sábado, 25 de agosto de 2012

Pavio curto ou temperamento transformado?


Por Esther Carrenho

Publicado em 26 julho, 2011 (www.cristianismohoje.com.br)

No deserto, Moisés teve seu caráter forjado na solidão. Tornou-se um novo homem, manso e paciente.

Quando explodimos, o prejuízo e a destruição podem ser assustadores.

Todos nós conhecemos pessoas que são bondosas, corretas e calmas, mas que, quando menos se espera, apresentam comportamento explosivo e violento. Normalmente, nessas situações, quem está por perto é pego de surpresa – até porque, em geral, o fato motivador nem justifica a atitude. Em muitos casos, o indivíduo até se assusta com o próprio descontrole, não sabe explicar o motivo de ter agido assim e sente-se até culpada. Há diferenças de personalidade entre uma pessoa e outra, claro. Algumas são mais pacatas; outras, mais esquentadas, como se diz popularmente. Mas, mesmo para quem tem um temperamento mais dinâmico e ativo – e, portanto, mais suscetível a rompantes do gênero – existe a possibilidade de se desenvolver o equilíbrio, a fim de não ferir aos outros e nem a si mesmo desnecessariamente.

A psicologia pode nos ajudar muito quando o assunto é comportamento. Ninguém explode sem causa. A explosão é o resultado do excesso de pressão num tanque que já está cheio. O ditado popular “gota d’água que entorna o pote” faz todo sentido nessas ocasiões. Algumas pessoas podem anular suas iniciativas e viver apaticamente quando não encontram espaço para expressar seus sentimentos diante de situações de sofrimento. Mas, em outras pessoas, as sensações doloridas vão se acumulando, enchendo o tanque emocional. Uma vez ultrapassados os limites, qualquer fato ou comportamento que, de alguma forma, se assemelhe com vivências passadas, pode detonar o rompimento desse depósito, como se fosse rachadura na parede de uma represa. E, quando isso acontece, o prejuízo e a destruição podem ser assustadores.

Uma criança que sempre foi criticada e cresce humilhada, sem oportunidades de expressar sua vergonha ou raiva, pode, com o passar do tempo, apresentar um comportamento violento e explosivo – sobretudo, diante de situações que fazem aflorar suas lembranças de desconforto como se fatos passados tivessem ocorrido ontem.

Um bom exemplo bíblico de pavio curto é o de Moisés. Ele nasceu num contexto de muita injustiça social, política e racial. Foi vítima dessas injustiças, e só não acabou assassinado na infância, tendo o mesmo fim de muitos meninos hebreus, por providência divina. Desmamado, foi adotado pela filha do rei do Egito. Provavelmente por volta dos seis anos, o menino Moisés deixou sua casa de origem e foi morar no palácio de faraó. A partir dali, sua vida ganhou rumo totalmente diverso do se seu povo, então escravizado pelos egípcios.

Quando tinha 40 anos, Moisés resolveu ir ver como viviam os hebreus, seu povo. Assim que viu um feitor espancando um escravo judeu, o príncipe descontrolou-se e matou o egípcio. Foi uma reação incontrolável; a injustiça cometida deixou-o indignado. Vendo que o homicídio logo seria descoberto por todos, Moisés resolveu fugir da corte egípcia. Dali, seguiu para o deserto, onde seu caráter foi forjado na solidão, em companhia apenas dos animais que pastoreava. Tornou-se um novo homem, manso e paciente.

O apóstolo Paulo, em sua carta aos crentes de Éfeso, alerta que não devemos deixar que a raiva seja acumulada dentro de nós. Ele nos convida a lidar com iras e ressentimentos antes do por do sol. Porém, o que acontece é que muitos deixam não apenas o sol se por sobre nossos agravos, mas muitos dias, semanas e até anos. Para estes, o caminho pode ser o mesmo de Moisés: voltar na história de vida para identificar possíveis danos sofridos no passado, mas que permanecem vivos lá no fundo, prontos para aflorar e incitar violência e destruição. Dores a mágoas disfarçadas numa história de vida não desaparecem e podem explodir quando menos se espera no momento errado, do jeito inadequado e, muitas vezes, prejudicando inocentes.

Se realmente fomos magoados ou feridos, não adianta negar o sentimento; é preciso identificar e sofrer o dano da ofensa para reconhecer que alguém falhou conosco e há uma divida. Contudo, se o perdão foi concedido, não há mais saldo devedor para o ofensor. Uma criança não dispõe de recursos emocionais e muito menos intelectuais para reagir e lidar de forma adequada diante das ofensas e injustiças cometidas pelos mais fortes. Mas, quando alcançamos a maioridade, podemos rever nossas origens, a fim de trazer à memória os sentimentos da criança ferida que porventura há em nós. Através desse acolhimento, por vezes doloroso, integraremos o que se passou ao presente, proporcionando cura. É um caminho para lidarmos com os fatos do nosso cotidiano, com coragem e mansidão.

Esther Carrenho

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