de algum modo, parte de algum grande projeto de Deus. Porque a tragédia não é vontade de Deus, não precisamos nos sentir chateados com Deus e nem traídos por Ele, quando a tragédia nos atinge. Podemos nos dirigir a Ele para que nos ajude a superá-la, exatamente porque podemos nos convencer que Ele se sente tão ultrajado por ela quanto nós.

Uma Noção de Significância Torna a Dor Mais Suportável

“Isso quer dizer que minha dor não tem sentido?” Este é o desafio mais expressivo que pode ser suscitado pelo ponto de vista que tenho defendido neste livro. Poderíamos suportar quase qualquer dor se soubéssemos que existe um motivo atrás disso, um propósito para a mesma. Mas mesmo um fardo mais leve se torna demais se sentirmos que não faz sentido.

Em um hospital de veteranos, os pacientes que foram seriamente feridos em combate têm uma maior facilidade para se adaptarem aos seus ferimentos do que pacientes com exatamente o mesmo ferimento, mas que tenha sido causado seja quando se divertiam numa quadra de futebol ou numa piscina, porque os primeiros podem acreditar que seu sofrimento, pelo menos, foi por uma boa causa. Pais que tenham se convencido de que existe algum propósito que será atingido pela limitação de seus filhos, podem aceitar o problema mais facilmente pelo mesmo motivo.

Vocês se lembram da história bíblica sobre Moisés, no capítulo 32 do Êxodo, como ele atirou as tábuas dos Dez Mandamentos quebrando-as, quando desceu do Monte Sinai e viu os Israelitas venerando o bezerro de ouro?

Existe uma lenda judaica que nos conta que, enquanto Moisés descia a montanha com as tábuas de pedra nas quais Deus havia escrito os Dez Mandamentos, ele não teve problemas para carregá-las, embora fossem placas de pedra largas e espessas, e a descida era íngreme. Afinal, apesar de serem pesadas, tinham sido inscritas por Deus e eram preciosas para Moisés. Mas quando Moisés encontrou o povo dançando em volta do bezerro de ouro, a lenda diz, as palavras desapareceram das tábuas. Elas se tornaram, novamente, apenas pedras negras. E, então, se tornaram pesadas demais para que ele as segurasse.

Poderíamos suportar qualquer fardo se soubéssemos que existe um sentido no que fazemos. Terei eu tornado mais difícil para as pessoas aceitarem suas doenças, seus infortúnios, suas tragédias familiares, aos lhes dizer que estas não são coisas enviadas por Deus, como parte de um plano mestre Dele?

Permitam que eu sugira que as coisas ruins que acontecem em nossas vidas não têm sentido quando nos acontecem. Elas não acontecem por algum bom motivo que nos faria aceitá-las de bom grado. Mas nós podemos dar a elas um significado. Podemos redimir nossas tragédias da insensatez ao conferir um significado às mesmas.

Olhar Para o Futuro Redime Nossas Tragédias

A pergunta que deveríamos estar formulando não é: “Por que isso aconteceu comigo, o que eu fiz para merecer isso?” Esta é, na verdade, uma pergunta irrespondível, inútil. Uma pergunta melhor seria: “Agora que isso aconteceu comigo, o que eu vou fazer a respeito?”

Martin Gray, um sobrevivente do Gueto de Varsóvia e do Holocausto, escreveu um livro sobre sua vida chamado For Those I Loved (Para Aqueles que Eu Amei). Ele conta como, depois do Holocausto, reconstruiu sua vida, se tornou um homem de sucesso, se casou e criou uma família. A vida parecia boa depois dos horrores do campo de concentração.

Então, um certo dia, sua mulher e filhos foram mortos quando um incêndio florestal destruiu sua casa, no sul da França. Gray ficou destroçado, à beira da loucura, com mais esta tragédia. As pessoas lhe encorajavam a exigir um inquérito para determinar as causas da tragédia. Mas, ao invés disso, ele optou por dedicar seus recursos para um movimento de proteção à natureza contra incêndios futuros. Ele explicou que um inquérito, uma investigação, se concentraria no passado e em questões de dor e tristeza e culpa. Ele queria se concentrar no futuro.

Um inquérito o colocaria contra outras pessoas – “será que alguém foi negligente? De quem é a culpa?” - e ficar contra outras pessoas, se dedicar a encontrar um vilão, apenas deixa uma pessoa solitária mais solitária ainda. A vida, ele concluiu, tem que ser vivida para alguma coisa, e não contra alguma coisa.

Nós também precisamos superar as questões que se concentram no passado e na dor --“por que isso aconteceu comigo?”—e, ao invés disso, precisamos fazer a pergunta que nos abre as portas do futuro: “Agora que isso aconteceu comigo, o que eu vou fazer a respeito?”

Rabi Harold S. Kushner é rabino pertencente ao Templo Israel em Natick, Massachusetts. Ele é autor de vários livros, incluindo Living a Life that Matters (Vivendo uma vida significativa).

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