Caros amigos e amigas, este blog é um meio que encontrei de compartilhar artigos, textos, reflexões bíblicas sobre a vida e os desafios de se por em prática aquilo que cremos. Boa leitura!
sábado, 31 de dezembro de 2011
Os alegres caminhos de Deus nos sofridos descaminhos da vida
Por Lissânder Dias
Ou o que aprendi sobre o tempo em um albergue municipal
Roda de cadeiras, todos sentados. Não mais que dez; no fundo a pequena plantação de alface. Boas vindas, abraços, saudações. Fim de ano, desejo de parar e pensar no tempo. “Falei com meu filho por telefone”, diz Fida, a mais baixinha, com mania de piscar o olho direito. João agradece por ter sido acolhido pela assistente social e encaminhado ao albergue. Animado, gosta de falar frases de encorajamento. Custódio é simples de raciocínio, mas ninguém duvida de que o que ele deseja é correto e justo. “Que Deus ilumine os caminhos de todos”. Cíntia, bondosa, parece que nesta altura da vida deseja a paz mais que tudo. Cansou de discórdia. Vem de Fão as respostas mais inteligentes, mas cabe a ele também os comentários mais bobos, às vezes de escárnio.
Longe de elucubrações filosóficas sobre o tempo, ao olharem para o ano que finda, há um misto de incompreensão e de descoberta. Eles incompreendem uma linha do começo ao fim que possa ligar os fatos e dar (pelo menos) um pouco de sentido à vida. Mas sabem reconhecer muito bem acontecimentos e circunstâncias especiais, que lhes afetaram diretamente – mais para o bem do que para o mal.
E agora que miram seus olhos para o ano que chega, são esperançosos. Querem um trabalho digno, um “barraco”, casar, reencontrar o filho, cura, ganhar na loteria, paz e alegria para todos…
Para quem já fracassou tanto na vida – e de fato eles chegam ao fim dela – é surpreendente esperar algo mais do que simplesmente sobreviver. Pois querem. E pelo menos neste momento de encontro e conversa, expressam o desejo (se falso ou não) de entender os alegres caminhos de Deus nos sofridos descaminhos da vida. Mesmo que porventura falso, não deixa de ser um desejo, um anseio por reconhecimento de que ele – até mesmo ele – pode ter pensamentos sublimes, bons.
Este grupo de homens e mulheres, de meia idade, sem casa, abrigados no albergue municipal, que lutam contra vícios, feridas emocionais e pela sobrevivência física, me ensina que o tempo não é uma linha reta, fácil de ser delimitada ou racionalizada. Ele é vívido tanto quanto for minha maneira de encarar a vida, o momento da caminhada. Seja com as mãos cheias (de conhecimento, dinheiro, bens, família, fé), seja com as mãos vazias (de reconhecimento, de gente que nos ama, de sucesso, de recursos materiais). Mais que isso, importa olhar na face (imaginária) do tempo e enxergar o rosto de Deus, o Senhor dos caminhos, ensinando-nos bondosamente a contar nossos dias para que alcancemos corações sábios (Sl 90.12).
Nota
Os nomes citados são fictícios.
Publicado previamente em http://ultimato.com.br/sites/fatosecorrelatos/2011/12/27/os-alegres-caminhos-de-deus-nos-sofridos-descaminhos-da-vida/
LISSÂNDER DIAS Casado, jornalista, é editor de web da Editora Ultimato. Colabora também na área de comunicação com a Rede Evangélica Nacional de Ação Social (RENAS). É um dos organizadores do livro Uma Criança os Guiará. Seu blog pessoal é www.ultimato.com.br/sites/fatosecorrelatos
sábado, 24 de dezembro de 2011
O dia em que vi Deus
Por Frei Betto
Natal é a "despapainoelização" do espírito. É quando o coração torna-se manjedoura e, aberto ao outro, acolhe, abraça e acarinha. Violenta-se quem faz da festa do Menino Jesus uma troca insana de mercadorias. Quantas ausências nesses presentes!
Em pleno verão, nos trópicos, o corpo empanturra-se de nozes e castanhas, vinhos e carnes gordas, sem que se faça presente junto àqueles que, caídos à beira do caminho, aguardam um gesto samaritano.
Ainda criança, em Minas, aprendi com meus pais a depositar junto ao presépio a lista de meus sonhos. Nada de pedidos a Papai Noel. No decorrer do advento, eu engordava a lista: a cura de um parente enfermo; um emprego para o filho da lavadeira; e a paz no mundo.
Meu pai insistia para que eu registrasse meus sonhos mais íntimos. Aos 8 anos, escrevi: "Quero ver Deus". Minha mãe ponderou: "Não basta Nossa Senhora, como as crianças de Fátima?". Não, eu queria ver Deus Pai. Nem imagens dele eu encontrava nas igrejas, que exibem, de sobejo, ícones de Jesus e pombas que evocam o Espírito Santo.
Na tarde de 25 de dezembro, meus pais levaram-me a um hospital pediátrico. Distribuímos alegria e chocolate às crianças, vítimas de traumas ou tomadas pelo câncer e por outras enfermidades. Fiquei muito impressionado com um menino de 6 anos, careca.
Na saída, mamãe indagou-me: "Gostou de ver Deus?". Fiquei confuso: "Só vi crianças doentes", respondi. Então ela me ensinou que a fé cristã reconhece que todos os seres humanos são imagem e semelhança de Deus. Por isso é tão difícil ver Deus. Pois não é fácil encarar a radical sacralidade de todo homem e de toda mulher.
Aos poucos entendi que o modo de comemorar o Natal forma filhos consumistas ou altruístas. E descobri que Deus é tanto mais invisível quanto mais esperamos que Ele entre pela porta da frente. Sorrateiro, Ele chega pelos fundos, via um sem-terra chamado Abraão; um revolucionário, de nome Moisés; um músico com fama de agitador, Davi; uma prostituta, Raab; um subversivo conhecido por Jeremias; um alucinado, Daniel; um casal de artesãos que, recusado em Belém, ocupa um pasto para trazer o Filho à vida: Maria e José.
No Evangelho de Mateus (25, 31-46) Jesus identifica-se com quem tem fome e sede, é doente ou prisioneiro, oprimido ou excluído. Aqueles que para os "sábios" são a escória da sociedade, para Deus são os convidados ao banquete do reino.
Desde então aprendi que Natal é todo dia, basta abrir-se ao outro e à estrela que, acima das mazelas deste mundo, acende a esperança de um futuro melhor. Sonhar com um mundo em que o Pai Nosso transpareça na grande festa do pão nosso. Pois quem reparte o pão partilha Deus.
Frei Betto, 56, frade dominicano e escritor, é assessor de movimentos sociais e pastorais e autor do romance sobre Jesus "Entre Todos os Homens" (Ática), entre outros livros.
Texto extraído do jornal Folha de S. Paulo 24/12/2000
domingo, 18 de dezembro de 2011
Maria e o Chato
Por Eduardo Nunes
Pedro, meu sobrinho, quando tinha 5 anos, sentenciou: - “Dudu, você é chato”.
Pedro tem razão. E um chato que honre este título é chato até com o Natal. Não me entenda mal. Eu gosto de Natal. Gosto do clima todo. Divirto-me em ver shopping-center cheio pela TV. Desfruto da moleza do calor úmido do fim de ano. Aprecio a sensação de pausa mundial. Gosto da quebra simbólica que parece zerar tudo. Começar novamente. O clima de “ reset game” me consola.
Gosto do Natal, não gosto da imagem. Implico (sou chato, lembra?) com a típica mensagem do natal, com o recall da marca. A idéia cândida da ocasião. Os sininhos pra cá. As estrelinhas pra lá. Com o “todos os seus sonhos se realizem trololó”, “tudo o que você merece, tralalá”. Afinal, todo mundo é filho-de-deus bla bla", "bate o sino pequenino de Belém, blen, blen.
Minha chatice implica com as imagens do natal exclusivamente sereno. Com a trilha sonora do coral afinado de anjos. Com o brilho, os dourados e o glitter. Antipatizo com a natureza estilizada, domada na falsa árvore e na deslocada neve de algodão.
Isto sem falar na minha bronca especial, já conhecida: o forçado bonachão Papai-Noel. Sempre sorrindo. Bem alimentado. Entre um ho-ho-ho e outro, distribui presentes aos que foram bonzinhos. E exclui rebeldes e desobedientes. O Natal reduzido a presentes de uma cultura onde todos nos achamos credores merecidos de um universo que existe para nos fazer felizes.
Nada contra um clima bucólico, vez por outra. Mas, o "Natal de Maria" mostra que há mais. Revela uma mensagem ausente de nossos cartões de final de ano. Sim, Maria teve um natal só dela. Em bom português de marketing: Um “Private Christmas Event” rsrsrs. Uns meses antes da famosa cena da manjedoura. A primeira expressão dela sobre o Natal, o nascimento do salvador.
Uma jovem em seus 15, 16 anos. Uma adolescente nos parâmetros de hoje. Grávida, prometida, mas ainda solteira. Longe de sua cidade, na casa da prima, também grávida. Tempo para pensar. Primeira gravidez. Anjos com mensagens cifradas. Seria aceita por José? O que significava o filho que carregava? Promessas e dúvidas.
Ela vê Deus irromper literalmente dentro de si. Não se sente sozinha, nem triste. A criança a faz a mulher mais bem-aventurada, feliz do mundo. Profundamente grávida de alegria.
No canto conhecido como Magnificat (da primeira palavra, em latim), Maria descreve o seu sentimento natalino. E o que é o Natal de Maria? Não é anúncio de superficialidades nem tapinhas nas costas. É um natal que lida com os temas profundos da história: o poder, a opressão, a dor, a impotência e a esperança.
No canto de Maria, não existe um deus neutro, nem amiguinho de todos. A mensagem de Natal de Maria não dá ibope. Não gera consensos. Anuncia: - “Perdeu, playboy”. Não é uma boa notícia para todos. Os ricos não ganham presentes, são despedidos de “mãos vazias”. Reis são derrubados. A mensagem desagradará aos muitos herodes. Despertará a ira assassina dos que se beneficiam da injustiça.
O Natal de Maria anuncia a Justiça. E isto é briga. Deus levanta o braço, pesa a mão. Não há acordo com o mal. Não há trégua com a opressão. Não há paz possível entre “orgulhosos e humildes”. A paz anunciada pelo menino não é uma banal “sala de espera confortável”. É a paz da Justiça.
Maria se alegra com a justiça de um Deus que irrompe na história, dela e do mundo. Natal do anúncio da bênção através de uma mulher, jovem, moradora de uma cidade pequena, na beira de um reino dependente, na periferia de um império em crise.
O Natal de Maria é o dos pequenos, anuncia a esperança da transformação pelo avesso de uma sociedade perversa. Os indigentes são os VIPs. O louco é o sábio. O impuro é o santo. Não é o natal do trenó, de renas de nariz cintilante, nem das carruagens. É o Natal do jumento. No presépio de Maria, reis só cabem se ajoelhados diante do menino, esvaziados dos seus palácios e submetidos ao cheiro do estábulo. Só tem lugar para os que seguem uma estrela e não para os que querem ser seguidos.
O "Natal de Maria" não é um show, está mais para uma revolução. É o anúncio de Alegria, Esperança e Justiça. É um convite à transformação de tod@s, até de um chato como eu.
Um Natal de Maria para tod@s nós.
Magnificat (Evangelho de São Lucas, Capítulo1)
E Maria disse: Minha alma glorifica ao Senhor,
meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador,
porque olhou para sua pobre serva. Por isto, desde agora, me proclamarão bem-aventurada todas as gerações,
porque realizou em mim maravilhas aquele que é poderoso e cujo nome é Santo.
Sua misericórdia se estende, de geração em geração, sobre os que o temem.
Manifestou o poder do seu braço: desconcertou os corações dos soberbos.
Derrubou do trono os poderosos e exaltou os humildes.
Saciou de bens os indigentes e despediu de mãos vazias os ricos.
Acolheu a Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia,
conforme prometera a nossos pais, em favor de Abraão e sua posteridade, para sempre.
sábado, 10 de dezembro de 2011
O advento da humildade
Por Tim Keller
A humildade é tão tímida! Se começamos a falar sobre ela, já não existe mais. Se nos perguntarmos 'sou humilde?', já não o somos mais.
Inúmeros teólogos, estudiosos e admiradores ressaltam as circunstâncias humildes do nascimento de Jesus: entre pastores, num tosco estábulo, um cocho servindo de berço. Quando Jesus tentou resumir por que as pessoas deveriam tomar a sua cruz ao segui-lo, disse que era por ele ser manso e humilde (Mt 11:29). Raramente, no entanto, exploramos todas as implicações da humildade radical de Jesus para nosso viver diário.
A humildade é crucial aos cristãos. Só podemos receber Cristo por meio da mansidão e humildade (Mt 5:3,5; 18:3,4). Jesus humilhou-se a si mesmo e foi exaltado por Deus (Fl 2:8-9); portanto, a alegria e a força por meio da humildade é a verdadeira dinâmica da vida cristã (Lc 14:11; 18:14; I Pe 5:5).
O ensino parece simples e óbvio. O problema é que precisamos de muita humildade para entender a humildade e de muito mais para resistir ao orgulho que vem tão naturalmente com a discussão deste assunto.
Estamos num terreno escorregadio, pois a humildade não pode ser alcançada diretamente. Uma vez que nos tornamos conscientes do veneno do orgulho, começamos a percebê-lo ao nosso redor, tanto nos tons sarcásticos e peçonhentos das colunas de jornais e blogs quanto nos nossos vizinhos e alguns amigos ciumentos, autopiedosos e ostensivos.
Então prometemos não falar ou agir dessa forma. Se percebermos “uma modesta mudança de atitude” em nós mesmos, imediatamente nos tornamos presunçosos – mas isso é o orgulho em nossa humildade. Se nos pegamos fazendo a mesma coisa de novo, ficaremos particularmente impressionados com quão sugestivos e sutis nos tornamos.
A humildade é tão tímida! Se começamos a falar sobre ela, já não existe mais. Se nos perguntarmos “sou humilde?”, já não o somos mais. Examinar nosso próprio coração, até por orgulho, geralmente nos leva a ter orgulho de nossa diligência e circunspecção.
A humildade cristã não significa pensar menos em si. É pensar menos de si, como tão memoravelmente disse C.S. Lewis. É não ficar o tempo todo observando a si próprio ou como você está se saindo com alguma coisa ou de que forma está sendo ameaçado. É um “auto-esquecimento abençoado”.
A humildade é subproduto de crermos no evangelho de Cristo. No evangelho, temos uma confiança não baseada em nosso desempenho, mas no amor de Deus em Cristo (Rm 3:22-24). Isso nos liberta de ter de ficar sempre nos avaliando. Porque Jesus teve de morrer por nós, colocamo-nos abaixo de nosso orgulho. Porque Jesus teve prazer em morrer por nós, amamo-nos além da necessidade de provar qualquer coisa a nós.
Graça, não benevolência – Corremos riscos quando discutimos sobre a humildade, pois a religião e a moralidade inibem a humildade. É comum na comunidade evangélica conversar sobre o ponto de vista mundano – um conjunto de crenças básicas e promessas que permeiam a maneira como vivemos em cada circunstância. Outros preferem o termo “identidade narrativa”. É um conjunto de respostas às perguntas “quem sou eu? O que é a minha vida? Por que estou aqui? Quais são as principais barreiras que me impedem de me sentir pleno? Como posso lidar com essas barreiras?”.
Há duas identidades narrativas básicas em voga entre os que professam ser cristãos. A primeira é o que chamo de identidade narrativa de desempenho moral: as pessoas que dizem do fundo de seus corações “eu obedeço, portanto, sou aceito por Deus”. A segunda é o que vou chamar de identidade narrativa da graça. O princípio básico dessa operação é “sou aceito por Deus por meio de Cristo, portanto, obedeço”.
As pessoas que vivem sobre as bases desses dois princípios diferentes podem superficialmente se parecerem iguais. Podem se sentar bem ao lado uma da outra num banco de igreja, esforçando-se para obedecer à lei de Deus, orar, dar dinheiro generosamente, ser bom com os membros familiares. Mas, no fundo, estão fazendo por motivos radicalmente diferentes, com inspirações radicalmente diferentes, resultando em caracteres de personalidade radicalmente diferentes.
Quando as pessoas que vivem baseadas numa narrativa de desempenho moral são criticadas, ficam furiosas ou devastadas, porque não conseguem tolerar as ameaças às suas auto-imagens de serem “boas pessoas”.
No evangelho, nossa identidade não é construída sobre esse tipo de imagem e temos um peso emocional de ter que lidar com a crítica sem dar o troco. Quando as pessoas vivem firmadas na narrativa de desempenho moral, baseiam seu valor próprio por serem trabalhadoras ou teologicamente irrepreensíveis e, então, precisam desprezar aquelas que são consideradas preguiçosas ou teologicamente fracas.
Mas há aqueles que entendem que, de acordo com o evangelho, não se pode desprezar ninguém, pois foram salvas por pura graça, não por suas doutrinas perfeitas ou forte caráter moral.
O fedor do moralismo – Outra marca da narrativa de desempenho moral é a constante necessidade de encontrar falhas, vencer argumentos e provar que todos os seus oponentes não estão somente enganados, mas são traidores desonestos. No entanto, quando o evangelho é compreendido profundamente, nossa necessidade de vencer argumentos é dispensada e nossa linguagem se torna graciosa. Não precisamos ridicularizar nossos oponentes e passamos a lidar com eles respeitosamente.
As pessoas que vivem baseadas na narrativa de desempenho moral se valem de um humor sarcástico e farisaico ou não têm nenhum senso de humor. Lewis fala de “uma concentração sisuda sobre si próprio, que é a marca do inferno”. O evangelho, entretanto, cria um senso gentil da ironia. Encontramos motivos para rir, a começar pelas nossas fraquezas. Elas já não nos ameaçam mais, pois nosso valor derradeiro não está baseado em nossos recordes ou bons desempenhos.
Um discernimento básico de Martinho Lutero foi que o moralismo é um defeito do coração humano. Mesmo os cristãos que acreditam no evangelho da graça em primeira instância podem continuar a operar como se tivessem sido salvos por seus próprios méritos. Em “O grande pecado”, na obra Cristianismo puro e simples, Lewis escreve: “Se achamos que a nossa vida religiosa está nos fazendo sentir que somos bons – e acima de tudo, que somos melhores que os outros – creio que podemos ter a certeza de estar agindo não de acordo com Deus, mas com o diabo”.
Graça e humildade que nos levam a esquecer de nós mesmos deveriam ser as coisas preliminares a distinguir os cristãos de muitos outros tipos de pessoas morais e decentes do mundo. Mas acho que é justo dizer que a humildade, principal marca diferenciadora do cristão, está muito em falta na igreja. Os não crentes, ao detectar o fedor do moralismo, vão embora.
Alguns podem dizer “o farisaísmo e o moralismo não são nossos maiores problemas culturais no momento. Nossos problemas são a liberdade e o antinomianismo. Não há necessidade de falar sobre a graça o tempo todo para pós-modernizar as pessoas”. Mas as pessoas pós-modernas têm rejeitado o cristianismo durante anos, achando que não é diferente do moralismo. Somente se você mostrar-lhes que há uma diferença – o que eles rejeitaram não era o verdadeiro cristianismo – talvez, então, elas comecem a ouvir novamente.
Renove sua humildade aqui – Esse é o ponto em que o autor deve apontar soluções práticas. Não tenho nenhuma. Aqui vão os porquês.
Primeiro, o problema é muito grande para soluções práticas. A ala da igreja que está mais preocupada com a perda da verdade e com comprometimentos é, na verdade, infame em nossa cultura por seu farisaísmo e orgulho. Entretanto, há muitos em nossos círculos que, reagindo ao que eles entendem por arrogância, desviam-se das muitas doutrinas protestantes clássicas (como Justificação Legal e Reparação Substitutiva) que são cruciais e insubstituíveis – e também dos melhores recursos possíveis para a humildade.
Segundo, falar diretamente sobre maneiras práticas de se tornar modesto, tanto a indivíduos como comunidades, é sempre um tiro pela culatra. Afirmei que as principais alas da igreja evangélica estão erradas. Então quem sobra? Eu? Estou começando a pensar que somente poucos, os poucos felizes, alcançaram o equilíbrio de que tanto a igreja precisa? Acho que estou ouvindo algo murmurando em meus ouvidos: “sim, apenas você pode realmente ver as coisas com clareza”.
Realmente espero esclarecer, ou nem teria escrito sobre esse assunto. Mas não há maneira de se começar a falar às pessoas sobre como se tornar modesto sem destruir os fragmentos de humildade que elas possam já possuir.
Terceiro, a humildade só é alcançada como um produto derivado do entendimento, da crença e do maravilhamento sobre o evangelho da graça. Mas o evangelho não nos modifica de modo mecânico. Recentemente, ouvi um sociólogo dizer que, para a maior parte, as estruturas de significado para as quais direcionamos nossas vidas estão tão profundamente intrínsecas em nós que operam “pré-refletivamente”. Não existem apenas como uma lista de proposições, mas também como temas, motivos e atitudes.
Quando ouvimos o evangelho sendo pregado ou meditamos nas escrituras, estamos sendo levados tão profundamente aos nossos corações, imaginações e pensamentos que começamos a instintivamente “viver” o evangelho.
Então vamos pregar sobre a graça até que a humildade comece a crescer em nós.
Tim Keller é pastor da Igreja Presbiteriana Redeemer em Manhattan, Nova York, e autor de The Reason for God.
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sábado, 3 de dezembro de 2011
Silêncio de todos os tipos
Por Esther Carrenho
"Que saibamos silenciar quando falar não for conveniente."
Há vários tipos de silêncio. Alguns são tidos como sábios. Outros, como necessários para se alcançar a maturidade emocional e espiritual. Mas há também silêncios que revelam dificuldades e bloqueios que podem trazer prejuízo – tanto para quem silencia como para aqueles que vivem ao redor daquele que não se expressa.
O primeiro desses silêncios, e no caso um silêncio prejudicial, é aquele de quem silencia por medo, embora precise falar e tenha o que dizer. Medo de errar, de ofender, de não ser aceito, de sofrer punição. Tal dificuldade em romper o silêncio pode ser conseqüência de várias situações decorrentes da fase de formação do indivíduo. Muitos filhos são proibidos de falar pelos pais. Não podem expressar suas opiniões e idéias; são obrigados a obedecer sem nenhuma explicação e não têm permissão para questionar. Se insistem, são punidos. E ainda há aqueles que são criticados pela forma, pelo tom de voz, pelo ritmo ou pelo jeito com que falam, sendo até ridicularizados por meio de zombarias. Pessoas assim precisam se conscientizar de que cresceram, tornaram-se adultos e podem agora expressar seus pensamentos e desejos.
O segundo tem a ver com a avaliação que cada pessoa faz de si. Muitos se abstêm de falar porque têm vergonha das suas ideias, do que pensam; acreditam que o que têm a dizer não tem valor. Gente assim vive num tipo de esconderijo, ainda que no meio de um ajuntamento. Por causa da autoavaliação distorcida que fazem a respeito de si mesmas, se omitem, não participam e não revelam o potencial e o valor que possuem. Agindo assim, não se mostram, e em muitas situações a habilidade que possuem não é vista. Deixam, portanto, de cooperar para possíveis transformações no ambiente em que vivem.
Um outro tipo de silêncio é aquele que surge quando o assunto a ser abordado é tão dolorido e difícil de ser expressado que a pessoa não consegue falar. A dor emocional é tão grande que só lhe resta silenciar, sufocada. Tal sofrimento é o resultado de alguma mágoa, ofensa, experiência ou uma situação não resolvida da sua história. A melhor forma de vencer este bloqueio é lidar, em primeiro lugar, com as memórias doloridas de que se tem lembrança. Ou seja, é necessário, antes de tudo, expressar toda a fala referente àquele assunto para tornar possível um esvaziamento da dor acumulada. Nesse processo, o indivíduo terá a oportunidade de fortalecer seus recursos internos e expressar o que tem em mente, sem se deixar engolir pela mudez emocional.
O quarto tipo de silêncio é aquele que surge como retaliação ao interlocutor. Trata-se de situação comum entre cônjuges ou membros de uma mesma família ou grupo de pessoas próximas. A pessoa sabe que devia falar, mas silencia como punição ao outro. O uso da vingança pelo silêncio impede que a comunicação se estabeleça na solução de diferenças, conflitos e ofensas entre as pessoas que convivem entre si. E a consequência é óbvia – os problemas que prejudicam o relacionamento não são resolvidos.
Mas há também o silêncio, que chamo de sábio, que surge por simples escolha. Muitas pessoas sabem o que falar, acreditam em si mesmas e não têm medo do interlocutor, mas ainda assim escolhem silenciar – ou porque julgam que o momento não é adequado para se expressar, ou porque temem que o que for falado será usado como arma contra elas mesmas. Isso, sem falar naquelas situações em que o falante percebe que seus ouvintes não estão interessados no que ele tem, pode e sabe falar. Quantos de nós já não passaram pela situação incômoda de perceber que ninguém à nossa volta dá a mínima atenção ao que dizemos e que o melhor seria nem ter começado o assunto?
O último tipo de silêncio é aquele de quem não se preocupa se tem ou não o que falar; apenas silencia para escutar o outro, ao mesmo tempo em que escuta também a si mesmo. Rubem Alves, em seu livro O amor que acende a lua, escreve exatamente sobre isso. Diz o escritor que há muitos cursos sobre oratória, mas nenhum de nós se preocupa em aprender a arte de escutar. O apóstolo Tiago já nos alertava, em sua epístola, para sermos “prontos para ouvir e tardios para falar”. E os escritores do Antigo Testamento, em várias ocasiões, usam o termo hebraico shemah em relação ao convite que Deus faz ao povo de Israel para escutá-lo. Ora, não se pode escutar nada de não houver silêncio.
Que possamos nos expressar livre e corajosamente quando se fizer necessário em toda e qualquer situação. Mas que possamos, também, escolher o silêncio para ouvir da melhor maneira possível – e, principalmente, que saibamos silenciar quando falar não for conveniente.
sábado, 26 de novembro de 2011
O que fazer com os conflitos
Rick Warren
Conflitos acontecem. Não tente ignorá-los.
Conflitos acontecem no trabalho, na escola, em casa e até mesmo na igreja! Muitas pessoas tentam ignorar os que surgem, na esperança de que a situação simplesmente vá embora. Mas isso não ocorre.
Quando os conflitos surgem, você tem de lidar com eles de frente. Se você tem um conflito com alguém no seu trabalho, na sua casa ou na sua escola, enfrente-o rapidamente. É um grande erro pensar: “Vou ignorar tudo e esperar que se resolva.” Posso, por experiência própria, dizer que não é assim. Ignorar conflitos não levam você a lugar nenhum.
Efésios 4:26-27 recomenda: “Se você tiver raiva, não deixe que sua raiva lhe leve ao pecado e não fique bravo o dia todo.” Não dê ao diabo uma chance.
Algumas pessoas ficam surpreendidas quando lêem esse versículo pela primeira vez.
Elas perguntam: “Em algum momento é certo um cristão sentir raiva?” Sim. Como eu sei que um cristão pode ficar bravo? Alguma vez Jesus ficou com raiva? Sim. Alguma vez Jesus pecou? Não. Evidentemente, haverá momentos em que a raiva será apropriada.
O versículo diz: se você sentir raiva, não deixe que ela o leve ao pecado. Existe uma raiva que pode levar você ao pecado e existe uma raiva que não vai levá-lo ao pecado. Como reconhecer a diferença?
QUAL É O TIPO DE RAIVA ERRADA?
A raiva errada é aquela que não se dissolve rapidamente. Resolva-a rapidamente. Não fique bravo o dia inteiro. A tradução de Phillips diz: “Nunca vá dormir com raiva.” Isso pode manter muitos de nós acordados algumas vezes... Se você diz: “Em nosso casamento nunca vamos dormir com raiva”, então deve resolver seus problemas um pouco mais rápido.
Não deixe a raiva em espera. Quando não se lida com a raiva, ela se transforma em ressentimento e depois em rancor. Rancor é sempre um pecado. Ressentimento é sempre um pecado.
Essas emoções são sempre erradas. Raiva é uma resposta apropriada a algo. Se você ama, você deve sentir raiva algumas vezes. Fico com raiva quando vejo pessoas estragando suas vidas com algo que não compensa. Fico com raiva quando vejo pessoas caminhando para algo que sabem que é errado e que vai destruí-las. Quando você se importa com as pessoas, algumas vezes a raiva é a resposta correta.
Mas a Bíblia diz que devemos lidar com isso de forma rápida. Se eu guardo a minha raiva, o meu estômago marca o placar. Como descobrir que isso é verdade? Está tudo interligado. Úlcera escondida. Você tem uma dor nas costas, uma dor no pescoço ou qualquer dor em outro lugar. A Bíblia diz: lide com ela rapidamente. Não deixe a raiva em espera. Resolva seus conflitos o mais rápido possível.
Muito do estresse são somente conflitos que nunca foram trabalhados. Em vez de enfrentar o problema, você simplesmente permite que ele o irrite dia após dia até que se sinta totalmente estressado. Qual é a solução? Como lidar rapidamente com o conflito?
Vou lhe dizer, mas você não vai gostar. A solução para resolver conflitos se resume em uma palavra: confrontação. É isso mesmo. Se você quer resolver esse conflito, deve confrontá-lo. Você não tem de confrontar a raiva. Na verdade, não deve confrontá-la. Amorosamente, vá à pessoa e fale a verdade em amor; lide com o problema rapidamente.
Poucos de nós gostamos de ser confrontados. As poucas pessoas que gostam são os criadores de caso.
Os criadores de caso adoram ser confrontados. Eles amam ir às pessoas e dizer: “Você está estranhando tudo!” Essa é a diversão deles. Mas as pessoas normais não gostam de confrontação.
Quando você tiver de confrontar algo, qual a melhor maneira de fazê-lo? Tiago 1:19 nos diz que as leis para um confronto são: todos devem ser pacientes ao ouvir, vagarosos para falar e lentos para se irarem. Essas são as três leis. Se você cumprir a primeira e a segunda lei, a terceira virá no automático. Se você é rápido para ouvir e vagaroso para falar, será lento para se irar. Alguém já chamou a atenção para o fato de que Deus nos deu duas orelhas e uma única boca. Devemos ouvir duas vezes mais do que falamos.
E isso é tudo o que Deus pediu a você.
sábado, 19 de novembro de 2011
A idolatria do consumo
Por Carlos Queiroz
O espaço urbano trouxe consigo a embalagem e o lixo dos produtos de mercado.
A habitação dos seres humanos em comunidades urbanas é um processo irreversível. Intensificado a partir da Revolução Industrial do século 18, o fenômeno da urbanização logo se mostrou irreversível – 80% da população brasileira, por exemplo, vive nas cidades. E, no espaço urbano, a vida vai se tornado atrativa e ao mesmo tempo complexa. As cidades modernas são um encanto tecnológico: aviões cruzam os céus acima de monumentais blocos de apartamentos; trens e metrôs atravessam trilhos em alta velocidade, enquanto os shoppings, templos suntuosos do consumo, viraram espaços de convivência que exercem uma atração irresistível.
Ao mesmo tempo, o espaço urbano trouxe consigo a embalagem e o lixo dos produtos de mercado. O mundo urbanizado aglutinou e incrementou a violência, acentuando a miséria e popularizando a fome. As metrópoles concentraram a riqueza e criaram novos atores sociais. A criminalidade, fenômeno decorrente das desigualdades e da cegueira social, é um câncer que cresce sem controle nos grandes e pequenos espaços urbanos, acuando seus habitantes e criando guetos impenetráveis ao poder público. E, neste mesmo espaço, homens e mulheres buscam viver com dignidade, mas são impedidos pelos poderes e potestades deste século.
A urbis vai acentuando o individualismo. Na era do narcisismo e da exaltação do ego, cada indivíduo busca uma maneira de existir sem que outros seres humanos lhe perturbem. A automatização cada vez mais distancia possíveis diálogos. Por outro lado, as relações estão fundamentadas na competitividade e no lucro. A própria forma de organização da vida urbana está submetida a regras de produção e consumo. Desse modo, a sociedade urbana divide-se entre os que produzem e possuem poder de compra de um lado; e de outro, aqueles que vivem à margem do sistema econômico. Toda tecnologia é validada, desde que a serviço do capital, para impor a ideologia do consumo.
Nenhum outro contexto mostra de maneira mais clara a divisão entre ricos e pobres que as cidades. E estes lados opostos nem sempre são geográficos. No lado dos abastados, encontramos ruas e avenidas bem pavimentadas, ótimos hospitais e as melhores escolas, bem como casas suntuosas e condomínios exclusivos. Já na banda pobre, encontramos aglomerados habitacionais sem o mínimo de saneamento, becos e ruelas de difícil acesso, escolas abandonadas e postos de saúde sucateados. Nas periferias, homens, mulheres e crianças sobrevivem muitas vezes em condições de carência total. O lado dos excluídos, ou, melhor, os sem lado algum – os “sem eira nem beira” –, estão à margem, à beira: à margem dos direitos, à margem da educação, à margem do trabalho, à margem da dignidade. À beira da fome.
No entanto, esses são seres que parecem mais humanos que os habitantes das zonas douradas. Vivem à margem da competitividade, mas beirando a solidariedade. À margem da acumulação, mas beirando a partilha. À margem do lucro, beiram a gratuidade. À margem do individualismo, mas perto da fraternidade. A ideologia de consumo reboca consigo seus ídolos por meio das religiões organizadas, trazendo de volta deuses que, na natureza essencial, são não-deuses. Só existe um Deus. A idolatria é qualquer sistema, seja econômico, político ou religioso, que nos desvia de Deus e consequentemente nos distancia da fraternidade e do amor entre as pessoas. Enquanto Deus propicia vida para todos, os ídolos geram destruição, violência e morte.
O ídolo de consumo requer que seus adoradores produzam e produzam, saqueando irresponsavelmente a natureza. O ídolo de mercado exige o sacrifício dos que não consomem seus produtos – os pobres, os considerados subumanos pelos devotos da religião materialista de mercado.
E a Igreja no mundo urbano, aquela que atua na mesma ambiência desse consumo desenfreado? Ela corre o risco de ser “mundanizada”, ou seja, de cair na tentação de se organizar segundo os dogmas da sociedade urbanizada: a crença no poder da tecnologia, na capacidade produtiva, na maior valorização nos resultados sacrificando sua fidelidade ao Evangelho e pondo em risco sua integridade de expressar a natureza singular do povo de Deus. Por outro lado, a Igreja pode renovar sua aliança com o Evangelho de Jesus Cristo e os valores do seu Reino – e orar para que esse Reino venha através de suas comunidades de fé. Seu Reino é de justiça e paz.
A oração ensinada por Jesus fala de “Pai nosso” e de “pão nosso”. Ora, pão é um bem material; logo, pode ser acumulado ou socializado. Na sociedade de consumo, ele é a materialização do ídolo que só os consumidores possuem. Por isso, a crise de fome no mundo é uma questão básica de idolatria ao bem de consumo. E a crise econômica é a desarmonia dos ídolos sem neurônios. Tornem-se semelhantes a eles os que os fazem e os seus adoradores. Cabe à Igreja a tarefa de se converter a Deus e resistir ao sincretismo materialista da religião de mercado.
sábado, 12 de novembro de 2011
Alegria "fora de hora"
Por Ed René Kivitz
Meus irmãos, considerem motivo de grande alegria o fato de passarem por diversas provações, pois vocês sabem que a prova da sua fé produz perseverança. E a perseverança deve ter ação completa, a fim de que vocês sejam maduros e íntegros, sem lhes faltar coisa alguma. (Tiago 1.2-4)
Tiago, irmão de Jesus, escreveu uma carta aos cristãos que estavam sofrendo perseguição. Eles haviam sido expulsos de Jerusalém e deixado para trás seus bens, familiares e amigos. Estavam começando vida nova em outro lugar, e precisavam construir novos relacionamentos, redefinir sua carreira profissional e ainda por cima se defender dos ataques daqueles que se opunham à sua fé em Jesus Cristo.
Um dos conselhos de Tiago para aqueles cristãos em situação tão adversa foi que deveriam receber com alegria as tribulações e provações que a vida colocava diante deles. Tiago justificou seu conselho apresentando três conseqüências das tribulações.
As tribulações provam a nossa fé, isto é, revelam a qualidade dos alicerces onde construímos nossas vidas. Outra maneira de dizer isso é que as tribulações nos mostram quem de fato somos. Muitas pessoas vivem iludidas em relação a si mesmas, e por esta razão constroem suas vidas em alicerces falsos - e vice-versa. Cedo ou tarde estes alicerces são desmascarados e tudo o que está sobre eles pode ruir, como por exemplo: auto-estima, esperança, prazer de viver, relacionamentos, sonhos de futuro, carreira profissional. As situações da vida que confrontam nossos alicerces existenciais são de fato oportunidades extraordinárias para nos reinventarmos, tanto substituindo o que identificamos como inadequado, quanto no desenvolvimento do que identificamos frágil.
As tribulações produzem perseverança, isto é, nos fortalecem para enfrentar a vida. O ditado popular diz que "Deus dá o frio conforme o cobertor". Acredito nisso. Acredito que o exercício de viver nos coloca diante de desafios proporcionais à maturidade. Uma é a dificuldade da criança, outra, do adolescente, e outra, dos adultos que já não acreditam em Papai Noel e já deixaram a prepotência juvenil de lado. As dificuldades que enfrentamos no caminho nos ajudam a encarar a vida e continuar andando rumo ao futuro desejado. À medida que vamos encarando e superando as tribulações, vamos perdendo o medo de cara feia, até que a vida mostra sua face mais terrível e se surpreende com nossa capacidade de superá-la.
Finalmente, as tribulações nos fazem pessoas maduras e íntegras, sem falta de nada. Atravessar tempos difíceis exige de nós a descoberta e o desenvolvimento de recursos interiores. As tribulações nos tiram todos os pontos externos de apoio: nos sentimos solitários, incompreendidos e injustiçados; perdemos posição, status e privilégios, além de dinheiro e conforto; e descobrimos que as bases onde escorávamos nossa identidade e as fontes de onde tirávamos forças para viver eram falsas ou insuficientes. Nesse momento, olhamos para dentro e para o alto. E descobrimos uma fé mais amadurecida, que nos aproxima mais de Deus, e recebemos a coragem de continuar vivendo. Estranhamente, vamos percebendo que precisávamos de bem menos do que imaginávamos para a nossa felicidade, até que surpresos, nos deparamos com a sensação de que muito embora o mundo lá fora esteja em convulsão, o mundo de dentro do coração, está em paz e serenidade. Quando chegamos nesse ponto de integridade (integralidade) é que passamos a desfrutar dos poucos recursos, dos amigos raros e das pequenas alegrias do dia-a-dia como suficientes para a felicidade. Aí sim, somos homens e mulheres de verdade. Construídos na forja das tribulações. Livres das ilusões. Prontos para viver, dar e construir.
sábado, 5 de novembro de 2011
Quem São os Vencedores Felizes de Hoje?
Por Tais Machado
Daniel Cohen é um economista, também professor da École Normale Supérieure, vice-presidente da École d’Économie de Paris e editorialista do jornal Le Monde. Mas, o que mais me impressiona é sua capacidade de falar sobre temas não tão simples, mas com uma linguagem apetitosa. Você o lê e compreende conceitos não tão básicos com certa facilidade, até fica com a sensação de que entende de economia.
Recentemente foi publicado no Brasil mais um de seus bons livros, e esse, mais atualizado (escreveu no ano passado) – A Prosperidade do Vício. São artigos que nos convidam a uma reflexão mais profunda de nosso tempo.
Num dos capítulos ele questiona: “se a riqueza é um elemento importante do bem-estar, por que uma sociedade que enriquece parece fracassar em tornar seus membros mais felizes?”. E pondera: “Os franceses eram incomparavelmente mais ricos em 1975 do que em 1945, mas não eram mais felizes. Por que tanto desgosto? A resposta é simples. O bem-estar dos modernos não é proporcionado pelo nível de riqueza. Depende do seu crescimento, qualquer que seja o ponto de partida desta”. E salienta “um traço fundamental da sociedade moderna: seu apego ao crescimento”.
Interessante pensar a esse respeito no contexto brasileiro, com uma economia estável nos últimos anos e com perspectivas de crescimento maior. Os cidadãos estão mais vorazes? Apesar da tentativa do governo de conter a euforia consumista de fim de ano, com aumento de juros, a fim de que a inflação não aumente de forma avassaladora, ainda assim percebemos as pessoas animadas em consumir mais.
Voltando aos comentários do Cohen, “o consumo é como uma droga. O consumo cria uma dependência. O prazer que proporciona é efêmero, mas o desespero é imenso quando nos vemos privados dele”. Entretanto, considera pesquisas recentes que apontam que “90% dos mais ricos respondem que são ou muitos felizes ou o suficiente, enquanto apenas 65% dos mais pobres respondem que o são. Aqueles que têm uma vida financeira mais folgada são sempre majoritariamente muito felizes”. Como se explica isso? Nas palavras de Cohen trata-se de “um fenômeno simples e eterno: a inveja. Sentimos prazer em conquistar mais do que os outros. Marx já tinha feito essa observação: ‘Uma casa pode ser grande ou pequena, mas enquanto os vizinhos tiverem casas do mesmo tamanho isso não será um problema. Se alguém constrói um palácio do lado, essa casa se tornará minúscula’. Cada um tentará ultrapassar seus colegas ou amigos, aqueles que formam o ‘grupo de referência’ com o qual nos comparamos”.
Constata-se, assim, que mais do que acumular riquezas o que importa hoje é sentir-se superior ao próximo. Sente-se um vencedor quando se percebe na frente do outro, o esforço é ter e estar em vantagem em relação aos que o rodeiam. Parece que tudo o que importa é a competição nessa selva capitalista.
Pensar sobre o registro que Lucas faz no evangelho da história de Zaqueu me parece oportuno. Afinal, Zaqueu é um homem rico, em grande vantagem financeira em relação ao seu grupo de referência – seus irmãos judeus. Como chefe dos cobradores de impostos, não era bem quisto pelo seu próprio povo, contudo, preferiu ou agradou-se mais da opção de obter larga vantagem financeira, ainda que extorquindo seu próximo.
Talvez a sensação de ser um “vencedor” por suas conquistas até ali lhe bastavam.
Podia ser pequeno em estatura, mas era grande no poder que as riquezas lhe davam.
A curiosidade para saber quem era Jesus, para ver aquele que atraia multidões o fez subir numa árvore. E ali foi encontrado por Jesus. Depois desse encontro se tornou um novo homem, mudando radicalmente sua postura.
É interessante porque não temos detalhes da conversa que Jesus teve com ele enquanto ficou em sua casa. Mas vemos o efeito em sua vida. Espontaneamente ele diz: “Olha, Senhor! Estou dando a metade dos meus bens aos pobres; e se de alguém extorqui alguma coisa, devolverei quatro vezes mais” (Lc 19.8). E como Jesus reage diante de tal atitude? “Jesus lhe disse: ‘Hoje houve salvação nesta casa! Pois o Filho do homem veio buscar e salvar o que estava perdido’.” (Lc 19.9-10).
Ao que parece, segundo Jesus, a salvação se manifesta na vida das pessoas quando o arrependimento acontece, quando a consciência é ampliada, quando seus olhos interpretam a realidade de uma nova maneira, quando seu coração vê o que antes não via, quando o próximo não é mais seu competidor, mas alguém com quem você se torna solidário, te levando a doar, a devolver, a ajudar. Como diz Philip Yancey “Jesus me convida a abandonar o esforço competitivo. Convida-me a confiar na opinião de Deus a meu respeito, a única que vale afinal de contas”.
Jesus diz que sua vinda foi para buscar e salvar o perdido. Ele diz isso justamente para Zaqueu, cuja atitude prática evidenciava a descoberta de ter sido achado e salvo. Sim, precisamos ser salvos de nós mesmos.
sábado, 29 de outubro de 2011
Deus não tem pressa
Por Rev. Sérgio Andrade
"Sede vós também pacientes e fortalecei o vosso coração...".
(Livro deTiago 5.8a)
Deus não conhece a pressa. Todos os movimentos divinos são marcados pelo processo. Olhe, por exemplo, para a criação. Tudo o que Ele fez parece esperar o tempo oportuno. Cada dia é uma nova forma de ser. Tal realidade é gradativa, comum e extraordinária, pois acontece sem que percebamos todas as diferenças geradas em cada instante. Nada é hoje como foi no passado. Por isso, paciência é uma palavra divina.Ela é companheira-irmã da transformação, da maturidade e da esperança.
Há três décadas o ritmo de vida era outro. Uma sensação de que as horas pareciam demoradas tomava conta de muita gente. Os lugares eram mais distantes. As pessoas viviam longe. A comunicação era tão difícil. As estradas permaneciam ruins. O dia era longo. A noite também.
A tecnologia mudou nossas vidas. Aviões mais rápidos, telefones celulares, fornos microondas, internet, aparelhos gps e câmeras de vídeo alteraram a rotina de milhões de pessoas. Os horários de almoço sumiram. A calmaria da noite de descanso foi interrompida pela ligação inesperada. É preciso produzir, viajar, conquistar, receber, ganhar, falar e ouvir.
A Palavra de Deus nos convida a refletir sobre o ritmo e a pressa. Descansar em Deus talvez seja a principal tarefa para aqueles que experimentam ritmos acelerados. Com os corações fortalecidos no Senhor, somos instados a prosseguir com tranquilidade.
É preciso crer no milagre da semente que se planta, ainda que não vejamos o que acontece sob o solo. É importante saber que o Senhor está ao lado daqueles que o temem, ainda que tempestades e estios venham sobre nossas plantações. É renovador o encontro íntimo com Aquele que é capaz de fortalecer o nosso interior para que juntos possamos anunciar o seu Reino.
Ao Senhor agradecemos a oportunidade de servi-lo nestes dias, com paciência e, Nele, sempre firmes!
Rev. Sérgio Andrade
Deão da Catedral Anglicana da SS Trindade - Recife
sábado, 22 de outubro de 2011
Coisas que aprendi com Henri Nouwen
Por Jonathan Menezes
Escrevi um artigo há certo tempo, falando de modo resumido sobre Henri Nouwen como um modelo de vida e espiritualidade radicais, tratando um pouco de sua origem, formação, e de alguns fatos marcantes de sua trajetória e pensamento (1).
Não menos resumidamente, quero aqui partilhar algo mais sobre Nouwen só que de um jeito mais pessoal — forma predominante em seus escritos. Como eu o enxergo? Por que me tornei tão fascinado por sua vida e escritos? Que coisas tenho aprendido com ele?
Quem foi Nouwen?
Usando uma expressão de Zygmunt Bauman (2), para mim Nouwen foi um “artista da vida”. Primeiramente porque ele foi alguém profundamente fascinado pela vida e pelas pessoas, por conectar-se e relacionar-se. Parte de sua veia artística está em ter conseguido pintar de modo tão brilhante, sensível e inspirador sua teia particular de relações com a vida e com Deus. Um resumo das coisas que Nouwen mais amava fazer pode ser encontrado, em suas próprias palavras, no Diário de seu último ano sabático: “Escrever livros, fazer amigos, criar comunidade, partilhar histórias” (3).
Nouwen foi um santo-homem. Sua santidade estava não em feitos sobrenaturais, mas na forma íntegra com que efetuou as coisas mais naturais da vida — como amar, orar, sofrer, se alegrar, celebrar, morrer. Ele foi um pastor sensível e compassivo, atento a cada encontro e à singularidade de cada pessoa. Mas também foi um ministro vulnerável, ao ponto de escancarar sua vida, suas feridas e limitações de um modo às vezes até constrangedor pra quem o lê.
Foi um discípulo radical e apaixonado por Jesus. Extremamente consciente de sua dependência de Deus e também de seu inacabamento, nunca deixou de estar em busca, a caminho, ansioso por entender o que o Senhor queria para ele e para onde desejava conduzi-lo. A ele cabem as sábias palavras do frei Carlos Mesters: “A luz só se faz é na travessia e na escuridão”. O mais impressionante é que tanto a luz quanto a escuridão de Nouwen serviram como canais de benção e de cura para muitas pessoas.
Por que Nouwen?
Porque em Nouwen descobri um modelo de espiritualidade não focado em performances para Deus, mas em vida, abertura e entrega. Uma vida baseada na honestidade, uma abertura recheada de autenticidade, e uma entrega movida pelo amor e pela paixão de Cristo. Ele foi e continua sendo um modelo atual, pois conseguiu reunir em sua pessoa uma intelectualidade frutífera com o sentimento sincero de quem vive intensamente tanto “por fora” quanto “por dentro”, e a experiência da orientação sábia junto com uma postura de constante quebrantamento diante de Deus e da vida. Sua existência foi um protesto contra o superficialismo e um rompimento com os dualismos perniciosos que se propagaram no cristianismo. Nele vejo o paradoxo belo de uma coerência desarmônica, de uma resiliência frágil e de uma melancolia esperançosa.
O que aprendi com Nouwen?
Dividirei esta breve incursão naquilo que aprendi com Nouwen por temas.
1. Vocação. Aprendi que, embora seja Deus quem chame, confirme e capacite — o que dá um peso enorme à questão — o processo de despertar para e prosseguir em uma vocação não é estático, mas dinâmico. A certeza do caminho vem enquanto caminhamos. Não somos chamados primordialmente para um lugar ou uma função, mas para andar com Jesus em serviço ao seu reino. Isto significa que a pergunta pela vocação nunca será respondida inteiramente; na caminhada estaremos sempre tentando discernir os caminhos. É o que Nouwen fez sua vida toda, como em sua passagem pela América Latina, ou em sua trajetória de uma carreira acadêmica prestigiada em Harvard para uma vida fora dos holofotes entre os deficientes da Arca, em Toronto. Assim ele resumiu: “Tentei discernir a voz de Deus; e, no meio de uma grande variedade de minhas respostas interiores, tentei encontrar o caminho para ser obediente àquela voz” (4).
2. Sofrimento e fragilidade. A vida do ser humano (e do cristão) pode não ser (e como poderia ser?) só sofrer, mas indubitavelmente envolve sofrer. Aprendi com Nouwen que privar-se ou tentar se proteger do sofrimento é como que privar-se da própria vida — e de tudo o que podemos aprender com ela. Entendi que o sofrimento pode nos fazer mais humildes enquanto gente — ou uma gente da mais amarga espécie, dependendo de como o encaramos. O sofrimento me aproxima da, e me ensina a aceitar a, fragilidade de minha condição. Também me aproxima de Deus e me faz vê-lo como um Todo-Poderoso vulnerável, que nem sempre vai me livrar das dores da vida e do mundo, mas que sofrerá comigo sempre que tiver de enfrentá-las, oferecendo inexplicável conforto. Aprendi também que mesmo um ser ferido pode se tornar fonte de cura para as pessoas. E que, como ministro da cura, preciso desfazer-me da ilusão de que serei capaz de explicar o mistério da dor do outro ou de aboli-la; ou de que poderei conduzir alguém para fora do deserto sem tê-lo experimentado em minha própria pele. O sofrimento, assim, pode ser um convite “a depositar nossas feridas e mãos maiores”, e para ver “Deus sofrendo por nós” e nos chamando a compartilhar este sofrer de seu amor por um mundo ferido (5).
3. Integridade. Aprendi com Nouwen que ser cristão tem a ver com desenvolver-se como um ser humano inteiro, aceitando-se a si mesmo como amado de Deus, da maneira como se é e com a vida que lhe foi dada. Isto não significa que tenho que me resignar a um modo de ser torto. Pelo contrário, implica que toda a minha vida pode ser abraçada como um processo em que, pela graça, estou a caminho de me tornar a pessoa que Deus projetou; nada vem fácil ou é instantâneo e nem se confunde com o meramente superficial. Parte-se, portanto, da compreensão de que o ser como um todo, bem como “tudo na vida, por mais insignificante ou difícil que possa parecer, abre-nos para a obra de Deus em nós” (6).
4. Alegria e tristeza. Na vida e pensamento de Nouwen, como já disse antes, pode-se notar um rompimento com dualismos perniciosos. Dentre eles o dualismo que opõe alegria e tristeza. Em nosso mundo, costuma-se pensar que a alegria não pode conviver na mesma casa em que a tristeza está. Assim, a alegria significaria ausência de tristeza e a tristeza, ausência de alegria. Quando, porém, olhamos para a vida em sua complexidade, vemos que muitas vezes elas andam juntas e estão até misturadas. E diria mais: a alegria que se vive se torna mais profunda quando se conhece o que é tristeza. O próprio Jesus, como Nouwen diz, “foi o homem das dores, mas também o homem da total alegria” (7). Aprendi com ele, portanto, que “o cálice da vida é o cálice da alegria tanto quanto é o da tristeza. É o cálice no qual tristezas e alegrias, dor e felicidade, luto e dança nunca se separam. Se as alegrias não pudessem estar onde as tristezas estão, o cálice da vida jamais poderia ser bebido” (8).
5. Comunidade. Vida cristã é vida em comunhão. Comunhão que cria a comunidade — a partir do desejo que Deus cria em nós: “O Deus que vive em nós faz com que reconheçamos o Deus em nossos semelhantes” (9) — e que se manifesta em formas concretas: no perdão, na reconciliação, no gesto de amor, compaixão, preocupação com o outro, na repreensão e no conflito, na intimidade, na amizade, no partir do pão. Com Nouwen, aprendi que a eucaristia é muito mais que mero ritual, é um “gesto humano” que relembra uma presença, a do Cristo com quem me comprometo, e a do irmão e da irmã com os quais me envolvo por causa de Cristo. Segundo Nouwen, mais do que a eucaristia, a “vida eucarística” é que faz a diferença no dia a dia, a cada gole, a cada gesto, como uma celebração constante no seio da graça e na casa de Deus, que existe onde quer que dois ou três estejam reunidos em seu nome. Essa compreensão permitiu com que Nouwen respirasse e vivenciasse a experiência de ser igreja até mesmo em reuniões íntimas com familiares e amigos. Ele disse: “Todos os dias celebro a eucaristia. Às vezes na igreja de minha paróquia, com centenas de pessoas presentes, às vezes na capela de Daybreak, em Toronto, Canadá, com minha comunidade, às vezes em um quarto de hotel, com alguns amigos, e às vezes na sala de estar de meu pai, apenas ele e eu” (10).
A mensagem de Nouwen sobre a comunidade dá o tom de sua espiritualidade: não há um só ser humano que não receba o convite permanente para participar do banquete de celebração do amor do Pai. Sua paixão por Jesus e pelas pessoas se expressou em um enorme apreço e fidelidade à Igreja, como pouco se vê em nossos dias. Embora fosse um contemplativo crítico da realidade, era raro ver Nouwen fazendo críticas muito duras ou usando de acidez e sarcasmo para falar da Igreja. Mesmo em sua verve profética era possível perceber uma ternura sábia e um olhar esperançoso. As maiores transgressões de Nouwen eram transgressões de si mesmo, sempre que falava abertamente de seus pecados, idiossincrasias e temores. Essa foi também a sua maior arte, seu jeito de ser discípulo e ser humano, e sua forma de tomar a cruz.
Notas
(1) Ver: Jonathan MENEZES. “Henri Nouwen”. In: Novos Diálogos. Dicionário de Cristãos Radicais. Disponível em:
(2) BAUMAN, Zygmunt. A arte da vida. Rio de Janeiro: Zahar, 2009, p. 70ss.
(3) NOUWEN, Henri. Diário: o último ano sabático de Henri J. M. Nouwen. São Paulo: Loyola, 2003, p. 170.
(4) Id. Gracias. A Latin American Journal. Maryknoll, New York: Orbis Books, 1993, p. xvii.
(5) Id. Transforma meu pranto em dança. Rio de Janeiro: Textus, 2003, p. 10.
(6) Ibid., p. 15.
(7) Id. A Volta do Filho Pródigo. São Paulo: Paulinas, 1997, p. 128.
(8) Id. Podeis beber do cálice? São Paulo: Loyola, 2002, p. 42.
(9) Id. Com o coração em chamas. Meditação sobre a vida eucarística. Aparecida, SP: Santuário, 2005, p. 62.
(10) Ibid., p. 09.
Jonathan Menezes Professor de história e teologia na Faculdade Teológica Sul Americana e no ISBL – Centro Educacional Evangélico, em Londrina. É mestre em História Social pela Universidade Estadual de Londrina.
@jonmenezes
sábado, 15 de outubro de 2011
Criança, uma pessoa a ser protegida
Por Israel Belo de Azevedo
Um pai policial.
Um menino de dez anos.
Um revólver acondicionado entre as roupas no armário.
Uma professora em uma de suas turmas na escola.
Numa manhã, o pai nota a falta da arma, vai preocupado ao colégio, pergunta ao filho mais velho, que nada sabe sobre o revólver.
Pouco depois, a história desaba sobre a família, atuante numa igreja presbiteriana, que poderia ser batista ou metodista ou assembleana ou católica ou não praticante de qualquer credo.
Com o revólver de trabalho do pai, o menino, que orava em casa e na igreja e que falava dos seus sonhos, dispara numa de suas professoras, que sobrevive, e, em seguida, atira contra si mesmo fatalmente.
O corpo do menino é enterrado e com ele toda e qualquer possibilidade de entendermos o absurdo absoluto. Ele se foi, mas é provável que tenha ficado no pai uma culpa imensa do tamanho do vazio da saudade do seu Davi.
Teria o menino visto nos noticiários alguma informação com este tipo de crime e se deixado influenciar? Nunca saberemos.
Teria o menino algum distúrbio psíquico que não fôra diagnosticado? Nunca saberemos.
Chocados, só nos ocorre que precisamos proteger nossas crianças.
Precisamos proteger nossas crianças das armas de fogo, que não sabem quem as aperta e não conhecem para quem são apontadas. Elas não sabem que matam, mas nós sabemos.
(Quem tem arma em casa pode garantir que o seu filho jamais a pegará?)
Precisamos proteger nossas crianças das drogas socialmente aceitas (como cerveja, cigarro e tranquilizante) e das drogas ainda socialmente recusadas (como maconha, cocaína e crack). Sabemos que a ilusória alegria que produzem tem efeito benéfico de curta duração e efeito maléfico de longo termo. (O princípio do "façam o que eu faço, não o que eu digo" é absolutamente verdadeiro.)
Precisamos proteger nossas crianças de qualquer negação de sua infância, venha ela da publicidade que quer torná-las apenas precoces consumidoras ou do sistema de valores marcados pelo consumismo, pela concorrência e pela disputa, essas coisas que nem os adultos deveriam subscrever como sendo suas marcas.
Precisamos proteger nossas crianças de terem que pagar a conta de nossos erros.
Mais que isto, baixado o silêncio dos meios sobre o drama de São Caetano do Sul, precisamos pensar naquela família como se fosse a nossa e, então (Mateus 7.12), orar por ela, para que Deus não permita que se deixe enterrar com a sua criança.
Precisamos orar todos os dias (o dia todo, se conseguirmos) pelas nossas crianças, como fazia Jó (Jó 1.5), para que sejam livres do mal, até do mal que sequer sabem que o estão cometendo, porque são crianças.
ISRAEL BELO DE AZEVEDO
sábado, 8 de outubro de 2011
COMO CRIANÇAS
Por Richard José Vasquez
Ontem à tarde fui até o centro da cidade do Rio de Janeiro para resolver um assunto importante. Sempre que vou até lá, uso o Metrô, por ser um transporte que me dá maior mobilidade, menor desgaste e otimização de custo. Saí da estação terminal Saens Peña, na Tijuca. Duas estações à frente entraram uma senhora com três crianças, duas meninas e um menino. Todas com idade em torno de sete anos.
Elas faziam a maior festa. Tudo era novidade. Experimentavam tudo: encostar-se à parede do vagão, segurar naqueles tubos que têm essa função, tentar ficar soltas sem se segurar em nada, correr de um lado para o outro, e por aí vai. Sempre sorrindo e conversando umas com as outras. Não paravam um minuto. A senhora que estava com elas procurava alertar para eventuais situações de perigo, com muito carinho.
Num determinado momento, dois lugares do meu lado ficaram vazios e as três crianças vieram sentar-se ali. Continuaram conversando e rindo. Tudo estava bem, elas curtiam cada momento e uma à outra. Sem reservas, a alegria e a comunicação fluíam espontaneamente. Comecei a observar e a pensar: “Por que nós não agimos assim?” Sempre temos muitas reservas e muitas vezes nos “podamos” de usufruir determinadas situações colocadas diante de nós.
No meu pensamento comecei a lembrar que Jesus disse que temos de nos fazer como crianças para recebermos e entrarmos no Reino de Deus (Marcos 10.14-15). Fiz alguns paralelos com relação à minha forma de proceder e de encarar algumas situações. O trem chegou à estação em que eu iria descer. Saí e fui ao meu compromisso. Voltando para casa, aquela imagem vivida no vagão do Metrô continuou em minha mente.
Cheguei em casa. Depois de ajustar algumas coisas relativas ao trabalho, peguei o livro que estou lendo “O Poder de uma vida de Oração” para continuar a minha leitura, a partir do capítulo 3. Na folha anterior ao início desse capítulo está apresentado o seguinte título, para o que o autor chamou de Parte 1 (que cobre os capítulos de 3 a 8): “Aprendendo a orar como criança.” Para completar a relação direta do trem com o livro, os capítulos 3 e 4 têm os seguintes títulos, respectivamente: “Torne-se como uma criança”, e “Aprenda a conversar com o Pai”.
Concluí que Deus está me dando um toque para aprender com as crianças e agir como elas, quando necessário. Não me bloquear. Como criança. Ontem vi também o último programa da Oprah Winfrey, que existiu por 25 anos. Nesse programa foi destacado um fato de homens que sofreram abusos sexuais quando crianças (200 homens se apresentaram no programa com suas fotos quando crianças), enfatizando “a criança que existe dentro de nós e o trauma que ela carrega”.
Fiz então um paralelo: existe uma criança dentro de nós. Isso pode significar que sabemos agir como crianças (pureza, desinteresse, amizade, amor, carinho, solidariedade, falar do jeito que falamos – sem máscara). Quantas vezes colocamos uma máscara para mostrar exatamente o que não somos. Creio que é o momento de refletirmos sobre como estamos agindo. Com máscara ou sem máscara? Estamos sendo nós mesmos? Nos divertimos e agimos como crianças, quando pertinente? Grande abraço, boa semana.
E-mail: rjv@rjv.com.br Website: www.rjv.com.br
sábado, 1 de outubro de 2011
Semana de tratamento intensivo
Philip Yancey
Pensamentos que tive enquanto estava sentado ao lado do meu irmão, vendo seu cérebro e corpo pararem.
"Você senta-se para jantar e a vida como você a conhece acaba" – Joan Didion escreve em memória a morte de seu marido por ataque Cardíaco. Todos que já sofreram uma perda súbita sabem como é o sentimento de queda-livre.
A vida do meu irmão não terminou neste verão, mas sim em uma semana terrível de progressivos golpes.
Seu cérebro começou a desligar partes do seu corpo. Em uma sexta-feira, ele começou a ter problemas de visão.
Na segunda seguinte, dirigiu-se ao médico, que o enviou em uma ambulância a um hospital local.
Na terça-feira, ele falava claramente, algumas vezes, mas outras, apenas emitia sons sem sentido algum.
Quarta, ele podia andar, mas perdera o controle dos movimentos da mão e braço direito.
Na quinta, ele não ficava mais em pé e não conseguia seguir alguns simples comandos. Uma ressonância magnética mostrava um dano cerebral significativo.
Quando cheguei, no dia seguinte, meu irmão mal podia abrir os olhos e tinha perdido os movimentos do lado direito.
As vezes ele apertava minha mão justamente enquanto eu falava, e chorou por muitas vezes, então eu soube que ele entendia algumas coisas.
Após seu cérebro ter se estabilizado, um cirurgião, num procedimento de seis horas, abriu uma pequena janela em seu crânio, redirecionando uma artéria de seu couro cabeludo para dentro de seu cérebro. Passei toda aquela semana dividindo a sala de espera do hospital com outras famílias entre as horas de visita.
Nessas horas, estranhos passam a ser amigos íntimos. Uma mãe contou a história bipolar de sua filha, cujo pulmão, havia sido removido. Nós a víamos na fase maníaca, passeando pelos corredores com seu pacote de medicamentos de dispensacão; em sua fase depressiva os enfermeiros ficavam atentos a sinais suicidas.
Sozinho, sempre com um livro na mão, o namorado de uma jovem mulher, que teve uma overdose de Vicodin, manteve vigília em sua cama por três semanas. Perto dali, um homem indiano traduzia para sua esposa: após uma lesão cerebral, ela tinha perdido a habilidade de falar inglês, voltando a falar sua língua materna. Uma família desesperada colocava cartazes nos elevadores – Ajudem a Salvar a Vida de Nick! – Pedindo para que Americanos de origem asiática doassem medula óssea.
Infelizmente, alguns pacientes não tinham visitas. Diferente de riqueza e status, outras regras governam um hospital: O que tem valor não é o dinheiro, mas sim as visitas e o amor.
O megafone da misericórdia
Idosos parecem crianças e lesões cerebrais trazem alucinações. Pessoas usam palavras simples em torno de você e falam muito alto. Você precisa de ajuda com tarefas básicas como comer e ir ao banheiro.
Após a cirurgia, eu estava em êxtase sobre a habilidade de meu irmão de contar até cinco ou falar as palavras "Feliz Aniversário". Duas semanas antes, ele, um filósofo e grande pianista. Deveria ter visto conversando sobre Nietzsche ou Schubert.
Como um passarinho indefeso com seu bico aberto, nós, sua família ansiávamos por pedaços de esperança vindos da equipe médica. Saí dali com um novo time de heróis: enfermeiras e terapeutas. Jenny das Filipinas, Cristin a loira tatuada, mesmo a "Grande Enfermeira" Mary que poderia virar meu irmão de um lado pro outro com uma das mãos – foram a alegria e incentivo que não o deixaram desistir.
Com uma ânsia infantil, ele tentava agradar os terapeutas que trabalhavam sua fala e movimento. Ocorreu-me enquanto eu assistia esses profissionais, como nós severamente subestimamos o papel de capelães e pastores que fazem visita. Eles também oferecem os tesouros de esperança e conforto, tocando famílias em um momento único de vulnerabilidade e medo. Quantas igrejas de placa recompensam seus pastores por seu tempo gasto em hospitais?
A dor é o megafone de Deus, disse C.S.Lewis, uma imagem preocupante para alguns se isso implica que Deus causa a dor pela qual ele fala. Talvez a imagem da dor como um Trompete de ouvido – dispositivo cônico usado para amplificar o som antes da invenção da prótese auditiva – seja mais precisa. Nas salas de espera, em alas de UTI, até mesmo os agnósticos respiram uma palavra de oração, "Ajuda!" e ficam tensos aguardando alguma resposta. Enquanto trabalhava num hospício, minha esposa comentava sobre a diferença entre os visitantes que diziam "Boa sorte" quando eles deixavam o lugar, e aqueles que diziam "Eu estou orando por você" e faziam isso de verdade.
Meu irmão tentou ser cristão e decidiu que não funcionava pra ele. De um certo modo, ele acreditava ser amaldiçoado por Deus, imperdoavelmente. Na UTI, porém, ele apertava minha mão forte cada vez que eu orava em seu ouvido e muitas lágrimas escorriam por sua face imóvel. Deus pode falar em certos momentos. Lembro-me de como foi importante pra mim, controlar um problema, confrontar minha própria vulnerabilidade e dependência após ter quebrado meu pescoço em um acidente de carro há dois anos. Eu deixei o hospital em uma "Graça ofuscante" com uma imensa gratidão pela vida, que eu tenho esperança, de que nunca vai desaparecer.
Para serviços de tumulo o livro "Book of Common Prayer" inclui a verdade sombria, "No meio da vida nós estamos na morte." Nada demonstrou tão bem a fragilidade e a preciosidade da vida do que uma semana na UTI.
Tradução Filipe Menezes
sábado, 24 de setembro de 2011
Rumo ao bom final
Por Ricardo Agreste
“A vida não é uma corrida de 100 metros rasos, mas uma longa maratona.”
Um de meus mentores espirituais é um pastor de idade já bem avançada, homem que considero um verdadeiro servo de Deus. Certa vez, comentei com ele acerca de um jovem pastor que eu ouvira pregar. Disse a ele o quão impressionado fiquei com a paixão que ele demonstrara e com a facilidade com que comunicava suas idéias. Depois de ouvir-me pacientemente, aquele experiente ministro pôs uma de suas mãos sobre o meu ombro e declarou: “Meu filho, eu também me impressionava com aqueles que começam bem. Hoje, depois de ter visto muitas coisas, aprendi a simplesmente reverenciar aqueles que terminam bem”.
Vivemos envolvidos por uma cultura que celebra o sucesso, principalmente daqueles que o alcançam em idade ainda bem jovem. As revistas voltadas ao mundo corporativo estampam em suas capas fotos de executivos que se tornaram milionários, por exemplo, aos 30 anos de idade. No mundo dos esportes, são muitos os atletas que se destacam ainda na adolescência e tornam-se astros mundiais antes dos vinte. No entanto, quantos destes precoces vencedores alcançarão a terceira idade ainda contando com a admiração e o respeito das pessoas?
É claro que não há nada de errado em alcançar sucesso e vitórias nas etapas iniciais da vida. Nas páginas das Escrituras, conhecemos a trajetória de muitos homens e mulheres que se tornaram referência para suas gerações ainda jovens. É importante para o Reino de Deus que os cristãos se destaquem em suas áreas de atuação, alcançando assim posição de autoridade e influência na sociedade. Nesta posição, poderão ser grandemente usados por Deus para a promoção dos valores do Evangelho, levando muitas pessoas a conhecer a salvação que há em Cristo. Todavia, é preciso aguçar nossa percepção acerca do perigo que nos espreita quando simplesmente nos deixamos levar por este movimento acelerado na direção do sucesso que caracteriza nossa cultura, sem qualquer atenção para com as bases sobre as quais o mesmo é construído.
A busca desenfreada – e a qualquer custo – pelo sucesso tem feito inúmeras vítimas. Cresce a cada dia o número daqueles que começam bem, mas não caminham para um final com o mesmo brilho na esfera pessoal, familiar, profissional e eclesiástica. Com efeito, cada vez mais gente chega ao topo com trinta ou quarenta anos de idade – mas vemos bem poucos homens e mulheres dignos de reverência e admiração em sua idade provecta.
Mas qual então seria o caminho para a vida na direção de um bom final? Quando pessoalmente paro para refletir nesta pergunta, o que me vem à mente são algumas frases que me foram ditas, ao longo de minha jornada, por pessoas que optaram pela sabedoria e a construção da vida na direção de um futuro melhor. Dentre estas frases, três são aquelas que nos convidam a uma avaliação mais profunda de nossa caminhada. A primeira diz que “a vida não é uma corrida de 100 metros rasos, mas uma longa maratona”. Envolvidos pela cultura do sucesso e da celebração da juventude, muitas vezes somos tentados a pensar na vida como algo curto, onde o que mais vale é chegar rápido a algum lugar. Aqueles dois tipos de prova requerem atletas de perfis bem diferentes. Velocistas são ágeis e espertos; maratonistas, perseverantes e sábios. Logo, se concebermos a vida como uma maratona e se nosso alvo é terminá-la bem, precisamos optar pela perseverança diante das adversidades e pela sabedoria constante como a melhor solução diante das variadas circunstâncias.
“Nosso papel é aprofundar nossas vidas. Torná-las relevantes é papel de Deus”. Esta é a segunda frase que trata da vida em perspectiva. Nestes tempos de luta por oportunidades, as pessoas gastam muita energia e recursos promovendo o chamado marketing pessoal. É preciso, afinal de contas, fazer-se necessário e relevante, seja a que preço for, e o mais rapidamente possível. No entanto, na maioria das vezes, este tipo de influência ou relevância mostra-se artificial e sem consistência na própria vida das pessoas, na medida em que o tempo se prolonga. Bem diferente deste modelo é aquela influência e relevância derivada de uma vida construída sobre uma relação profunda com o Senhor através de uma espiritualidade saudável e contagiante. Este deve ser nosso foco primário.
Outra frase que nos convida à reflexão é a seguinte: “Integridade é aquilo que somos quando ninguém nos observa.” Em nosso mundo atual, as escolas, universidades, seminários teológicos e organizações têm colocado seus esforços na formação de competências que propiciem o sucesso nas mais variadas áreas de atuação. Pouca ou nenhuma ênfase tem sido dada no fator integridade. Logo, não são poucos aqueles que demonstram grande habilidade e potencial no desempenho das funções que lhes foram confiadas, galgando facilmente posições de destaque. Mas não conseguem permanecer ali porque não foram incentivados a lidar com a mesma seriedade quando o assunto é integridade.
Construir uma existência que começa e termina bem é um desafio que passa por duas convicções. A primeira é a certeza bíblica de que aquele que começou a boa obra em nós – o Senhor – vai completá-la até o dia final, de acordo com Filipenses 1.6. Nossa confiança no cuidado de Deus para conosco e nossa rendição sincera aos seus processos em nossas vidas nos conduzirão ao bom final. A segunda é a certeza de que, mesmo quando nossas escolhas não são as melhores e nossos atos sejam equivocados, ele é o Deus que apaga nossas transgressões e faz novas todas as coisas, colocando caminhos no deserto e riachos no ermo, conforme as palavras do profeta Isaías.
sábado, 17 de setembro de 2011
Falando de inveja
Por Esther Carrenho
A inveja é um dos sentimentos mais difíceis de serem identificados e reconhecidos. Ignoramos que não há ninguém que respire que seja tão bem resolvido na vida a ponto de nunca desejar, pelo menos um pouco, daquilo que se admira no outro. O sentimento da inveja é filho da admiração – o que não significa que não exista admiração sem inveja. Mas onde existir a inveja, com certeza, houve a admiração antes. A inveja, enquanto sentimento, não é boa nem má. É apenas o desejo de possuir ou ser o que o outro tem ou é. O que pode ser mau ou bom é o comportamento que adotarmos diante desse sentimento. Traçado o limite entre a admiração e a inveja, o que importa é cada um identificar no próprio coração qual é a reação que aflora e que poderá determinar seu comportamento.
Podemos reagir de três formas quando identificamos e aceitamos em nós mesmos o sentimento de inveja. A primeira forma é reconhecer que se quer o que o outro é ou tem, avaliando as possibilidades reais de ser ou possuir o que admiramos no próximo. Posso desejar ter um carro de luxo caro, mas quando faço as contas descubro que, com o salário que ganho, é impossível adquirir um. Diante disso, há quem abra mão de outras coisas, esforça-se mais e se sacrifique para conquistar aquele objetivo. Neste caso, o sentimento de inveja foi positivo: um estímulo para o uso dos próprios recursos no empenho de conseguir o que se deseja.
A segunda reação é quando admiramos e desejamos o que outro tem, mas diante da impossibilidade de tê-lo passamos a desvalorizar e criticar aquilo que não temos condições de adquirir. No caso do carro, o invejoso diria: “Este carro não presta. Consome muito combustível, sua manutenção é caríssima e ocupa muito espaço.” Às vezes, esse tipo de comportamento até começa com um elogio, mas logo em seguida vem a crítica, o menosprezo. E a terceira maneira de reagir diante da inveja é quando, diante da impossibilidade de conseguir o que desejamos, adotamos um comportamento destrutivo em relação à pessoa e ou aos bens que são alvo dos nossos desejos. É o caso da pessoa, que muitas vezes, até sem perceber, assume uma postura de: “Já que não posso ter, você também não terá.”
O lado bom da história é que podemos tirar proveito quando detectamos os sentimentos de inveja no nosso coração. Eles apontam para uma deficiência na capacidade de reconhecer o nosso próprio valor, o nosso potencial, e desenvolvê-lo de tal forma que se tornem uma fonte de contentamento e realização. Enquanto simplesmente invejamos o próximo, tiramos o foco do que somos e temos, e gastamos inutilmente uma energia que poderia ser canalizada para o desenvolvimento das nossas habilidades e talentos. Tentamos a todo custo ter a vida do outro. E nessa tentativa perdemos a oportunidade de sermos nós mesmos.
Um dos provérbios do rei Salomão já nos adverte que a inveja é a podridão dos ossos. A Bíblia tem também um bom exemplo disso. Quando o filho pródigo da parábola – aquele que saiu de casa à revelia do pai e consumiu toda sua herança – voltou para casa, ganhou um banquete de recepção. Seu irmão mais velho, que sempre ficou ao lado do pai, sentiu-se injustiçado – afinal, embora tivesse permanecido sempre em casa, seguindo fielmente as ordens paternas, nunca tivera uma festa daquelas. A resposta do pai esclarece que o filho mais velho é que não sabia desfrutar do que tinha: “Meu filho, tudo que é meu é seu”.
O que na realidade aconteceu foi que o irmão mais velho não conseguiu tomar posse do que tinha conquistado por direito. E este é o pior castigo para quem é dominado pelo sentimento de inveja – ele não usa e nem desfruta do que tem por direito, e também não consegue festejar e se alegrar com o que o outro tem. E ainda coloca a culpa em terceiros. Não sabemos qual foi a resposta deste jovem para o pai. Seria muito bom se ele tivesse reconhecido que tinha inveja do presente dado ao irmão e dificuldade em usufruir o que já lhe pertencia. É claro que o pai desta parábola contada por Jesus representa Deus, que sempre nos acolhe e nos restaura diante de nosso arrependimento.
Não há duas pessoas iguais no mundo. Cada um tem personalidade e habilidades que são únicas, mas que esperam ser reconhecidas e desenvolvidas. O ideal seria que o jeito de ser de cada um, bem como suas habilidades, recebessem um olhar de aprovação desde o nascimento. É assim que aprendemos desde cedo a nos alegrar com o que somos. Mas nem sempre é isso que acontece. No desejo de agradar, deixamos de lado o que naturalmente somos e nos esforçamos para sermos iguais àqueles que são apontados como modelos, seja pelo que são ou pelo que têm. A solução, depois do estrago feito, é cada um se reencontrar no próprio espaço, onde possa ser ele mesmo, com todas suas características e talentos – tanto os natos como os aprendidos.
Sempre é possível resgatar quem de verdade se é. E esta é uma busca que o indivíduo deve fazer para dentro de si mesmo, para, a partir daí, se doar e ser um caminho de bondade e amor para com aqueles que vivem à sua volta. Assim, faremos para nós mesmos nossas próprias festas e teremos recursos para nos alegrarmos e celebrarmos a alegria dos outros.
sábado, 10 de setembro de 2011
À Brasileira
Por Ariovaldo Ramos
Vou contar-lhes a história de um homem doente:
Não era qualquer ente, embora fosse comum.
Ele morava na Galiléia, em Cafarnaum.
Ele tinha 4 amigos, parteiros como só!
Parteiros dão a luz, não nos deixam desistir!
Põem a gente no caminho, insistem pra gente ir!
Hã amigos coveiros também, esses não digo que se tenha...
Transformam sonhos em lenha, pra evitar-nos o vexame!
Não sabem que todo vivente tem de passar por exame!
Que de queda em levantamento,
É que surge o monumento; e o sujeito faz o nome!
O moço não andava, e nem tinha esperança!
Mas tinha 4 amigos... Desde o tempo de criança!
Que nunca desistiram do amigo enfermiço!
Mantiveram o tento atento, pois tinham compromisso:
Esperavam um movimento do Deus que a tudo conduz!
E Ele se moveu, desde Nazaré, com o nome de Jesus!
E lá vão eles a carregar, num catre cadeia,
O paralítico que os tinha, amigos à mancheia!
Mas a casa estava lotada, e os corações empedernidos;
Estavam todos acomodados, não ligaram pros amigos!
Que gritaram e clamaram frente à necessidade!
Mas quem fura o bloqueio da insensibilidade?
Vamos ao telhado, cada um use o seu dom!
Façamos um buraco onde esteja o pregador!
É provável que tanto mover faça calar o seu som...
Mas se Ele veio de Deus, então veio por amor!
E não terá outra reação, senão acolher a nossa dor.
E foi assim que se fez, e foi assim que deu certo!
Jesus olhou pra cima, Jesus mirou o teto.
Viu, no catre, um doente, e, nos amigos, fé fervente.
Jesus deu um sorriso, não ligou para o repente!
Estava ali pra isso mesmo...
Para que tudo o que falava, virasse vida em gente!
Imagine a surpresa daquela população!
Que não ouviu aos amigos, na sua consternação!
Observando a Jesus parando a sua atividade,
Para atender o suplico de amigos de verdade!
E Jesus surpreendeu: não falou palavra de cura!
E com aparente secura, falou palavra de perdão!
E reagiram os fariseus: vejam que ousadia!
E entreolharam-se os amigos: como é que ele sabia?
Ora, só há cura porque houve perdão!
Porque o sangue é conhecido antes do mundo a fundação!
E foi o Cristo, que propôs essa questão.
E o perdão, que cura... Levanta e caminha.
E, como disse o poeta, vão os 5, a pular amarelinha!
E enquanto pulam cada casa, veem o fim da linha:
Vivem o protótipo da Igreja, isso é preciso que se veja!
É o sonho de Jesus... Um mundo de amigos!
O fim dos desvarios antigos: fim do ódio e da peleja!
É o que nos faz cantar aqui, no confim de todo lugar,
Com frevo no coração, no suingue do baião;
Com um samba bom pra se curar!
Soando nossos tambores, erguemos a humanidade de dores,
Para que Deus, do alto, veja... A fé de sua igreja!
A clamar para o homem, liberdade!
E Deus, que ama de verdade,
Assim como, um dia disse luz, dirá, com certeza:
Meus filhos... Assim seja!
sábado, 3 de setembro de 2011
Fé é também obedecer
Por Ronaldo Lidório
Hebreus é um dos livros mais fascinantes de toda a Bíblia e nos conduz a crer que a missão da Igreja está fundamentada em Cristo. Este livro fortemente cristocêntrico apresenta Jesus logo no primeiro capítulo como O resplendor da glória, Herdeiro de todas as coisas, Sustentador do universo, Purificador de pecados, Majestoso e Superior aos anjos.
Inicia com dois versos que falam que Deus havia outrora falado e que hoje o faz através do seu Filho, Jesus Cristo, expondo que a fé cristã não é apenas um aglomerado de informações históricas mas é para hoje, nossos dias, nosso tempo.
Um dos principais temas deste livro é a fé. Enquanto a fé crê no invisível a superstição crê no inexistente. No capítulo 11 encontramos a galeria dos heróis da fé, aqueles que traduziram o conhecimento de Deus para a vida com Deus.
Se estamos sem direção nos lembramos de Abraão que saiu sem saber para onde ir, mas na dependência de Deus seguiu para a terra prometida. Se estamos no fim da vida nos lembramos de Jacó, que terminou seus dias prostrado em seu cajado, adorando ao Senhor. Se temos grande responsabilidade sobre nós lembramos de Moisés conduzindo uma nação inteira durante 40 anos de peregrinação por um deserto. Se somos discriminados lembramos de Raabe que era uma prostituta mas foi escolhida por Deus para ser da linhagem de Davi. A fé é transformadora e consoladora, fundamentada em um Deus que controla o incontrolável.
Hebreus afirma que eles creram, portanto, obedeceram. Assim nos apresenta uma fé não utilitária, fundamentada nos desejos humanos, mas sim obediente, fundamentada nos desejos de Deus. Não é manipulada pelo homem mas sim um instrumento para que o homem seja usado por Deus. Desta forma Hebreus nos fala que pela fé ruíram as muralhas de Jericó, subjugaram reinos, obtiveram promessas, fecharam bocas de leões, mulheres receberam pela ressurreição os seus mortos. Esta fé nos ensina que o impossível pode, a qualquer momento, acontecer, se o Senhor assim desejar.
Há, porém, o outro lado das ações fundamentadas na fé, pois Hebreus nos diz que estes que creram, possuidores de fé,foram torturados, passaram pela prova de açoites, foram apedrejados, provados, serrados pelo meio, mortos ao fio da espada, andaram peregrinos. É a fé que nos prepara para continuar crendo mesmo no vale da sombra da morte. Uma fé que não apenas produz resultados mas prepara o cristão para passar pelo vale do sofrimento sem deixar de crer.
Hebreus nos diz também que somos estrangeiros e peregrinos. Refere-se àqueles que estão de passagem pela terra e nos lembra que não é aqui que devemos guardar nossos mais preciosos investimentos, que os bens desta terra são transitórios, que a eternidade nos aguarda. Ajuntemos tesouros nos céus.
Fé e fidelidade não são apenas termos etimologicamente próximos. Seus conceitos na Palavra caminham de mãos dadas. Devemos, portanto, crer para a fidelidade e não apenas para nosso contentamento. Abraão, que creu, saiu de sua terra sem saber para onde ir . Obedeceu. Uma igreja que crê é uma igreja que sai para mostrar Jesus ao mundo, que nega a si mesma, seus interesses e tesouros transitórios para investir na eternidade, que não deseja ser honrada na terra mas sim ser sal da terra. Crer é confiar, mas não apenas isto. É também permanecer no caminho e obedecer.
sábado, 27 de agosto de 2011
Deus e o sofrimento humano
Ed René Kivitz
Se Deus é onipotente, pode tudo. Se pode tudo, porque não evita o sofrimento? Se não o evita, é sinal de que ou não é onipotente ou não é bom.
Acho que Epicuro foi quem formulou a questão a respeito da relação entre a onipotência e a bondade de Deus. A coisa é mais ou menos assim: se Deus existe, ele é todo poderoso e é bom, pois não fosse todo-poderoso, não seria Deus, e não fosse bom, não seria digno de ser Deus. Mas se Deus é todo-poderoso e bom, então como explicar tanto sofrimento no mundo? Caso Deus seja todo-poderoso, então ele pode evitar o sofrimento, e se não o faz, é porque não é bom, e nesse caso, não é digno de ser Deus. Mas caso seja bom e queira evitar o sofrimento, e não o faz porque não consegue, então ele não é todo-poderoso, e nesse caso, também não é Deus. Escrevendo sobre a Tsunami que abalou a Ásia, o Frei Leonardo Boff resume: "Se Deus é onipotente, pode tudo. Se pode tudo porque não evitou o maremoto? Se não o evitou, é sinal de que ou não é onipotente ou não é bom".
Considerando, portanto, que não é possível que Deus seja ao mesmo tempo bom e todo-poderoso, a lógica é que Deus é uma impossibilidade filosófica, ou se preferir, a idéia de Deus não faz sentido, e o melhor que temos a fazer é admitir que Deus não existe.
Parece que estamos diante de um dilema insolúvel. Mas Einstein nos deu uma dica preciosa. Disse que quando chegamos a um "problema insolúvel", devemos mudar o paradigma de pensamento que o criou. O paradigma de pensamento que considera o binômio "onipotência/bondade" como ponto de partida para pensar o caráter de Deus nos deixa em apuros. Existiria, entretanto, outro paradigma de pensamento? Será que as palavras "onipotência" e "bondade" são as que melhor resumem o dilema de Deus diante do mal e do sofrimento do inocente? Há outras palavras que podem ser colocadas neste quebra-cabeça?
Este problema foi enfrentado por São Paulo, apóstolo, em seu debate com os filósofos gregos de seu tempo. A mensagem cristã era muito simples: Deus veio ao mundo e morreu crucificado. Pior do que isso: Deus havia sido crucificado num "jogo de empurra" entre judeus e romanos, isto é, diferentemente dos outros deuses, o Deus cristãos havia sido morto não por deuses mais poderosos, mas por homens. Sendo Deus, jamais poderia ser morto por mãos humanas, e sendo o Deus onipotente, jamais poderia nem mesmo ser morto. Paulo, apóstolo, estava, portanto, diante de um dilema semelhante ao proposto por Epicuro: Deus era uma impossibilidade filosófica.
Foi então que os apóstolos surgiram com uma resposta tão genial que os cristãos acreditamos que foi soprada pelo Espírito Santo: antes de vir ao mundo ao encontro dos homens, Deus se esvaziou da sua onipotência,[i] isto é, abriu mão do exercício de sua onipotência, e por amor,[ii] deixou-se matar por eles.[iii] (Eu disse que "Deus abriu mão do exercício de sua onipotência", bem diferente de "Deus abriu mão de sua onipotência").
O apóstolo Paulo admitia que não era possível pensar em Deus sem considerar o binômio bondade/onipotência. Optou pela palavra amor, assim como o apóstolo João, que afirmou "Deus é amor",[iv] e afirmou que Jesus de Nazaré foi Deus encarnado na forma de Amor, e não Deus encarnado na forma de Onipotência.
Isso faz todo o sentido. Um Deus que viesse ao encontro das pessoas em trajes onipotentes chegaria para se impor e reivindicar obediência irrestrita, impressionando pela sua majestade e força sem iguais. Jung Mo Sung adverte que "a contrapartida do poder é a obediência, enquanto a contrapartida do amor é a liberdade".[v] Também assim pensou o apóstolo Paulo, ao afirmar que o que constrange as pessoas a viver para Deus é o amor de Deus (demonstrado na morte de Jesus na cruz),[vi] e nunca o poder de Deus.
Na verdade, "Deus não tinha escolha". Ao decidir criar o ser humano à sua imagem e semelhança, deveria cria-lo livre. Desejando um relacionamento com o ser humano, deveria dar ao ser humano a liberdade de responder voluntariamente ao seu amor, sob pena de ser um tirano que arrasta para sua alcova uma donzela contrariada. Somente o amor resolveria esta equação, pois somente o amor dá liberdade para que o outro seja livre, inclusive para rejeitar o amor que se lhe quer dar.
Ricardo Gondim me introduziu ao pensamento de Comte-Sponville.[vii] Este ateu confesso (como bom francês) discorre a respeito do amor divino como poucos que já li. Acredita que o amor divino é um ato de diminuição, uma fraqueza, uma renúncia. Usa os argumentos de Simone Weil: "a criação é da parte de Deus um ato não de expansão de si, mas de retirada, de renúncia. Deus e todas as criaturas é menos do que Deus sozinho. Deus aceitou essa diminuição. Esvaziou de si uma parte do ser. Esvaziou-se já nesse ato de sua divindade. É por isso que João diz que o Cordeiro foi degolado já na constituição do mundo. Deus permitiu que existissem coisas diferentes Dele e valendo infinitamente menos que Ele. Pelo ato criador negou a si mesmo, como Cristo nos prescreveu nos negarmos a nós mesmos. Deus negou-se em nosso favor para nos dar a possibilidade de nos negar por Ele. As religiões que conceberam essa renúncia, essa distância voluntária, esse apagamento voluntário de Deus, sua ausência aparente e sua presença secreta aqui embaixo, essas religiões são a verdadeira religião, a tradução em diferentes línguas da grande Revelação. As religiões que representam a divindade como comandando em toda parte onde tenha o poder de fazê-lo são falsas. Mesmo que monoteístas, são idólatras".
Você já imagina onde quero chegar. Isso mesmo, entre a onipotência e a bondade de Deus existe a liberdade do homem, e o compromisso de Deus em respeitar esta liberdade. Isso ajuda a entender porque existe tanto sofrimento no mundo. O mal não procede de Deus e não é promovido ou determinado por Deus. O mal é conseqüência inevitável da liberdade humana, que teima em dar as costas para Deus e tentar fazer o mundo acontecer à sua própria maneira. Diante do mal e do sofrimento, o Deus com os homens, encarnado em Amor, também sofre, se compadece, tem suas entranhas movidas de compaixão.[viii]
Mas você poderia perguntar, porque razão Deus não acaba com o mal. Isso é simples: Deus não acaba com o mal porque o mal não existe. Marilena Chauí diz que "o mal é o pecado, isto é, a transgressão da lei divina que o primeiro homem e a primeira mulher praticaram. Sua punição foi o surgimento de outros males: morte, doença, dor, fome, sede, frio, tristeza, ódio, ambição, luxúria, gula, preguiça, avareza. Pelo mal, a criatura afasta-se de Deus, perde a presença divina e a bondade original que possuía. O mal, portanto, não é uma força positiva da mesma realidade que o bem, mas é pura ausência de bem, pura privação do bem, negatividade, fraqueza. Assim a treva não é algo positivo, mas simples ausência da luz, assim também o mal é pura ausência do bem. Há um só Deus, e o mal é estar longe e privado dele, pois ele é o bem e o único bem". Em outras palavras, o mal não existe, o que existe é o malvado, aquele que faz surgir o mal porque se afasta de Deus, o supremo e único bem.
Ariovaldo Ramos resumiu isso ao afirmar que "para acabar com o mal, Deus teria que acabar com o malvado". Mas, sendo amor, entre acabar com o malvado e redimir o malvado, Deus escolheu sofrer enquanto redime, para não negar a si mesmo destruindo o objeto do seu amor. Por esta razão Deus "se diminui", esvazia-se de sua onipotência, e se relaciona com a humanidade com base no amor, fazendo nascer o sol sobre justos e injustos,[ix] e mostrando sua bondade, dando chuva do céu e colheitas no tempo certo, concedendo sustento com fartura e um coração cheio de alegria a todos os homens.[x]
É uma pena que Epicuro não tenha lido os apóstolos cristãos, não tenha corrido no parque ao lado de Ricardo Gondim, e não tenha ouvido Ariovaldo Ramos pregar, e nem tenha assistido a aula que tive com Jung Mo Sung esta semana.
[i] Carta aos Filipenses 2.6-8[i]
[ii] Evangelho de João 3.16
[iii] Atos dos Apóstolos 2.23
[iv] Primeira Carta de João 4.7
[v] Notas de sala de aula: Pós Graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo
[vi] 2Coríntios 5.14,15
[vii] Recomendo Comte-Sponville, André, Pequeno tratado das grandes virtudes, São Paulo: Martins Fontes, 1995, especialmente o capítulo 18: Amor.
[viii] Evangelho de São Mateus 9.36; 14.14
[ix] Evangelho de São Mateus 5.44,45
[x] Atos dos Apóstolos 14.17
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