Caros amigos e amigas, este blog é um meio que encontrei de compartilhar artigos, textos, reflexões bíblicas sobre a vida e os desafios de se por em prática aquilo que cremos. Boa leitura!
sábado, 4 de agosto de 2012
Contentamento
Ricardo Gondim
De que mais carece um homem senão de um olhar que não o condene, principalmente no momento tenebroso em que se sente arqueado de culpa? E que lhe devolva a sensação de saber-se acolhido por pura gratuidade, sem pedir explicações; deixando-o pleno de paz, sem cobrar nada.
De que mais carece um homem senão de um ombro que se ofereça para dividir a carga, de um parceiro que não considere a ajuda um sacrifício? E que ao caminhar ao lado desse amigo, possa dizer que sua companhia é mais valiosa que uma jazida de ouro. De que mais carece um homem senão de um irmão que lhe estenda a mão no corredor escuro, quando as opções se mostrarem arriscadas? Basta que ele diga: “Vamos tentar acertar uma dessas portas, não importa o quanto errarmos”, e desaparecerá o medo dos labirintos, das armadilhas, das setas malignas.
De que mais carece um homem senão de um ouvido para desabafar? Ele se sentirá feliz em encontrar o confidente que não precisa responder, mas, calado, quer esquecer. Sim, um amigo com amnésia para nunca alegar inconveniências antigas; não cobrar o porquê das insensibilidades despercebidas; um teimoso que deseja continuar ao lado, mesmo quando não for chamado.
De que mais carece um homem senão de poesia para fazê-lo vivenciar a linguagem criadora do universo? Somente o poema lhe fará vagar pelos sentimentos indizíveis do artista e sofrer com a angústia do profeta. Só a beleza da palavra é pão; só o verbo, carne; só o verso, um copo d’água.
De que mais carece um homem senão de música para embalar seus sonhos, descansar seu corpo fatigado e devolver graça para suas pernas trôpegas? Com melodia, ninguém perde leveza para acabar insensato. Cantar torna as pessoas íntimas, nunca distantes; graves, nunca pessimistas. De que mais carece um homem senão de colo para deitar-se e sentir-se amado?
Todos carregam uma enorme nostalgia do aconchego uterino, todos desejam retornar ao ninho primordial para poder orar a Deus que também é mãe. “Que meus olhos sejam tão mansos para com os outros como os teus são para comigo. Porque, se for feroz, não poderei acolher a tua bondade. Ajuda-me para que não seja enganado pelos maus desejos. E livra-me daqueles que carregam a morte nos próprios olhos” (Rubem Alves).
De que mais carece um homem senão de uma noite insone para virar-se ao avesso e dialogar com suas sombras sem horrorizar-se? Nessas inquietações, sem relaxar, é possível identificar dores que precisam de cura. Nos conflitos internos, aprende-se a apalpar a asa ferida e evita-se o vôo precipitado, antes que a madrugada chegue com suas réstias de esperança.
De que mais carece um homem senão de dormir profundamente e sonhar? E nessa experiência que prenuncia a morte, atravessar o deserto do silêncio até aprender a amá-lo; no descanso profundo e total, dialogar com a eternidade, vaga e misteriosa, até perder o medo da solidão e encontrar Deus. De que mais carece um homem senão de espelhos que reflitam seu olhar sereno mesmo quando enfrenta a mais terrível tribulação? E, mirando-se, não esquecer que, sobretudo, deve manter guarda constante de si mesmo para continuar solidário, misericordioso e amigo da justiça. De que mais carece um homem senão de um Salvador que se pareça com um cordeiro, não com um leão? E que seu Senhor lhe inspire a voltar o coração para os sofredores, a identificar-se com a sorte das ovelhas, não dos lobos; dos condenados, não dos carrascos.
De que mais carece um homem senão de paixão para acordar pleno de entusiasmo a cada manhã? E revestido de ideais, transformar-se em um hino que confronta os egoístas, fazendo da sua teimosia um sino que convoca o medíocre a abandonar seu discurso raso e irrelevante.
De que mais carece um homem senão de uma esperança que lhe desafie como o horizonte de um vasto oceano? E que ela esteja para além da história, para além do tempo, para além da vida; e semelhante a um veleiro, não busque achar um porto, preferindo a aventura de navegar ao sabor do vento indomável. Soli Deo Gloria.
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