sábado, 1 de outubro de 2011

Semana de tratamento intensivo


Philip Yancey

Pensamentos que tive enquanto estava sentado ao lado do meu irmão, vendo seu cérebro e corpo pararem.

"Você senta-se para jantar e a vida como você a conhece acaba" – Joan Didion escreve em memória a morte de seu marido por ataque Cardíaco. Todos que já sofreram uma perda súbita sabem como é o sentimento de queda-livre.

A vida do meu irmão não terminou neste verão, mas sim em uma semana terrível de progressivos golpes.

Seu cérebro começou a desligar partes do seu corpo. Em uma sexta-feira, ele começou a ter problemas de visão.

Na segunda seguinte, dirigiu-se ao médico, que o enviou em uma ambulância a um hospital local.

Na terça-feira, ele falava claramente, algumas vezes, mas outras, apenas emitia sons sem sentido algum.

Quarta, ele podia andar, mas perdera o controle dos movimentos da mão e braço direito.

Na quinta, ele não ficava mais em pé e não conseguia seguir alguns simples comandos. Uma ressonância magnética mostrava um dano cerebral significativo.

Quando cheguei, no dia seguinte, meu irmão mal podia abrir os olhos e tinha perdido os movimentos do lado direito.

As vezes ele apertava minha mão justamente enquanto eu falava, e chorou por muitas vezes, então eu soube que ele entendia algumas coisas.

Após seu cérebro ter se estabilizado, um cirurgião, num procedimento de seis horas, abriu uma pequena janela em seu crânio, redirecionando uma artéria de seu couro cabeludo para dentro de seu cérebro. Passei toda aquela semana dividindo a sala de espera do hospital com outras famílias entre as horas de visita.

Nessas horas, estranhos passam a ser amigos íntimos. Uma mãe contou a história bipolar de sua filha, cujo pulmão, havia sido removido. Nós a víamos na fase maníaca, passeando pelos corredores com seu pacote de medicamentos de dispensacão; em sua fase depressiva os enfermeiros ficavam atentos a sinais suicidas.

Sozinho, sempre com um livro na mão, o namorado de uma jovem mulher, que teve uma overdose de Vicodin, manteve vigília em sua cama por três semanas. Perto dali, um homem indiano traduzia para sua esposa: após uma lesão cerebral, ela tinha perdido a habilidade de falar inglês, voltando a falar sua língua materna. Uma família desesperada colocava cartazes nos elevadores – Ajudem a Salvar a Vida de Nick! – Pedindo para que Americanos de origem asiática doassem medula óssea.

Infelizmente, alguns pacientes não tinham visitas. Diferente de riqueza e status, outras regras governam um hospital: O que tem valor não é o dinheiro, mas sim as visitas e o amor.

O megafone da misericórdia

Idosos parecem crianças e lesões cerebrais trazem alucinações. Pessoas usam palavras simples em torno de você e falam muito alto. Você precisa de ajuda com tarefas básicas como comer e ir ao banheiro.

Após a cirurgia, eu estava em êxtase sobre a habilidade de meu irmão de contar até cinco ou falar as palavras "Feliz Aniversário". Duas semanas antes, ele, um filósofo e grande pianista. Deveria ter visto conversando sobre Nietzsche ou Schubert.

Como um passarinho indefeso com seu bico aberto, nós, sua família ansiávamos por pedaços de esperança vindos da equipe médica. Saí dali com um novo time de heróis: enfermeiras e terapeutas. Jenny das Filipinas, Cristin a loira tatuada, mesmo a "Grande Enfermeira" Mary que poderia virar meu irmão de um lado pro outro com uma das mãos – foram a alegria e incentivo que não o deixaram desistir.

Com uma ânsia infantil, ele tentava agradar os terapeutas que trabalhavam sua fala e movimento. Ocorreu-me enquanto eu assistia esses profissionais, como nós severamente subestimamos o papel de capelães e pastores que fazem visita. Eles também oferecem os tesouros de esperança e conforto, tocando famílias em um momento único de vulnerabilidade e medo. Quantas igrejas de placa recompensam seus pastores por seu tempo gasto em hospitais?

A dor é o megafone de Deus, disse C.S.Lewis, uma imagem preocupante para alguns se isso implica que Deus causa a dor pela qual ele fala. Talvez a imagem da dor como um Trompete de ouvido – dispositivo cônico usado para amplificar o som antes da invenção da prótese auditiva – seja mais precisa. Nas salas de espera, em alas de UTI, até mesmo os agnósticos respiram uma palavra de oração, "Ajuda!" e ficam tensos aguardando alguma resposta. Enquanto trabalhava num hospício, minha esposa comentava sobre a diferença entre os visitantes que diziam "Boa sorte" quando eles deixavam o lugar, e aqueles que diziam "Eu estou orando por você" e faziam isso de verdade.

Meu irmão tentou ser cristão e decidiu que não funcionava pra ele. De um certo modo, ele acreditava ser amaldiçoado por Deus, imperdoavelmente. Na UTI, porém, ele apertava minha mão forte cada vez que eu orava em seu ouvido e muitas lágrimas escorriam por sua face imóvel. Deus pode falar em certos momentos. Lembro-me de como foi importante pra mim, controlar um problema, confrontar minha própria vulnerabilidade e dependência após ter quebrado meu pescoço em um acidente de carro há dois anos. Eu deixei o hospital em uma "Graça ofuscante" com uma imensa gratidão pela vida, que eu tenho esperança, de que nunca vai desaparecer.

Para serviços de tumulo o livro "Book of Common Prayer" inclui a verdade sombria, "No meio da vida nós estamos na morte." Nada demonstrou tão bem a fragilidade e a preciosidade da vida do que uma semana na UTI.

Tradução Filipe Menezes

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