segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Intimidade com Deus refletida na partilha do pão‏

por Carlos Queiroz


"Pai nosso que estás nos céus"

Em Mateus a oração do "Pai Nosso" faz parte do famoso e conhecido Sermão da Montanha, proferido por Jesus. Neste sermão, Jesus trata cada assunto com a simplicidade da vida ao mesmo tempo em que aprofunda os seus ensinamentos. Para John Stott o sermão é radical, pelo fato de Jesus lidar com temas relevantes da existência humana e os trata a partir da raiz dos problemas. Nesse contexto é introduzida a oração ensinada aos discípulos do Senhor. Portanto, com a mesma perspectiva e radicalidade do sermão. Jesus não pretende ensinar uma oração a ser meramente repetida na superficialidade litúrgica, não uma forma, que somente decorada e reproduzida, traga efeitos mágicos à vida dos seus seguidores. Orar, segundo o estilo de Jesus Cristo, não se resume na formulação de jargões, fraseados bem construídos, mesmo que elaborados com estilo e fundamentos bíblicos e teológicos. Naturalmente não descartamos a beleza de uma oração bem elaborada. Os salmos, por exemplo, são peças elaboradas com fundamentação teológica correta, e poesias feitas com muita técnica e maestria.

Todavia, orar na experiência de Jesus era um modelo de ser acolhido pelo Pai na privacidade da vida, na intimidade do lugar secreto. "O Pai que vê em secreto..." Seja este lugar o quarto, onde podemos orar de joelhos, rosto em terra, com lágrimas ou sem lágrimas, lugar onde, despir ou não despir, não fará diferença. Seja este lugar o deserto solitário ou a noite silenciosa, o importante e significativo na oração é manter a relação íntima paterno-filial com Deus de onde desabrocham os relacionamentos com as demais pessoas e a maneira de se encarar a dor e sofrimento dos que não possuem pão.

Do ponto de vista da forma e estruturação litúrgica o "pai nosso" não inovou em basicamente nada. A inovação que faz a grande diferença entre o "Pai nosso que estás nos céus" e as demais orações é a seguinte.

Primeiro: "O Pai Nosso" enfoca uma nova maneira de nos colocarmos diante de Deus numa profunda e pessoal relação de amizade de pai para filho. Sem esta relação íntima com o Pai não adiantam formas, lugares, bons hábitos de oração, linguagem rebuscada, correta e burocrática das liturgias religiosas. Oração ao Pai antes de ser um modelo prefixado requer uma entrega na base da confiança, um relacionamento alicerçado no amor, um desejo profundo de ser amado e perdoado pelo Pai. Este aspecto inovador relacional com Deus na oração de Jesus, é exclusivo dEle e dos seus discípulos. Jesus começa a oração usando uma palavra aramaica com a qual o filho se dirigia ao Pai dentro de casa e que significa "papai". Fora de casa, o pai era tratado por "senhor". Jesus ao orar várias vezes "Abba-Pai" não o fazia para conquistar uma intimidade, mas para expressar a relação familiar já existente. Abba-pai é a oração da intimidade do quarto: "Tu, porém quando orares entra no teu quarto, e fechada a porta, orarás a teu pai que está em secreto e teu pai que está em secreto te recompensará." (v.6.). O termo grego utilizado, "tameion" é mais sugestivo do que quarto. "Tameion" é o lugar onde se guarda o tesouro, depósito subterrâneo; lugar de difícil acesso. Fora do lugar secreto, ou "tameion", a oração torna-se manipulável a serviço da publicidade e propaganda do orante.

Jesus não está ensinando uma oração privada individualista, mas procurando desmascarar a futilidade do uso publicitário da oração para o prestígio pessoal. Era assim o estilo dos hipócritas; "...gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, para serem vistos dos homens". (v.5.). Portanto, "Abba-Pai" na intimidade, de modo que somente o pai perceba, é uma disciplina espiritual que nos ajuda a crucificar o exibicionismo e a hipocrisia.
"Abba-Pai" é a oração de homens e mulheres a quem Deus conhece e sabe de suas necessidades (v.7). Por isso não temos necessidade de nos assemelharmos aos gentios ou pagãos. Àqueles que oram repetindo palavras, fórmulas na tentativa de inclinar Deus aos seus desejos, estão orando à semelhança dos pagãos. Os pagãos acreditavam que os seus deuses lhes escutariam pela muita repetição das palavras. Eles entendiam essa maneira de orar como uma técnica para aplacar a força divina em serviço próprio. No mundo cristão, há aqueles que se utilizam de modelos pagãos, achando que pelo fraseado, Deus irá lhes atender, talvez usando um argumento forte baseado nas Escrituras, uma promessa, por exemplo. Não muda em nada, Deus conhece todas as vossas necessidades. Não adianta a frase em nome de Jesus Cristo se o propósito de nossa oração não faz parte dos interesses de Deus.

"Abba-Pai" é a oração dos interessados e engajados nos projetos de Deus. É a oração daqueles que independente de adquirir ou não coisas e bens, através de suas orações, ou mesmo se tiverem que correr riscos por causa do Reino de Deus, mesmo assim, preferem a comunhão com o Pai. "Abba-Pai" é a oração da entrega incondicional. "Pai se possível, passa de mim este cálice...", mas entre a morte e a nossa intimidade, entre a morte e a quebra da Tua vontade, é preferível a morte. Orar em nome de Jesus Cristo significa que Ele pôs o Seu nome em risco para os propósitos de nossa oração.

Para filhos que guardam tão estreita relação, o pai não somente conhece as suas necessidades, mas pode declarar a sua apreciação; "Este é o meu filho amado em quem eu tenho prazer". Deus porventura, diria o mesmo sobre você? "Abba-Pai" é a oração daquele que fala com Deus e ouve a voz de Deus. Ás vezes não paramos para ouvi-lo.

Oramos com tanta angustia que só nós falamos. Certa feita uma jovem me perguntou:
- Pastor, por que Deus não responde as minhas orações? Falo com Ele, não tenho parado de falar, mas não escuto resposta.
- Como você vai ouvir se não parar de falar? Se já falou, procure escutar. - Sugeri.

Oração é uma via íntima de duas mãos. Precisamos falar, mas necessitamos exercitar interpretar a voz mais profunda do silêncio de Deus.

Segundo: A oração ensinada por Jesus era inovadora porque aponta para uma nova maneira de encarar as pessoas na reciprocidade do amor. Se amamos a Deus, amamos também os nossos irmãos. Se somos perdoados por Ele também perdoamos os nossos irmãos; "perdoa-nos (...) assim como nós temos perdoado (v.12). Na tradição religiosa judaica era conhecido o perdão oferecido por Deus àqueles que oram, mas em nenhuma tradição encontra-se a oração onde aquele que ora perdoa o seu irmão. Na oração - estilo de vida apresentado, orar não é uma ação privada-individualista. Por mais paradoxal que possa parecer, orar é a encubação da amizade com Deus na intimidade, e em lugar secreto, sendo ao mesmo tempo, vivida e ensinada no lugar mais elevado à vista de todas as demais dimensões e relações da vida. Comunhão com os irmãos, fundamentada no amor, na reciprocidade do perdão é essencialmente novo na oração do "Pai Nosso".

A primeira pessoa do plural usada na oração de Jesus evita que a oração-estilo caia nas práticas esotéricas, onde o homem é convidado a sair de si para o além. O modelo de vida ensinado por Jesus é: "Pai nosso", "Pão nosso", "Perdoa as nossas dívidas", assim como nós perdoamos aos nossos devedores; não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal..." O "Pai nosso " é a oração que brota frutos no outro lado da porta e janelas do quarto. O "nosso" quebra a tentação da oração privada-individualista.

O quarto é o ponto de partida, o depósito subterrâneo onde Deus planta em nossos corações a semente do amor, aguada e fertilizada pela oração. Porém os frutos dessa semente germinam no relacionamento familiar, na convivência com irmãos e amigos, no trato amável e pacificador de relacionamentos desgastados, na consciência de nossa vocação e consequentemente na eficácia de nosso ministério.

Pai nosso é a oração que nos projeta do nosso "tameion" (amizade com Deus), para o "quarto" dos filhos. Da relação de amor e confiança com o Pai, capaz de desembocar numa intimidade profunda e relevante com a família.
"Pai Nosso", porque Deus é pai do irmão que sem motivo se irou contra você. E quem ora ao Pai, não consegue ficar diante do altar da liturgia, sem primeiro reconstruir o altar da amizade, uma vez que não existe no estilo de Jesus a oração ao meu pai, e sim ao "Pai nosso". Quem ama a Deus ama também ao próximo.
"Pai Nosso" é a oração do Getsêmani com a comunidade dos discípulos amados, é a transfiguração com Pedro, Tiago e João. É a oração sacerdotal, cujo ênfase concentra-se na confluência dos relacionamentos. "Como és tu ó Pai em mim, e eu em Ti, também sejam eles em nós".

O Pai nosso é a oração do "Pão nosso de cada dia". O pão nosso de cada dia é um pedido para o suprimento material. Pedimos e recebemos o pão-de-cada-dia. Alguns têm além do pão de cada dia - possuem o pão acumulado para cinqüenta, cem anos. O pão nosso passa a ser um problema da nossa falta de espiritualidade, quando o outro não o tem. Para muitos o "Pai-nosso" pode ser compartilhado, dividido, mas o pão, este deixa de ser nosso, é um ídolo que só na reza, na burocracia religiosa pertence a comunidade. O pai nosso é também a oração do pão de cada dia do outro.

É a oração da reciprocidade do perdão. É a intercessão íntima, profunda, comprometida com a superação da crise de tentação da comunidade. É o gemido para que o Senhor nos livre do mal, porque se ele(mal) ferir um membro do corpo, todos os outros membros sofrem com ele. Porventura sofremos com a dor da mulher marginalizada, da criança sem teto, do índio dizimado?

Portanto a oração do Pai-nosso é a comunhão existente somente na primeira pessoa do plural.

Terceiro: É essencialmente novo que o Deus a quem oramos é Pai, é "nosso", mas é acima de tudo Pai que está nos céus. Não é um ídolo terreno projetado materialmente em gesso, pedra, ouro ou qualquer outro material," não é fruto da imaginação construído em nossa realidade cultural-religiosa com o nome de deus e em muitos casos com o nome "Jesus", que nem sempre, refere-se ao Jesus Cristo, conforme as Escrituras.

A oração é feita a um Deus transcendente, todo-poderoso, imutável, infinito, que conhece, e por isso não se impressiona com aqueles que oram repetindo palavras, nem com aqueles que dão esmolas para serem visto pelos homens. Não se deixa comprar pela confissão labial: "Senhor, Senhor..." não se curva diante da reivindicação daqueles que mesmo tendo profetizado, expelido demônios ou feito milagres e nunca aprenderam a orar como estilo de vida em amizade e comunhão com o Pai. A estes o nosso Pai do céu dirá: "Nunca vos conheci..." Não tivemos qualquer momento de comunhão e relacionamento paterno-filial.

O Pai que está nos céus não é manipulável, é totalmente independente, inconfundível com qualquer ídolo terreno. Por isso Jesus propõe um relacionamento baseado no amor, confiança, confissão, transparência... Os artifícios não funcionam com Ele, porque o Pai nosso que está nos céus conhece todas as coisas.

Que a nossa oração seja um mergulho nas profundezas do coração, um recolhimento ao "tameion" este depósito subterrâneo da alma invadido pelo Pai celestial, o todo-poderoso Deus, diante de quem não há coração que possa se esconder, não há mente capaz de fugir de sua santa e graciosa ação. Com a invasão dEle o pão é mais facilmente dividido pela consciência de justiça que brota de corações puros e misericordiosos.

Que assim aconteça para que o Deus dos céus nos ajude a repartir o pão da terra.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Resgatando a esperança - O que significa esperar em Deus?

Por Isabelle Ludovico

Vivemos numa época marcada por numerosas fontes de estresse. A violência, o desemprego, a corrupção, a crise do relacionamento homem/mulher são alguns dos fatores que geram muita insegurança. Somos alimentados por uma avalanche de notícias ruins, dramas acontecendo ao redor do mundo, guerras, terremotos, tsunamis etc... que aumentam ainda mais o nosso desânimo. Temos medo dos nossos sentimentos, medo de outras pessoas, medo de perder o que temos e medo do desconhecido. Pessoas com medo tendem a construir mecanismos de defesa, armas e carapaças para se proteger dos perigos. Algumas se tornam irritáveis a ponto de qualquer transtorno desencadear explosões desproporcionais, mostrando que a panela de pressão já ultrapassou o seu limite. Foi o que provavelmente aconteceu com a madrasta de Isabella. Foi o que aconteceu com o motorista que matou o homem que o interpelara no trânsito por causa de uma fechada.

Outras pessoas ficam paralisadas diante da mínima ameaça e vão limitando seu espaço interior e exterior para evitar situações conflitivas. Vivem trancadas emocionalmente e privam-se, desta forma, do que é a essência do ser humano: amar e ser amado. A maior parte busca esquemas de fuga no ativismo, no trabalho, nas compulsões por bebida, comida, remédios ou outros vícios, e no consumismo, para citar apenas alguns. Pessoas movidas pelo medo estão mais propensas a se comportar de maneira agressiva. Qualquer sensação de ameaça gera reações impulsivas que não passaram pelo crivo da razão. Ficamos na defensiva, desconfiados, preocupados apenas em nos proteger, em preservar e acumular bens para nos garantir. Custamos a admitir que não temos controle sobre o nosso futuro. Não escolhemos nascer nem decidimos a hora da nossa morte, a menos que desistamos de viver.

Quando finalmente admitimos a nossa própria impotência e reconhecemos as nossas limitações, podemos então nos voltar para o Criador de todas as coisas que sustenta o universo e nos afirma que não cai um só fio dos nossos cabelos sem o seu consentimento. Esperar em Deus é confiar na sua promessa de estar conosco sempre. Esta espera não é uma atitude passiva, acomodada ou resignada. Pelo contrário, trata-se de uma parceria que nos leva a fazer o melhor para usufruir, multiplicar e compartilhar os recursos que Ele nos confiou. Significa viver ativamente o presente e investir nele, sabendo que o mal já foi vencido na cruz e, por isto, não prevalecerá.

Esperar é confiar na perspectiva de Deus que é mais ampla que nossos desejos finitos e parciais. Abrir mão de nossa visão estreita e de nossas expectativas limitadas permite deixar-se surpreender pelas soluções extraordinárias de Deus. Pegar a sua cruz é aceitar a vida, abrindo-se a todas as possibilidades. É desistir de tentar exercer um controle ilusório sobre o nosso futuro e abrir-nos ao novo na convicção de que Deus, como diz Henri Nouwen, nos trata de acordo com o seu amor e não de acordo com o nosso próprio medo.

Assim, podemos ter a coragem de afirmar, como Dietrich Bonhoeffer na prisão, que Deus é um Deus de amor mesmo quando à nossa volta vemos apenas rancor. Podemos proclamar que a vida suplanta a morte como a luz invade a escuridão enquanto a escuridão não consegue se impor onde há luz. Quando descobrimos que nada pode nos separar do amor de Deus, encaramos o medo de perder o que já temos e o medo do desconhecido e os transformamos em coragem de acolher com fé o futuro, sabendo que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus”. E, parafraseando a música famosa, afirmo: “Quem sabe tem esperança, por isso faz a hora, não espera acontecer”. Esperar em Deus é sair dos nossos esconderijos para encarar a vida de peito aberto, com suas alegrias e tristezas, na certeza de que cada detalhe ocorre diante do olhar amoroso de um Deus que nos quer bem. Assim, em vez de fugir ou refugiarnos numa atitude egoísta, podemos nos tornar agentes de transformação e sinais de esperança, como pontuou tão bem Agostinho: “A esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las”.


Fonte: Revista Enfoque

domingo, 13 de dezembro de 2009

Bonhoeffer - A vida e a morte de um mártir moderno. Última Parte




por Geffrey B. Kelly

PARTE III

Viagem por engano à América – No outono de 1938, Bonhoeffer sentia que era um homem sem igreja. Ele não conseguia influenciar a Igreja Confessante a tomar coragem e resistir a um governo civil que ele considerava como o mal inerente. Na frente ecumênica, ele havia se mostrado inapto em persuadir a Aliança Mundial das Igrejas a não aceitar a delegação do Terceiro Reich em sua conferência. Como forma de protesto, em 1937, Bonhoeffer renunciou ao cargo de secretário da Aliança Mundial.

Na chamada “Noite de Cristal” (Kristallnacht), em 9 de novembro de 1938, o frenesi do nazismo anti-semita é permitido contra os cidadãos judeus. A polícia observava passivamente as hordas de alemães quebrar as vidraças das casas e das lojas judias e queimar as sinagogas, brutalizando os judeus. Bonhoeffer estava fora de Berlim naquela noite, mas voltou rapidamente para aquele cenário. Ele se recusou a acreditar nas tentativas de atribuir tal violência a tão falada maldição divina sobre os judeus por causa da morte de Cristo. Em sua Bíblia, ele sublinhou Salmo 74:8 – “Disseram em seus corações: ‘Vamos acabar com eles! E queimaram todos os santuários do país’”. – e colocou ao lado a data da Noite de Cristal.

Bonhoeffer sentiu um enorme desapontamento com o vergonhoso silêncio que se seguiu por parte da igreja, sobre aquela noite de selvageria. Este foi um dos fatores que o levou a cogitar uma segunda viagem à América. Ele desejava repensar seu compromisso com a Igreja Confessante, o ponto principal de sua oposição a Hitler.

Outra razão para deixar a Alemanha era a iminente convocação às forças armadas para os de sua faixa etária. Bonhoeffer compreendeu que sua recusa a ingressar no exército traria a ira nazista sobre seus colegas da Igreja Confessante. Bonhoeffer também havia entrado em contato com seu cunhado, Hans Von Dohnanyi, almirante Wilhelm Canaris, e o coronel Hans Oster (todos da unidade de inteligência militar ou Abwehr), que estavam preparando um golpe de estado. Ele temia, inconscientemente, atrair a atenção da Gestapo para este plano.

Por todos estes motivos, Bonhoeffer considerava a possibilidade de deixar a Alemanha, desta vez via um tour de palestras pelos Estados Unidos, no verão de 1939. O americano Paul Lehmann, seu amigo íntimo e o seu primeiro professor Reinhold Niebuhr, estavam ansiosos por resgatar Bonhoeffer do destino reservado aos dissidentes na Alemanha Nazista. Por isso arranjaram o tour com a intenção implícita de que, uma vez iniciada a guerra, ele pudesse permanecer na América. Bonhoeffer embarcou para os Estados Unidos em 2 de junho de 1939.

Entretanto, a tranqüilidade desta viagem era perturbada pela lembrança da perseguição que os pastores dissidentes estavam enfrentando. A Godesberg Declaration, de 04 de abril de 1939, impunha a todos os pastores o dever de devotarem-se completamente a “política nacional de trabalho construtivo do Führer”. Tornava-se cada vez mais perigoso ser enumerado como um dos inimigos do Terceiro Reich. Neste período o diário de Bonhoeffer é repleto de expressões de ansiedade. Porque ele havia ido para a América quando era necessário aos cristãos da Alemanha?
Rapidamente Bonhoeffer mudou de idéia e resolveu voltar. Partiu em 08 de julho de 1939, pouco mais de um mês de sua chegada. “Cometi um engano ao vir para a América”, ele escreveu para Reinhold Niebuhr. “Eu tenho que viver este período da história nacional com os cristãos da Alemanha. Eu não terei direito de participar da reconstrução da vida cristã na Alemanha depois da guerra, se não compartilhar das aflições deste tempo com o meu povo”.

Atividades de espionagem – Quando retornou ao seu país, Bonhoeffer foi proibido de ensinar, pregar ou de publicar qualquer coisa sem submeter uma cópia do material para aprovação prévia. Ele também recebeu ordens para se apresentar regularmente à polícia.

A liberdade para continuar a escrever veio inesperadamente através do seu recrutamento para uma conspiração. Hans von Dohnanyi e o coronel Hans Oster, figuras de prestígio na inteligência militar alemã, arranjaram para tê-lo figurando como indispensável para as atividades de espionagem que desenvolviam. Como Bonhoeffer estava designado para o escritório em Munique, isto o livrou da prisão e o deixou longe da vigilância da Gestapo em Berlim.

Sua missão ostensiva era espionar para a inteligência através de suas “visitas pastorais” e seus contatos ecumênicos. Todavia, sob esta aparência, Bonhoeffer estava envolvido em reais atividades de espionagem. Sua verdadeira e principal missão era conseguir com os Aliados os termos da rendição, caso o plano contra Hitler fosse bem-sucedido. O ponto alto dessas negociações foi em uma reunião secreta com o Bispo Bell, em Sigtuna – Suíça, em maio de 1942. Bonhoeffer convenceu Bell de que ele poderia acreditar que os conspiradores venceriam o governo nazista, restaurariam a democracia na Alemanha e fariam reparações de guerra. Bell levou estas informações ao Secretário Britânico para Assuntos Exteriores, Anthony Eden, mas os aliados responderam que para a Alemanha só havia a condição para uma
“rendição incondicional”.

Quando não estava desperdiçando seu tempo no escritório de Munique, Bonhoeffer ficava em seu quartel-general, localizado nas vizinhanças de um mosteiro beneditino. Lá, ele continuava a escrever o que uma vez declarou ser o principal trabalho de sua vida: Ética – obra póstuma reconstruída por Eberhard Bethge, mas que dificilmente seria “Ética” completa. Na verdade, eram os últimos quatro fragmentos dos métodos de construção da ética cristã em meio à crise nacional da Alemanha. Neles, Bonhoeffer criticava a igreja duramente por “não ter levantado sua voz em defesa das vítimas ou… encontrado meios de sair em socorro a elas”. Em uma frase contundente ele declarou a igreja “culpada da morte dos mais fracos e dos mais indefesos irmãos e irmãs de Jesus Cristo”.

Cartas e papéis da prisão – Enquanto trabalhava para a Abwehr, Bonhoeffer se envolveu na chamada “Operação 7”: um ousado plano de contrabandear judeus para fora da Alemanha. Isto atraiu suspeitas da Gestapo, e em 05 de abril de 1943, após o fracasso de três atentados contra a vida de Hitler – Bonhoeffer foi preso e encarcerado na prisão militar de Tegel, em Berlim. A princípio, os nazistas tinham apenas acusações vagas contra ele: sua evasão do serviço militar, sua participação na “Operação 7” e suas deslealdades anteriores.

Durante o tempo que passou na prisão, Bonhoeffer escreveu cartas inspirativas e poemas que hoje são considerados como clássicos cristãos. Após a publicação póstuma de Resistência e submissão, por Eberhard Bethge; pessoas de todo o mundo começaram a apreciar a criatividade incansável de Bonhoeffer em busca do significado da fé cristã. Estruturas religiosas sem significado e linguagem teológica abstrata eram respostas insípidas aos clamores das pessoas perdidas em meio ao caos e às mortes nos campos de batalha e campos de concentração.

Nestas cartas, Bonhoeffer também levantava questões perturbadoras que iriam irritar os líderes da igreja. Na carta de 30 de abril de 1944, ele confidencia que “o que mais me preocupa é a questão do que o cristianismo realmente é; ou de fato quem Cristo realmente é, hoje, para cada um de nós”.

Em resposta a esta questão, Bonhoeffer observava que a igreja, ansiosa por manter os privilégios clericais e sobreviver aos anos de guerra com seu status intacto, oferecia apenas, uma religião que servia a interesses próprios, tornando-se um refúgio da responsabilidade pessoal. A igreja falhara em demonstrar qualquer tipo de credibilidade moral em uma “época em que o mundo precisava dela”. A igreja tem que repudiar aqueles “adereços religiosos” que são muitas vezes confundidos erroneamente com a fé autêntica. Para ele, se Jesus é “o homem para os outros”, então a igreja somente poderá ser uma igreja de verdade quando existir para corajosamente servir às pessoas.

Bonhoeffer escreveu, também, cartas à sua noiva, Maria von Wedemeyer. Ele se
apaixonara por Maria em 1942, quando conheceu a família dela durante as viagens a serviço da Abwehr. Ele foi atraído por sua beleza, vivacidade e seu espírito independente. Inicialmente, a família dela foi contra a um compromisso entre eles, por ela ser muito mais jovem – ela estava com 18 anos e ele com 37. Ele também estava envolvido em ações secretas que poderiam ser perigosas para ela. Mas após sua prisão, eles anunciaram o noivado publicamente como uma forma de apoio a ele. As visitas de Maria a Bonhoeffer tornaram-se o principal sustento dele durante os primeiros dias sombrios do seu encarceramento.

Uma das cartas que escreveu a Maria, fala do amor dos dois como “um sinal da graça de Deus, e de sua bondade; que nos encoraja a ter fé”. Ele acrescenta ainda, “e eu não falo de uma fé que foge do mundo, mas de algo que faz com que ele sobreviva, e cujo amor e verdade permanecem para o mundo apesar de todo o sofrimento que ele nos traz”.

Campo da morte em Flossenburg – Em 20 de julho de 1944, outro plano para assassinar Hitler falhou. A Gestapo, como resultado de sua rede de investigação, fechou o cerco contra os principais conspiradores, incluindo Bonhoeffer. Ele foi transferido para a prisão da Gestapo em Berlim, em outubro de 1944. Maria e Dietrich Bonhoeffer estavam completamente separados um do outro. Em fevereiro de 1945, Bonhoeffer foi mandado para o campo de concentração de Buchenwald.

Em meio ao caos reinante, por causa do assalto final das tropas aliadas à Alemanha, Maria viajou por todos os campos de concentração entre Berlim e Munique, geralmente a pé, em infrutíferas tentativas de ver Bonhoeffer novamente.
O que sabemos sobre aqueles últimos dias está reunido no livro The Venlo Incident (O incidente de Venlo), escrito por um companheiro de prisão de Bonhoeffer, o oficial da inteligência britânica Payne Best. Bonhoeffer e Payne Best estavam entre os “prisioneiros importantes” levados para Buchenwald. Best escreveu mais tarde sobre Bonhoeffer: “Ele foi um dos poucos homens que conheci para quem o seu Deus era real, e estava sempre junto com ele…”.

No dia 3 de abril, Bonhoeffer e outros presos foram colocados em um vagão de trem e levados para serem exterminados no campo de Flossenbürg. Para transportarem prisioneiros desta maneira, a sentença de morte já havia sido decretada em Berlim.

Os guardas da SS cumpririam as formalidades de uma corte marcial, executariam estes inimigos do Terceiro Reich e depois destruiriam seus corpos.

Em 08 de abril, eles alcançaram Schönberg, uma pequenina vila da Bavária, onde os prisioneiros eram amontoados em uma pequena escola usada temporariamente como prisão. Era o primeiro domingo depois da Páscoa, e muitos prisioneiros pediram a Bonhoeffer para liderá-los em culto e orações. Ele aceitou e meditou no livro de Isaías “E por suas chagas fomos curados”. Em seu livro, Best relembra aquele momento: “Ele tocou o coração de cada um, encontrando as palavras certas para expressar o espírito do nosso aprisionamento, os pensamentos e resoluções que isto tinha trazido”.

A quietude foi interrompida assim que a porta foi aberta por dois homens, membros da Gestapo, em trajes civis. Eles ordenaram que Bonhoeffer os seguisse. Para os prisioneiros, isto só podia significar uma única coisa: que ele seria executado em breve. Bonhoeffer arrumou tempo para se despedir de cada um. Puxando Best de lado, ele falou as últimas palavras das quais se têm registro, uma mensagem para seu amigo inglês, o Bispo Bell: “Este é o fim – mas para mim, o início da vida”.

Bem cedo, na manhã de 9 de abril, Bonhoeffer, Wilhelm Canaris, Hans Oster, e mais quatro outros conspiradores foram enforcados no campo de extermínio de Flossenbürg. O médico do campo, que testemunhou as execuções, se lembra de ter visto Bonhoeffer ajoelhar-se e orar antes de ser levado à forca. “Eu fiquei profundamente comovido pela maneira com a qual aquele homem amável orava: tão devotado e tão certo que Deus ouviria sua oração”, ele escreveu. “Naquele lugar de execução, ele novamente fez uma pequena oração e então subiu os degraus para a forca; corajoso e sereno… Nos quase cinqüenta anos em que trabalhei como médico, creio que jamais vi um homem morrer tão completamente submisso à vontade de Deus”.

À distância, soavam os canhões do exército norte-americano do general George Patton. Três semanas depois Hitler cometeria suicídio e, em 7 de maio, a guerra na Europa estaria terminada.

O nazismo contra o qual Bonhoeffer lutou sobrevive no mundo moderno sob outras formas de um mal sistemático. Mas o seu testemunho de Jesus Cristo ainda vive. Bonhoeffer continua a desafiar os cristãos a seguir Jesus até a cruz do genuíno discipulado e a ouvir o clamor dos oprimidos.

Dr. Geffrey B. Kelly é professor de teologia sistemática na La Salle University, na Filadélfia, e autor de “Liberating Faith: Bonhoeffer’s Message for Today” (Augsburg, 1984 – Liberando a fé: a mensagem de Bonhoeffer para hoje)
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domingo, 6 de dezembro de 2009

Bonhoeffer: A vida e a morte de um mártir moderno - PARTE II


Palestrante universitário eletrizante – Retornando da América, Bonhoeffer fez uma pausa na Universidade de Bonn, onde ele finalmente conheceu o teólogo Karl Barth. Os escritos de Barth tinham eletrizado o mundo teológico e cativado Bonhoeffer durante seus anos de estudante em Berlim. Os dois ficaram amigos, então. Barth apreciava os avisos incisivos de Bonhoeffer sobre a acomodação das ideologias políticas na religião organizada. Bonhoeffer começou a usar Barth como um meio de divulgação de suas opiniões, confiando nas avaliações maduras de Barth sobre como contra-atacar as concessões da igreja ao nazismo.

Sendo o professor mais jovem da faculdade, Bonhoeffer ficou conhecido pelo seu jeito de ir até o fundo de uma questão e abordar os assuntos na sua revelância atual. Um aluno escreveu sob a direção de Bonhoeffer “cada frase encontrava seu lugar; havia uma preocupação pelo que me perturbava, e de fato, todos nós jovens, o que perguntávamos e o que queríamos saber”. Mas a carreira de ensino de Bonhoeffer foi ofuscada pela ascensão de Hitler ao poder. Os alunos atraídos pelo nazismo o evitavam.

Alguns dos cursos de Bonhoeffer na universidade durante este período têm sido publicados como livros desde então. Em The Nature of the Church, (A natureza da igreja), Bonhoeffer observou que a igreja ficou à deriva; ela, com muita freqüência, buscou o conforto dos privilegiados. A igreja, ele disse aos seus alunos, tinha que confessar a fé em Jesus com coragem incomum e rejeitar sem hesitação toda idolatria secular.

Em suas palestras sobre Cristologia, publicada como Christ the Center (Cristo o centro), Bonhoeffer insistiu com seus alunos a responder perguntas perturbadoras: Quem é Jesus, no mundo de 1933? Onde Ele pode ser achado? Para ele, o Cristo de 1933 era o judeu perseguido e o dissidente na luta da igreja.

Durante os anos na universidade, Bonhoeffer também achou tempo para ensinar a turma de confirmação numa favela de Berlin. Para ser mais envolvido na vida destes alunos, ele se mudou para a sua vizinhança, visitou suas famílias e os convidou a passar finais de semana num chalé alugado na montanha. Depois da guerra, um destes alunos lembrou que “a turma dificilmente ficava agitada”.

Crescente luta da igreja – Durante este período, muitos cristãos dentro da Alemanha adotaram o Socialismo Nacional de Hitler como parte de seu credo. Conhecidos como “cristãos alemães”, seu porta-voz Hermann Grüner, deixou claro o que eles defendiam:
“O tempo se completou em Hitler para as pessoas na Alemanha. É por causa de Hitler que Cristo, Deus, o ajudador e remidor, tornou-se eficaz entre nós. Portanto, o Socialismo Nacional é cristianismo positivo em ação… Hitler é o modo do Espírito e da vontade de Deus para o povo alemão entrar na igreja de Cristo”.

Ordenado em 15 de novembro de 1931, Bonhoeffer, com seu grupo de “Jovens Reformadores”, tentou persuadir delegados nos sínodos da igreja a não votar em candidatos pró-Hitler. Num sermão memorável, logo antes das eleições na igreja em julho de 1933, Bonhoeffer apelou: “Igreja, permaneça uma igreja! Confesse, confesse, confesse!” Apesar dos seus esforços, os cristãos alemães elegeram como Bispo Nacional um simpatizante do nazismo, Ludwig Müller. Numa carta à sua avó, em agosto daquele ano, Bonhoeffer afirmou com franqueza: “O conflito é realmente ser Alemão ou ser Cristão e o quanto antes este conflito ficar às claras, melhor”.

Em setembro de 1933, o conflito ficou às claras. No “Sínodo Marrom” naquele mês (chamado assim porque muitos dos religiosos usavam uniformes nazistas marrons e faziam a saudação nazista), a igreja adotou a “Frase Ariana”, que negava o púlpito a ministros ordenados que tivessem sangue judeu. O amigo mais próximo de Bonhoeffer, Franz Hildebrandt, foi afetado pela legislação (junto com muitos outros). A Frase Ariana dividiu a Igreja Protestante alemã.

Defesa aberta dos judeus – A primeira reação pública de Bonhoeffer à legislação anti-semita chegou logo. Em abril de 1933, ele falou a um grupo de pastores sobre “A Igreja a questão judaica”. Neste sermão, ele pediu as igrejas para, em primeiro lugar, desafiar com ousadia o governo que justifica tais leis, obviamente imorais. Segundo, ele exigiu que a igreja viesse em socorro das vítimas – batizadas ou não. Finalmente, ele declarou que a igreja devia “travar as rodas” do governo se a perseguição aos judeus continuasse. Muitos dos que ali estavam saíram correndo, convencidos de que tinham ouvido a incitação para um motim.

Logo após o Sínodo Marrom, Bonhoeffer e um herói da Primeira Guerra Mundial, o pastor Martin Niemöller, formaram a “Liga de Emergência dos Pastores”. Eles defendiam a luta para repelir a Frase Ariana, e no fim de setembro, tinham obtido 2.000 assinaturas. Mas, para decepção de Bonhoeffer, mais uma vez os bispos da igreja continuaram em silêncio.

No Sínodo de Barmen, de 29 a 31 de maio de 1934, entretanto, a nova “Igreja Confessante” (aqueles pastores que se opuseram à Frase Ariana e outras políticas nazistas) afirmaram a agora famosa Confissão de Fé de Barmen. Concebida em grande parte por Karl Barth, sua associação do Hitlerismo com idolatria fez muitos dos simpatizantes homens marcados pela Gestapo: “Nós repudiamos o falso ensino de que há áreas em nossa vida que não pertencem a Jesus Cristo, mas a outros senhores…”
Abandonando uma carreira promissora – Uma vez que os cristãos alemães estavam agora entrincheirados em posições de liderança na igreja, Bonhoeffer foi rejeitado para um pastorado. Os comentários contra ele apontaram sua posição radical e intempestiva às políticas governamentais. E ele foi considerado muito ligado ao seu amigo cristão-judeu, Franz Hildebrandt. A assustadora “nazificação” das igrejas deixou Bonhoeffer sentindo-se isolado e incapaz de esboçar uma oposição destemida a Hitler dentre os pastores.

Em sua posição de ensino, ele sentiu que a universidade tinha se ligado indesculpavelmente ao sentimento popular que exaltava Hitler como salvador político. Ele ficou perturbado também pela falta de protesto diante do afastamento de professores judeus. Estas frustrações facilitaram a decisão de deixar a Alemanha. No outono de 1933, ele assumiu o pastorado de duas igrejas de língua alemã em Londres.
Por causa desta atitude Bonhoeffer foi severamente repreendido por Karl Barth, que achou que ele estivesse fugindo de cena quando ele era mais necessário. Barth acusou Bonhoeffer de privar a luta da igreja de seu “esplêndido arsenal teológico” e de sua “correta figura alemã”.

Mas Bonhoeffer ainda não estava abandonando a luta contra o nazismo. De Londres, ele pretendia trazer pressão externa sobre a igreja do Reich Alemão. Numa carta ao líder do Ministério Eclesiástico Estrangeiro, Bonhoeffer recusou a se abster de criticar o governo alemão.

Dietrich Bonhoeffer e outros delegados foram a uma conferência ecumênica em Fano, na Dinamarca, em 1934. Na conferência, Bonhoeffer pregou um sermão aos líderes cristãos de mais de 15 nações. “O mundo está sufocando com armas”, ele disse, “e a desconfiança que salta dos olhos de cada ser humano é assustadora. As trombetas da guerra podem tocar amanhã”. Nesta ocasião, ele insistiu para que os cristãos falassem contra a guerra e ousassem pelo “grande empreendimento” da paz.

Buscando para o mundo o apoio da igreja – Era no nível ecumênico que Bonhoeffer esperava continuar mais efetivamente na luta da igreja. Ele tinha sido indicado secretário da juventude para a Aliança Mundial para Promover a Amizade Internacional através das Igrejas (um precursor do Conselho Mundial das Igrejas). Neste papel, ele ajuntou as igrejas internacionais para fazer um forte protesto anti-nazismo, para apoiar a Igreja Confessante e para expulsar a igreja do Reich do movimento ecumênico.

Suas atividades levaram a uma amizade duradoura com o bispo inglês George Bell. Bell era presidente do Conselho Universal Cristão para a Vida e Trabalho, que trabalhava de perto com a Aliança Mundial. Ele apoiava a luta de Bonhoeffer para que a Igreja Confessante fosse reconhecida como a única representante da igreja protestante na Alemanha.

Os esforços de Bonhoeffer alcançaram um clímax na conferência de 1934 em Fano, na Dinamarca. A Comissão Ecumênica de Jovens de Bonhoeffer surpreendeu os delegados por sua recusa em expressar resoluções em uma polida linguagem diplomática. Além disso, Bonhoeffer queria que as igrejas declarassem não-cristã qualquer igreja que tivesse se tornado meramente uma audiência neutra nas questões políticas. Todos os delegados sabiam que a Igreja do Reich era o alvo de tais resoluções.

A contribuição mais duradoura de Bonhoeffer para esta conferência, entretanto, foi um sermão matinal inesquecível sobre a paz, chamado “A Igreja e os Povos do Mundo”. Seu aluno, Otto Dudzus relatou que as palavras de Bonhoeffer deixaram os delegados “prendendo a respiração de tanta tensão”. Como poderiam as igrejas justificar sua existência, ele perguntou, se elas não tomavam medidas para impedir a marcha em direção a outra guerra? Ele exigiu que o conselho ecumênico se levantasse “para que o mundo, embora esteja rangendo os dentes, tenha que ouvir, para que as pessoas se alegrem por que a igreja de Cristo, no nome de Cristo, tomou as armas das mãos dos seus filhos, proibiu a guerra, proclamou a paz de Cristo contra o mundo irado”. Uma frase deste sermão ficou para sempre marcada nas memórias dos alunos de Bonhoeffer: “Temos que nos atrever pela paz. Este é o grande empreendimento!”. Até mesmo Dudzus lembrou que “Bonhoeffer tinha seguido tanto à frente que a conferência não podia segui-lo”.

Bravo novo seminário – Em 1935, os líderes da Igreja Confessante pediram a Bonhoeffer para dirigir um seminário ilegal perto do mar Báltico. Para a Igreja Confessante, estabelecer seus próprios seminários era um passo ousado. Eles simplesmente contornavam o treinamento típico dos candidatos nas universidades contaminadas pelo nazismo. Com seus próprios seminários, eles podiam ignorar as exigências para que os candidatos provassem seu sangue puro ariano e lealdade ao nazismo como condições para a ordenação. Estes seminários eram apoiados não por ajuda do governo, mas por ofertas de boa vontade.

Os jovens candidatos, que se juntavam primeiro em Zingst, no mar Báltico e mais tarde numa escola particular abandonada, em Finkenwalde, lembram-se do seminário como um oásis de liberdade e paz. Bonhoeffer estruturava o dia ao redor da oração em comum, meditação, leituras bíblicas e reflexão, serviço fraternal, e suas próprias palestras. Cada dia era aliviado pela recreação, incluindo cantar os spirituals que Bonhoeffer trouxera da América.

Mas o ponto alto de seu treinamento, eram as palestras de Bonhoeffer sobre discipulado. Elas deram origem ao mais conhecido de seus livros O discipulado. Nele, Bonhoeffer acusou os cristãos de buscarem “graça barata”, que garantia uma salvação na base da barganha, mas não fazia exigências reais às pessoas, envenenando, dessa forma, “a vida de seguir a Cristo”. Ele desafia os leitores a seguir a Cristo até a cruz, a aceitar “a graça de alto preço”, da fé que vive em solidariedade com as vítimas de sociedades sem coração.

A Gestapo fechou o seminário em outubro de 1937. Bonhoeffer tentou então conduzir um “seminário secreto em atividade”. Mas não houve sucesso. O espírito de Finkenwalde sobreviveu, entretanto, no Vida em comunhão. Publicado em 1939, o livro registra as “experiências em comunidade” dos alunos. A igreja, Bonhoeffer acreditava, precisava promover um senso genuíno de comunidade cristã. Sem isso, não poderia testemunhar com eficácia contra a ideologia nacionalista na qual a Alemanha havia sucumbido. A congregação de uma igreja não era para ser fechada em si mesma, mas ser um ponto de apoio para os esgotados espiritualmente e um refúgio para os perseguidos. Através da oração e serviço a igreja podia tornar-se novamente “Cristo existindo como comunidade”.

A falha na coragem da igreja – Os anos de 1937 a 1939 foram particularmente problemáticos para Bonhoeffer e seu papel na luta da igreja. Os líderes da Igreja Confessante pareciam não ter firmeza na questão de fazer o pacto civil a Hitler. Ele ofereceu aos ministros da Igreja Confessante legitimidade para retomar seu apoio silencioso aos seus planos expansionistas, incluindo a anexação da Áustria. A paz, a respeitabilidade e o patriotismo eram a isca. Bonhoeffer queria que os bispos defendessem o direito dos pastores de se recusarem a fazer o pacto de fidelidade a Adolf Hitler.

Bonhoeffer foi bloqueado, também, em seus esforços para agitar uma oposição mais forte na igreja contra a cruel perseguição aos judeus. Para ele, os sínodos (assembléias) da igreja olhavam apenas os seus próprios interesses. Faltava-lhes o sentimento para assuntos mais urgentes: como contra-atacar o abuso e negação dos direitos civis na Alemanha. Ele censurou publicamente a falta de sensibilidade para com a situação difícil dos pastores aprisionados por suas dissidências.

Se os líderes da igreja levantassem suas vozes em favor dos judeus, Bonhoeffer teria como avaliar o sucesso ou o fracasso do sínodo. “Onde está seu irmão Abel?” – ele perguntava. Os ensaios e palestras de Bonhoeffer deste período exibiam sua indignação contra a covardia dos bispos. Ele freqüentemente citava Provérbios 31:8 – “Erga a voz em favor dos que não podem se defender”, para explicar o motivo de ser a voz de defesa dos judeus na Alemanha nazista.

Em junho de 1938, o Sexto Sínodo da Igreja Confessante reuniu-se para resolver a última crise da igreja. O Dr. Friedrich Werner, comissário do governo, responsável pela Igreja da Prússia, havia ameaçado expulsar qualquer pastor que se recusasse a fazer, como um “presente de aniversário” a Hitler, o juramento de lealdade civil. Ao invés de lutar pela liberdade da igreja, o sínodo transferiu o peso da decisão para cada pastor individualmente. Este resultado caiu nas mãos da Gestapo, que pôde facilmente identificar os poucos desleais que ousaram recusar-se a fazer o juramento. Enfurecido com os bispos, Bonhoeffer questionava, “Será que a Igreja Confessante nunca irá aprender que, em questões de consciência, a decisão majoritária mata o espírito?”

sábado, 28 de novembro de 2009

Bonhoeffer: A vida e a morte de um mártir moderno - PARTE I

Nascido na riqueza, Dietrich Bonhoeffer, seguia para uma carreira brilhante como teólogo, até passar a ver a vida ‘sob a perspectiva daqueles que sofrem’, na Alemanha nazista, o que lhe custou a vida.

Em 1942, o pastor luterano Dietrich Bonhoeffer enviou um presente de Natal à sua família e amigos que estiveram envolvidos num plano para matar Hitler. Era um ensaio intitulado After Ten Years (Depois de dez anos). Nele, Bonhoeffer lembrou a seus companheiros de conspiração dos ideais pelos quais eles estavam dispostos a dar suas vidas. Em suas palavras: “Nós aprendemos, de uma vez por todas, a ver os grandes eventos da história do mundo de baixo para cima, das perspectivas dos proscritos, suspeitos, maltratados, impotentes, oprimidos e injuriados – em resumo, da perspectiva daqueles que sofrem”.

Conforme ele analisava as várias razões pelas quais eles tinham que matar Hitler e derrubar o governo nazista, Bonhoeffer lhes falava do exemplo de Cristo. Jesus, de boa vontade, arriscou sua vida defendendo os pobres e proscritos de sua sociedade – mesmo ao custo de uma violenta morte.

Na época de sua prisão, a vida de Bonhoeffer tinha se tornado uma jornada de entrelaçamento, na qual ele tinha entrado por causa desta “visão de baixo para cima”. Sua vida lhe tirou de uma confortável posição de professor universitário à liderança isolada de uma oposição minoritária dentro de sua igreja contra seu governo. Ele saiu da segurança de um refúgio fora do país para a vida perigosa de um conspirador. Ele desceu dos privilégios do ministério eclesiástico e o respeito dado a uma família nobre, para sua dura prisão e mais tarde sua morte como traidor de seu país.

Determinação de aço - Poucas pessoas teriam predito que o jovem Bonhoeffer terminaria como um conspirador político. Nascido em Breslau, em 1906, Dietrich era o quarto filho homem e sexto filho dentre todos (sua irmã gêmea, Sabine, nasceu momentos depois). Sua mãe, Paula von Hase, era filha de um pregador da corte do Kaiser Wilhelm II. O pai de Dietrich, Karl Bonhoeffer, era um famoso médico psiquiatra e professor na universidade.

Quando era um rapazinho de 14 anos, Dietrich surpreendeu sua família declarando que não queria nada mais do que ser um ministro da igreja. Este anúncio provocou uma pequena consternação entre seus irmãos homens. Um estava destinado a ser físico, o outro, advogado; ambos eram pessoas de sucesso, para quem o serviço na igreja parecia um trabalho que não obriga ao trabalho ou responsabilidade para a burguesia, algo inferior a eles. Seu pai sentiu-se da mesma forma, mas ficou em silêncio, preferindo conceder a seu filho a liberdade de cometer seus próprios erros. Quando sua família criticou a igreja como egoísta e covarde, um lampejo da determinação de aço de Dietrich surgiu: “Neste caso, eu a reformarei!”.

Um “milagre teológico” – Seguindo um costume de família, o jovem Dietrich estudou na Universidade de Tübingen por um ano antes de mudar para a Universidade de Berlim, onde morava a família. Na universidade, ele veio a estar sob a influência do conhecido historiador da igreja Adolf von Harnack e o estudioso sobre Lutero Karl Holl.

Von Harnack considerou Bonhoeffer como um grande historiador da igreja em potencial, capaz de um dia subir no seu próprio pódio.

Para tristeza de von Harnack, Bonhoeffer dirigiu suas energias do mundo acadêmico para o dogmático. Seu maior interesse ficava nos campos associados da Cristologia e da igreja. Sua dissertação, The Communion of Saints (A comunhão dos santos), foi completada em 1927, quando ele tinha apenas 21 anos. Karl Barth o celebrou com um “milagre teológico”.

Nesta dissertação, Bonhoeffer declara numa sonora frase que a igreja é “Cristo existindo em comunidade”. A igreja para ele não é nem uma sociedade ideal, sem necessidade de reforma, nem o ajuntamento de uma elite cheia de dons. Pelo contrário, ela é tanto uma comunhão de pecadores capazes de seres infiéis ao evangelho, quando é uma comunhão de santos para quem servir um ao outro deve ser uma alegria.

Triste encontro com a pobreza – Como ainda não estava na idade mínima para ordenação e precisava de experiência prática, Bonhoeffer interrompeu sua carreira acadêmica. Ele aceitou uma indicação como pastor-assistente numa igreja em Barcelona que tendia para as necessidades espirituais da comunidade de negócios alemã.
Seus meses na Espanha (1928–29) coincidiram com as primeiras repercussões da Grande

Depressão, dessa forma a vida de pastor em Barcelona deu a Bonhoeffer seu primeiro triste encontro com a pobreza. Ele ajudou a organizar um programa que sua igreja estendeu aos desempregados. Em desespero, ele até mesmo implorou por dinheiro à sua família para este propósito. Num sermão memorável, ele lembrou ao seu povo que “Deus caminha entre nós em forma humana, falando a nós naqueles que cruzam nosso caminho, sejam eles estranhos, mendigos, doentes, ou mesmo naqueles mais perto de nós em nosso dia a dia, tornando-se a ordem de Cristo em nossa fé nele”.

De volta à Alemanha, Bonhoeffer voltou sua atenção para sua “segunda dissertação” – exigida para conseguir uma designação na universidade. Publicada como um livro em 1931, Act and Being (Ser e Agir) externamente parece ser um rápido tour de filosofias e teologias de revelação. Se a revelação é “agir”, então a Palavra eterna de Deus interrompe a vida da pessoa de um modo direto, intervindo muitas vezes quando menos se espera. Se a revelação é “ser”, então é a presença contínua de Cristo na igreja. Através de todas as análises cruzadas deste livro, nós também detectamos a luta profunda de Bonhoeffer entre o conforto do status acadêmico e o perturbador chamado de Cristo para ser um cristão genuíno.

Primeira visita à América – Tendo assegurada sua indicação para a universidade, Bonhoeffer decidiu então aceitar uma bolsa de pesquisa Sloane. Esta lhe ofereceu um ano de estudos adicionais no Seminário de Teologia União (Union Theological Seminary), em Nova York. Mais tarde ele descreveu este ano acadêmico de 1930–31 como “uma grande liberação”.

A princípio, Bonhoeffer olhou severamente para o Seminário de Teologia União, julgando que ele fosse tão permeado de humanismo liberal que tivesse perdido suas amarras teológicas. Mas cursos com Reinhold Niebuhr e longas conversas com seu amigo mais próximo, o americano Paul Lehmann, trouxeram sensibilidade aos problemas sociais.

As amizades de Bonhoeffer no Union Seminary influenciaram-no profundamente. Elas alimentaram sua crescente paixão pelas preocupações do Sermão do Monte. Através de um aluno negro do Alabama, o reverendo Frank Fisher, Bonhoeffer experimentou em primeira mão o racismo opressivo sofrido pela comunidade negra do Harlem.
Admirando os serviços desta igreja, que valorizavam a vida, ele levou gravações dos spirituals para a Alemanha para tocar para seus alunos e seminaristas. Ele falou aos alunos freqüentemente sobre a injustiça racial na América, prevendo que o racismo se tornaria “um dos problemas futuros mais críticos para a igreja branca”.

Outro amigo, o pacifista francês Jean Lasserre, levou Bonhoeffer a transcender sua ligação natural à Alemanha para assumir um compromisso maior com a causa da paz mundial. Bonhoeffer tornou-se devoto da resistência pacífica ao mal, e mais tarde ele defendeu com veemência a paz em encontros ecumênicos. Para Bonhoeffer, a guerra claramente negava o evangelho; nela os cristãos matavam uns aos outros para ideais alardeados que só mascaravam objetivos políticos mais sinistros.

As pessoas perceberam as mudanças na perspectiva de Bonhoeffer em sua volta à Universidade de Berlim. Seus alunos o descreveram como diferente de seus colegas, estes mais enfadonhos e desinteressados. Tentando explicar o que houve com ele, Bonhoeffer disse simplesmente que tinha se tornado cristão. Como ele mesmo disse, ele esteve pela primeira vez na sua vida “no trilho certo”, dizendo ainda: “Eu sei que por dentro serei realmente claro e honesto somente quando eu tiver começado a levar a sério o Sermão do Monte”.

Continua na próxima semana.

domingo, 22 de novembro de 2009

O Sentido da Vida

por Ed René Kivitz

Estudo publicado pela revista britânica Journal of Humanistic Psychology diz ter concluído qual é afinal o sentido da vida. Pelo menos na visão de 17% (o maior grupo) das 200 personalidades marcantes cujas palavras foram analisadas por uma equipe de psicólogos americanos, "a vida é para ser desfrutada". Entre os que partilhariam dessa visão estão o ex-presidente dos EUA Thomas Jefferson e a cantora Janis Joplin, que morreu aos 27 anos. Em segundo lugar, aparecem aqueles que acreditavam que o sentido da vida é "amar, ajudar e prestar serviços aos demais".

Neste grupo estão o físico Albert Einstein e o líder indiano Mahatma Gandhi. Mas há também os pessimistas, para quem a vida simplesmente não tinha sentido. Onze por cento, segundo o estudo, pensavam dessa forma. Entre eles Sigmund Freud e os escritores Franz Kafka e Jean Paul Sartre. Finalmente, um menor número de estudados pensava que a vida é simplesmente "uma piada". Entre os tais estão o cantor Bob Dylan e o escritor Oscar Wilde.

Acredito que se fosse entrevistado por este grupo de psicólogos, marcaria X em todas as alternativas. Estou entre aqueles que acreditam que o sentido da vida está em viver. O mistério da vida se resolve passo a passo, quando somos capazes de realizar com dignidade o sentido embutido em cada momento e situação. Por isso, o sentido da vida não se equaciona na elucidação dos grandes mistérios, nem no êxtase dos grandes eventos, feitos, ou experiências arrebatadoras. Harold Kushner disse que "tentar encontrar a Grande Resposta para a Grande Pergunta a respeito do problema da vida é como tentar comer a Grande Refeição, para nunca mais ter de se preocupar com a fome". Jesus ensinou que devemos buscar o reino de Deus e sua justiça a cada dia, vivendo o hoje e deixando o amanhã nas mãos do Pai Celestial.

Amar, ajudar e prestar serviços aos demais? Claro. Egoísmo e narcisismo são da mesma família da infelicidade, pois qualquer que pretenda encontrar sentido em si mesmo vai se decepcionar. Jesus ensinou que Deus é amor e, portanto, acredito na máxima que diz que quem "não vive para servir, não serve para viver".

Mas há também os pessimistas, para quem a vida simplesmente não tem sentido. E com eles me solidarizo. Os filósofos existencialistas ocupam lugar de honra em minha biblioteca. Também faço suas perguntas. Também sofro a ausência de respostas para muitas delas. A Bíblia ensina que os dias são maus, pois esse mundo é mau, já que tem como seu deus o Maligno. Não fosse a paz que Jesus dá, paz que o mundo desconhece, eu não suportaria a maldade e as fatalidades que acometem pessoas inocentes e, se não totalmente inocentes, certamente não mais culpadas do que eu.

A afirmação de que a vida é simplesmente "uma piada" também faz eco no meu coração. Mark Twin disse que "ninguém tem mais saúde do que aquele que é capaz de rir de si mesmo". Por isso é que Deus de vez em quando "morre" de rir (Salmo 2.4). Que pena que os pessimistas que consideraram a vida uma piada riram sozinhos, melancólicos, irônicos e se deixaram vencer pelo cinismo e a amargura de alma. Que pena que não aprenderam a rir com Deus. Deus logo após se rir da patética configuração que os homens deram ao mundo, começou a chorar. E porque tanto amou os homens e seu mundo, invadiu a história para redimir tudo com o poder da cruz de Jesus e a vida que deixou vazio o túmulo onde o sepultaram.

Imagino como se comportariam Thomas Jefferson e Janis Joplin, Albert Einstein e Mahatma Gandhi, Sigmund Freud, Franz Kafka e Jean Paul Sartre, Bob Dylan e Oscar Wilde, na maioria dos auditórios evangélicos, por exemplo, na cidade de São Paulo, no próximo domingo. Fico a me perguntar se ouviriam algo que lhes fizesse sentido, uma palavra relevante, uma resposta inteligente. Considero se ficariam impressionados com a reverência no ambiente ou se seriam tomados de temor diante de um povo em profunda adoração. Devo confessar minha incredulidade. Acho que sairiam sacudindo a cabeça, indiferentes, ou até mesmo com mais motivos para o cinismo, o pessimismo, a blasfêmia e a chacota. Paradoxalmente, isto não me desmotiva, nem enfraquece minha fé. Na verdade, revigora minha fé e me faz ser grato a Deus, pelo Espírito Santo que constrange o coração humano, razão pela qual as pessoas continuam sendo convertidas a Deus. Pessoas que eu jamais acreditaria fossem se converter. Inclusive eu.

domingo, 15 de novembro de 2009

Quando e como o Senhor quer

por Gregory Fung e Christopher Fung

Estudos sobre os efeitos da intercessão mostram que a ação divina não tem compromisso com a lógica das metodologias


Ao longo dos tempos, medicina e fé nunca se deram lá muito bem. Se, de um lado, os profissionais de saúde costumam atribuir a possibilidade de cura aos corretos tratamentos, por outro, muitos religiosos tendem a maximizar a importância da intervenção divina em detrimento da eficiência médica. De uns tempos para cá, contudo, tem havido uma frutífera aproximação entre os dois segmentos. Tanto, que um estudo recentemente realizado pelo Departamento de Pesquisa de Saúde dos Estados Unidos concluiu que a maioria – 70% – dos médicos pesquisados acreditam que milagres acontecem ainda hoje. Ainda assim, menos de 29% acreditam que os resultados dos tratamentos têm relação com “forças sobrenaturais” ou “ação de Deus”. Mais de 1,1 mil profissionais de saúde participaram da pesquisa.


Há, nos estudos sobre oração na medicina, uma linha que demarca a batalha entre santos e céticos: os cristãos procuram a prova científica da eficácia da oração. Já os críticos buscam o contrário – minar a fé religiosa. Seja bom ou não, muitas tentativas têm sido levadas a cabo no sentido de avaliar o papel exercido pela intercessão na cura. O primeiro estudo conhecido foi publicado em 1872, pelo inglês Francis Galton, autoridade em várias ciências, que não encontrou qualquer evidência estatística de que a oração prolonga a vida de pessoas enfermas. Ressalte-se, que à sua época, levantamentos do gênero careciam de rigor científico.


Mais recentemente, vários experimentos com oração chamaram a atenção de evangélicos ansiosos para encontrar ligação entre fé e ciência. Um estudo de 1983, de Randolph Byrd, elevou os ânimos de forma especial. Ele observou 393 pacientes da cardiologia do Hospital Geral de São Francisco. Cerca de metade recebeu oração de pessoas consideradas cristãos consagrados, que oravam diariamente e eram ativos em suas comunidades religiosas. A outra metade, que serviu como grupo de controle, não foi alvo de nenhuma ministração de natureza espiritual. Nesse estudo, a melhora dos que receberam orações superou de forma significativa a observada entre os integrantes do grupo de controle. Mesmo assim, não se pode dizer que o trabalho de Byrd tenha sido capaz de servir de evidência da atuação direta de Deus na cura, já que foi criticado depois de sua publicação por ter apresentado medidas de resultados inválidas, métodos estatísticos inapropriados e suspeita de erros.


Há três anos, contudo, vieram a público resultados de um estudo notável, programado cuidadosamente para acabar com o debate. Na época da publicação, recebeu certa atenção, mas passou despercebido para muita gente devido às conclusões surpreendentes – e perturbadoras – até para os crentes. O Estudo sobre os efeitos terapêuticos da oração de intercessão (STEP – sigla em inglês), realizado com o patrocínio do Departamento de Medicina da Universidade de Harvard, foi, de longe, o mais abrangente feito até hoje. Levou 10 anos para ser concluído, custou 2,4 milhões de dólares e foi, em sua maior parte, sustentado pela Fundação John Templeton, que apoia estudos sobre a relação entre religião e ciência.


O STEP foi simples e elegante, segundo todos os padrões, normas e protocolos de pesquisa: 1.800 pacientes submetidos à implantação de marcapassos cardíacos foram divididos, aleatoriamente, em três grupos. Dois deles receberam oração de cristãos comprometidos, com prática de orar por enfermos, sendo que só em um dos grupos os membros sabiam que havia alguém orando por eles. O resultado: o grupo em que os pacientes sabiam das orações apresentou mais complicações e recuperação mais difícil do que os que não sabiam se havia, ou não, alguém orando por eles. Curiosamente, o fato de alguém saber que havia um grupo de intercessores orando em seu favor teve um impacto negativo sobre sua saúde.


Houve comparação, também, entre os dois grupos que não sabiam se estavam sendo alvo de preces. Nesse caso, o grupo que recebeu oração apresentou mais complicações graves do que o pessoal que ficou sem oração. Em outras palavras, o estudo parece mostrar que a oração – pelo menos a feita por estranhos – pode ser prejudicial à saúde. O resultado da pesquisa pode ter decepcionado quem esperava ver efeitos positivos da intercessão, mas também surpreendeu os céticos, que não houvesse qualquer efeito.

Praticidade X mover de Deus –As respostas dos evangélicos incluíram a observação de que muitos pacientes oravam por si mesmos e tinham parentes também orando por eles (96% relataram exatamente isso). Essa realidade pode acabar com qualquer efeito das orações da pesquisa. Outros cristãos alegam que a investigação da oração de intercessão é problemática, já que os exemplos de cura física através de oração direta relatados no Novo Testamento sempre aconteceram como resultado da oração presencial – cenário impossível de se testar sem que os participantes saibam o que ocorre. Uma terceira resposta, como disse um conhecido capelão hospitalar, foi simplesmente a de que Deus não está sujeito a pesquisas científicas.


O escritor cristão C.S.Lewis pensou em um estudo sobre oração bem estruturado, mas não esperava resultados positivos e mensuráveis. “O problema é que não vejo como a verdadeira oração possa acontecer sob tais condições,” disse ele. “Mera repetição de orações não é orar. Se fosse, bastaria treinar bem um grupo de papagaios e eles seriam tão úteis quanto os homens na experiência”. Ele defendia que tal abordagem da oração a reduzia a um tipo de mágica – “Alguma coisa que funciona automaticamente”, explicou. Sendo assim, qualquer estudo como o STEP estaria fadado ao fracasso, já que tais esforços sempre acabam tentando medir resultados práticos, e não o verdadeiro mover de Deus.


Ironicamente, o STEP acaba confirmando a visão cristã do mundo. Afinal, orações não têm – ou não deveriam ter, pelo padrão bíblico – nada a ver com encantamentos. O verdadeiro nó górdio do estudo não é que o grupo que recebeu oração se saiu pior, mas sim, que as pessoas que não foram alvo de súplicas acabaram recebendo tantas, se não mais, bênçãos de Deus quanto as outras. Em outras palavras, o Senhor, aparentemente, distribuiu seu favor a despeito da quantidade e até da qualidade das orações. Coerente a seu caráter, ele parece inclinado a curar e abençoar o maior número de pessoas possível. É como se o Senhor mal conseguisse se controlar (embora o faça muitas vezes) e deixar de intervir e romper a natureza do universo para cuidar de quem ele ama – ainda que quem seja alvo dessa graça reconheça o fato ou não. Deus respondeu as orações dos grupos do estudo, mas, acima disso, respondeu as dos pacientes, dos amigos e parentes deles, e talvez até dos que nem sabiam que havia alguém orando.

Amor de Deus – Se isso for verdade, então surge uma questão incômoda: “Se Deus já é tão generoso, por que tanto empenho na oração?” Essa é outra maneira de expressar a verdadeira pergunta – “Qual é o mínimo que se exige de mim para que minhas orações sejam respondidas?” Tais indagações expõem a fraqueza do desejo modernista de saber se a oração “funciona”. Ao descobrir que Deus responde constantemente as orações, deparamo-nos com a realidade mais profunda e perturbadora de que, com frequência, ele não nos dá o onde, quando e como que desejávamos.


A Bíblia confirma essa realidade. Deus, por exemplo, respondeu as orações e libertou o povo da opressão de Faraó, mas a resposta – que demorou, mas chegou – foi inesperada, imprevisível e nem um pouco tranquila, pois demandou uma longa peregrinação pelo deserto, o perigo de atravessar o mar e as agruras da caminhada por décadas a fio. Da mesma forma, a resposta divina ao clamor pela libertação do jugo romano foi ainda mais inesperada e, para muitos, simplesmente inaceitável. Diante disso, não surpreende que Jesus tenha ensinado seus seguidores a orar ao Pai usando os seguintes termos: “Seja feita a tua vontade”, como ele mesmo suplicou todo o tempo que passou no Getsêmani. Diante de tudo isso, a obsessão em descobrir se a oração funciona é a questão errada. Sabe-se que ela funciona – a verdadeira questão é se estamos prontos ou não para a resposta de Deus.


Não é surpresa que os preparados para a resposta divina ao clamor de Israel por um Messias foram os que oravam. Ana, a profetisa que passou a maior parte da vida em adoração no Templo, foi uma das primeiras a reconhecê-lo. Lídia, que entendeu a verdade do Evangelho e abriu a porta para Filipe, estava no lugar certo e na hora certa porque estava orando. Então, o motivo de orarmos não é apenas receber respostas de Deus. Oramos também para sermos capazes de reconhecer e receber a resposta do Senhor, saber como responder e, talvez, ver o próprio Deus.


A maioria dos médicos acredita em milagres e na realidade de causa e efeito no exercício de sua profissão. E as intervenções divinas acontecem para todos porque somos amados por Deus, quer estejamos em rebeldia contra ele ou não. Resta aos médicos, e a nós, decidir como vamos reagir. Deveríamos ser sábios e evitar aplicações mágicas ou mecânicas do Evangelho, que definitivamente não pode ser entendido e vivido dessa maneira. O STEP nos incentiva a acreditar que Deus está ansioso para responder nossas súplicas, aparentemente sem dar muita atenção à nossa competência para orar ou, em certas ocasiões, inclusive à nossa ortodoxia. Isso deveria nos dar confiança para agir, acreditar e trabalhar ao lado de um Senhor bom e generoso, que nos convoca para trabalharmos em seu Reino levando cura e oração ou mundo.


Gregory Fung é bioquímico em Harvard e Diretor Regional da InterVarsity Christian Fellowship, em Boston (EUA); Christopher Fung, seu filho, é patologista e membro da Igreja da Rua LaSalle, em Chicago, também nos EUA

O que significa esperar em Deus?


por Isabelle Ludovico

Vivemos numa época marcada por numerosas fontes de estresse. A violência, o desemprego, a corrupção, a crise do relacionamento homem/mulher são alguns dos fatores que geram muita insegurança. Somos alimentados por uma avalanche de notícias ruins, dramas acontecendo ao redor do mundo, guerras, terremotos, tsunamis etc... que aumentam ainda mais o nosso desânimo. Temos medo dos nossos sentimentos, medo de outras pessoas, medo de perder o que temos e medo do desconhecido. Pessoas com medo tendem a construir mecanismos de defesa, armas e carapaças para se proteger dos perigos. Algumas se tornam irritáveis a ponto de qualquer transtorno desencadear explosões desproporcionais, mostrando que a panela de pressão já ultrapassou o seu limite. Foi o que provavelmente aconteceu com a madrasta de Isabella. Foi o que aconteceu com o motorista que matou o homem que o interpelara no trânsito por causa de uma fechada.

Outras pessoas ficam paralisadas diante da mínima ameaça e vão limitando seu espaço interior e exterior para evitar situações conflitivas. Vivem trancadas emocionalmente e privam-se, desta forma, do que é a essência do ser humano: amar e ser amado. A maior parte busca esquemas de fuga no ativismo, no trabalho, nas compulsões por bebida, comida, remédios ou outros vícios, e no consumismo, para citar apenas alguns. Pessoas movidas pelo medo estão mais propensas a se comportar de maneira agressiva. Qualquer sensação de ameaça gera reações impulsivas que não passaram pelo crivo da razão. Ficamos na defensiva, desconfiados, preocupados apenas em nos proteger, em preservar e acumular bens para nos garantir. Custamos a admitir que não temos controle sobre o nosso futuro. Não escolhemos nascer nem decidimos a hora da nossa morte, a menos que desistamos de viver.

Quando finalmente admitimos a nossa própria impotência e reconhecemos as nossas limitações, podemos então nos voltar para o Criador de todas as coisas que sustenta o universo e nos afirma que não cai um só fio dos nossos cabelos sem o seu consentimento. Esperar em Deus é confiar na sua promessa de estar conosco sempre. Esta espera não é uma atitude passiva, acomodada ou resignada. Pelo contrário, trata-se de uma parceria que nos leva a fazer o melhor para usufruir, multiplicar e compartilhar os recursos que Ele nos confiou. Significa viver ativamente o presente e investir nele, sabendo que o mal já foi vencido na cruz e, por isto, não prevalecerá.

Esperar é confiar na perspectiva de Deus que é mais ampla que nossos desejos finitos e parciais. Abrir mão de nossa visão estreita e de nossas expectativas limitadas permite deixar-se surpreender pelas soluções extraordinárias de Deus. Pegar a sua cruz é aceitar a vida, abrindo-se a todas as possibilidades. É desistir de tentar exercer um controle ilusório sobre o nosso futuro e abrir-nos ao novo na convicção de que Deus, como diz Henri Nouwen, nos trata de acordo com o seu amor e não de acordo com o nosso próprio medo.

Assim, podemos ter a coragem de afirmar, como Dietrich Bonhoeffer na prisão, que Deus é um Deus de amor mesmo quando à nossa volta vemos apenas rancor. Podemos proclamar que a vida suplanta a morte como a luz invade a escuridão enquanto a escuridão não consegue se impor onde há luz. Quando descobrimos que nada pode nos separar do amor de Deus, encaramos o medo de perder o que já temos e o medo do desconhecido e os transformamos em coragem de acolher com fé o futuro, sabendo que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus”. E, parafraseando a música famosa, afirmo: “Quem sabe tem esperança, por isso faz a hora, não espera acontecer”. Esperar em Deus é sair dos nossos esconderijos para encarar a vida de peito aberto, com suas alegrias e tristezas, na certeza de que cada detalhe ocorre diante do olhar amoroso de um Deus que nos quer bem. Assim, em vez de fugir ou refugiarnos numa atitude egoísta, podemos nos tornar agentes de transformação e sinais de esperança, como pontuou tão bem Agostinho: “A esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las”.
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Fonte: Revista Enfoque

domingo, 1 de novembro de 2009

Viver não é para amadores


Por Ricardo Gondim

Todos vivem em constante tensão. A vida é complexa, muitas vezes, paradoxal e plena de riscos. A vida não é um passeio despretensioso. Cada pessoa é responsável e ao mesmo tempo vítima das circunstâncias. Cada estrada que se escolhe conduz a novas bifurcações e cada decisão gera desdobramentos mil. Os poetas, os místicos e os filósofos já perceberam que se precisa de siso e responsabilidade na imensa e difícil aventura de viver. Cada instante é inédito e exige o máximo de cuidado.

Viver não é para amadores. Cada opção produz ondas, iguais às da pedra jogada no meio de uma lagoa. As decisões, semelhantes a círculos concêntricos, espalham-se e as marolas se dissolvem nas margens do lago. Na vida, porém, as conseqüências dos atos se alastram para sempre. Cada pessoa deve lembrar-se de que não tem o controle das conseqüências de suas escolhas, que repercutirão eternamente. Viver não é para amadores. Os pais influenciam os filhos, os filhos formam famílias e tanto as bondades como as maldades se reproduzirão. Crianças sofrem seqüelas por terem crescido em famílias disfuncionais, muitas oprimidas por mães castradoras, que não conseguem criar os filhos. Se cada pai soubesse a importância da paternidade na formação emocional e nos valores éticos de seus filhos, menos pacientes procurariam as clínicas psiquiátricas e menos penitenciárias seriam construídas.

Viver não é para amadores. Sem saber organizar os desejos, a vida pode se perder com projetos irrelevantes; sem dar sentido ao cotidiano, a vida patina no tédio. São necessários princípios, verdades e valores para direcionar a vida. As pressões do dia-a-dia destroem aqueles que não têm força para fazer escolhas responsáveis. Viver não é para amadores. Os indivíduos precisam uns dos outros, mas se arranham mutuamente. O próximo tanto pode ser fonte de alegria, como de frustrações. Quem tenta isolar-se para não passar por decepções, empobrece. Não é possível resguardar-se do amigo sem perder o viço. Só viverá bem quem não considerar o outro um inferno. O céu pertence aos que aprenderam a relevar as inadequações alheias. O longânimo tem chance de ser feliz.

Viver não é para amadores. A existência é imprevisível. Não há como se controlar a história ou situar os eventos futuros em qualquer lógica. Por mais que os religiosos prometam, os filósofos pretendam e os sociólogos estudem, a história não obedece aos trilhos do destino. De repente, sempre de repente, chega o improvável e nessa hora, precisa-se de coragem para não desistir. A viagem rumo ao futuro requer brios. Viver não é para amadores. Equilibrar o lazer e dever, ócio e trabalho não é fácil. Muito lazer produz tédio e muito dever, estresse. A preguiça acompanha o ócio e a fadiga o trabalho. O sábio avisou que há tempo para todas as coisas: "tempo para plantar e tempo para arrancar o que se plantou, tempo de cozer e tempo de rasgar, tempo de juntar e tempo de espalhar o que se juntou". Portanto, só vive quem sabe transitar entre esses eventos tão contraditórios.

Viver não é para amadores. Depressão e riso, alegria e tristeza formam a história de cada um. Quem foge da tristeza acaba neurótico e vive em negação, sempre à procura de um mundo de ilusões. Quem não sabe rir termina inclemente; em busca de gente para povoar o seu purgatório.

Viver não é para amadores. O sofrimento do mundo é grande demais para ser evitado. Contudo, é preciso ter alegria para celebrar aniversários, casamentos e formaturas. Os que se blindam contra a dor universal podem se tornar cínicos; por outro lado, os que se martirizam, arriscam-se a serem inconseqüentes.

Viver não é para amadores. O tempo passa velozmente, carregando tudo e todos. A humanidade se angustia com a areia da ampulheta e com o pêndulo do relógio que não cessam de avisar que os dias do calendário são escassos. Alguns não percebem que jogam a vida fora com melindres bobos e com vaidades e megalomanias onipotentes. Eternizar cada instante se constitui o segredo da felicidade.

Viver, definitivamente, não é para amadores, portanto, "se algum de vocês tem falta de sabedoria, peça-a a Deus que a todos dá livremente, de boa vontade; e lhe será concedida." Que ninguém se atreva a querer levar a vida só.

domingo, 25 de outubro de 2009

Lutando com Deus


por Ed René Kivitz

Jacó lutou com Deus no Vale de Jaboque. Disse a Deus "não te deixarei ir até que me abençoes". Literalmente, saiu no tapa com Deus, e levou a pior: foi ferido no nervo da coxa e passou o resto da vida mancando. Mas foi abençoado, e nesse sentido se deu bem. Seu nome deixou de ser Jacó, que quer dizer "aquele que age traiçoeiramente", e passou a se chamar Israel, "aquele que luta com Deus".

A pergunta por trás dessa história é por que um homem tem que lutar com Deus para ser abençoado? Estaria Deus se recusando a abençoar? Teria Deus má vontade em fazer o bem? Seria o caso de Deus não ser tão generoso quanto queremos acreditar? Será que as bençãos de Deus nós as conquistamos às custas de muito esforço, através de vigílias de oração, correntes de fé, jejuns, sacrifícios com ofertas financeiras, penitências, e tantas outras expressões próprias das religiões? Seria a nossa parte "tomar posse" das bençãos e a parte de Deus dificultar ao máximo o acesso aos seus favores para que somente os muito perseverantes os alcancem? Precisamos mesmo reivindicar o que é nosso? Enfim, por que a Bíblia diz que Jacó lutou com Deus até ser abençoado por Ele?

A luta com Deus não se justitifica pela necessidade de convencer Deus a abençoar. A luta com Deus não visa a mudar o coração de Deus em relação a nós e nossas necessidades e desejos. Lutamos com Deus porque queremos ser abençoados em nossos termos. Lutamos com Deus porque não queremos permitir que Ele transforme nossos corações e mentes. Lutamos com Deus porque nos recusamos a mudar. Lutamos com Deus porque queremos os favores de Deus e ao mesmo tempo queremos permanecer as mesmas pessoas que sempre fomos, agarradas aos mesmos vícios, padrões de pensamento, idéias fixas, comportamentos maléficos e sentimentos mesquinhos. Lutamos com Deus como quem diz "anda logo, responda a minha oração, atenda os meus anseios e não se meta na minha vida". Lutamos com Deus porque queremos impor sobre Ele nossa vontade, em vez de nos submetermos à sua vontade, que é sempre boa, perfeita e agradável.

O evangelho não é um caminho de conquista de bençãos. O evangelho é um convite à intimidade com Deus, numa caminhada onde nossos corações e mentes vão sendo transformados de modo a nos ocuparmos tanto com o reino de Deus, a justiça de Deus e a glória de Deus, que nem nos damos conta que as coisas que desejamos Deus no-las concede como expressão de seu cuidado paterno amoroso e fiel.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Alegria "fora de hora"

por Ed René Kivitz

Meus irmãos, considerem motivo de grande alegria o fato de passarem por diversas provações, pois vocês sabem que a prova da sua fé produz perseverança. E a perseverança deve ter ação completa, a fim de que vocês sejam maduros e íntegros, sem lhes faltar coisa alguma. (Tiago 1.24)

Tiago, irmão de Jesus, escreveu uma carta aos cristãos que estavam sofrendo perseguição. Eles haviam sido expulsos de Jerusalém e deixado para trás seus bens, familiares e amigos. Estavam começando vida nova em outro lugar, e precisavam construir novos relacionamentos, redefinir sua carreira profissional e ainda por cima se defender dos ataques daqueles que se opunham à sua fé em Jesus Cristo.

Um dos conselhos de Tiago para aqueles cristãos em situação tão adversa foi que deveriam receber com alegria as tribulações e provações que a vida colocava diante deles. Tiago justificou seu conselho apresentando três conseqüências das tribulações.

As tribulações provam a nossa fé, isto é, revelam a qualidade dos alicerces onde construímos nossas vidas. Outra maneira de dizer isso é que as tribulações nos mostram quem de fato somos. Muitas pessoas vivem iludidas em relação a si mesmas, e por esta razão constroem suas vidas em alicerces falsos - e vice-versa. Cedo ou tarde estes alicerces são desmascarados e tudo o que está sobre eles pode ruir, como por exemplo: auto-estima, esperança, prazer de viver, relacionamentos, sonhos de futuro, carreira profissional. As situações da vida que confrontam nossos alicerces existenciais são de fato oportunidades extraordinárias para nos reinventarmos, tanto substituindo o que identificamos como inadequado, quanto no desenvolvimento do que identificamos frágil.

As tribulações produzem perseverança, isto é, nos fortalecem para enfrentar a vida. O ditado popular diz que "Deus dá o frio conforme o cobertor". Acredito nisso. Acredito que o exercício de viver nos coloca diante de desafios proporcionais à maturidade. Uma é a dificuldade da criança, outra, do adolescente, e outra, dos adultos que já não acreditam em Papai Noel e já deixaram a prepotência juvenil de lado. As dificuldades que enfrentamos no caminho nos ajudam a encarar a vida e continuar andando rumo ao futuro desejado. À medida que vamos encarando e superando as tribulações, vamos perdendo o medo de cara feia, até que a vida mostra sua face mais terrível e se surpreende com nossa capacidade de superá-la.

Finalmente, as tribulações nos fazem pessoas maduras e íntegras, sem falta de nada. Atravessar tempos difíceis exige de nós a descoberta e o desenvolvimento de recursos interiores. As tribulações nos tiram todos os pontos externos de apoio: nos sentimos solitários, incompreendidos e injustiçados; perdemos posição, status e privilégios, além de dinheiro e conforto; e descobrimos que as bases onde escorávamos nossa identidade e as fontes de onde tirávamos forças para viver eram falsas ou insuficientes. Nesse momento, olhamos para dentro e para o alto. E descobrimos uma fé mais amadurecida, que nos aproxima mais de Deus, e recebemos a coragem de continuar vivendo. Estranhamente, vamos percebendo que precisávamos de bem menos do que imaginávamos para a nossa felicidade, até que surpresos, nos deparamos com a sensação de que muito embora o mundo lá fora esteja em convulsão, o mundo de dentro do coração, está em paz e serenidade. Quando chegamos nesse ponto de integridade (integralidade) é que passamos a desfrutar dos poucos recursos, dos amigos raros e das pequenas alegrias do dia-a-dia como suficientes para a felicidade. Aí sim, somos homens e mulheres de verdade. Construídos na forja das tribulações. Livres das ilusões. Prontos para viver, dar e construir.
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Fonte: Igreja Batista de Água Branca

domingo, 11 de outubro de 2009

Hora de esperar

por Sherry Funk

Se eu for fazer uma lista das coisas que eu menos gosto de fazer, eu tenho certeza que esperar estaria entre cinco primeiras. Não há nada que eu goste menos do que permanecer naquele lugar agonizante onde eu olho para minhas esperanças e desejos de frente, perguntando como, quando e se Deus vai permitir que as coisas aconteçam.

“Por quê as coisas simplesmente não acontecem para mim?” Eu me vejo geralmente murmurando, cansada de esperar, de tentar me apegar à esperança pelos meses, anos afora, enquanto várias questões continuam sem resposta. Eu anseio por uma ruptura em minha tediosa profissão que faz pouco para acender uma centelha de vida em meu coração. Eu luto para encontrar um propósito significativo onde eu possa centrar minha vida. Eu questiono quando Deus vai finalmente trazer o homem certo na minha vida, para amar e ser amada. Eu olho interiormente para todas as curas, crescimentos e libertações que eu já experimentei e desejo que Deus opere ao meu tempo, em vez do dele.

Muitas vezes eu implorei que Deus finalmente descesse do céu e movesse, falasse, agisse, brilhasse uma luz no meu caminho. Mas na maior parte das vezes em que me achego a ele com minhas questões e inquietações, ele não revela nada instantaneamente. Sim, ele traz esperança, renova minha fé, e me dá força para prosseguir.

Mas naquela mansa e discreta voz, ele também me diz aquelas palavras que eu já ouvi repetidas vezes… minha filha, espere.

E então eu espero. E com o passar dos anos, eu finalmente compreendi que são nessas temporadas de espera e de estar diante dele, entregando meu coração a ele, é que ele realiza suas maiores obras. É no deserto, no ermo, na quietude que Deus pode restaurar a esperança e a visão e escavar meu caráter. É nessa espera que eu passo a conhecer

Deus mais intimamente e a finalmente percebê-lo em minha vida.

Aqui estão algumas coisas que eu estou aprendendo ao permanecer caminhando durante meu próprio tempo de espera.

Não tente viver sozinho

Houve um tempo em que eu me debatia pela vida por conta própria, assustada e decidida a não deixar ninguém entrar nela. Apesar de eu almejar ter relações significativas mais que qualquer outra coisa, eu estava com medo de ser rejeitada. Até que eu me tornei uma garota conhecida por nunca admitir uma necessidade, nunca compartilhava com ninguém meus problemas. Se eu tinha lágrimas a derramar, eu chorava atrás de uma porta fechada. Se haviam dores e medos para serem tratados, eu esperava até que ninguém mais estivesse a minha volta. Eu era a pessoa para quem todos chegavam com problemas, mas que raramente deixaria que elas vissem as feridas do meu coração.

Deus não me deixou permanecer ali, mas foi uma longa, vagarosa, e dolorosa jornada aprender que nós não fomos destinados a viver sozinhos, e que Deus de fato designou suas mais poderosas obras para serem realizadas dentro de um contexto social. Se for crescimento, liberdade, maturidade, integridade, e restauração, aquilo que nós estamos atrás – então as pessoas, as pessoas certas, serão uma dos maiores instrumentos que Deus usará.

Agora, semanalmente eu me encontro com um pequeno grupo de mulheres da minha igreja, e quase sempre eu saio maravilhada com o que Deus faz quando nos tornamos reais umas para as outras. Dúvida, confusão, solidão, questionamentos, vitórias, sofrimento, alegria, doença, decepção – toda semana nós tornamos essas coisas notórias, nós oramos juntas, reenfatizamos a verdade umas às outras, nós chamamos as pessoas para compartilhar dons, e nisso vemos Deus se revelando. E ao fazermos isso, nossa confiança de que Deus está trabalhando é restaurada.

Eu não sei como eu aguentei tanto tempo vivendo por mim mesma. Mas agora, eu vejo que o tempo gastado esperando que Deus mova as coisas, nunca é desperdício se nós ficarmos vitalmente conectados com pessoas que nos ajudam a não perder visão de quem Deus é e o que ele está fazendo.

Olhe para o que Deus já fez

Eu mantenho regularmente um diário desde que eu tinha 12 anos, e de tempos em tempos quando Deus parece silencioso e parece que nada está acontecendo, eu pego um ou dois volumes dos meus bagunçados rabiscos e permito-me ser transportada ao passado. Está tudo lá – minha adolescência desajeitada, colégio, escolha da carreira, alegrias e preocupações com alguns relacionamentos românticos, viagens pelo mundo, eu achando meu lugar no Corpo de Cristo, trabalhando em um orfanato na África, me mudando algumas vezes, comprando minha primeira casa, acelerando os passos da fé. Eu leio, rio, e sacudo minha cabeça, e algumas vezes ao fazer isso, a fé entra novamente em meu coração.

É tão fácil perder a perspectiva em um longo período de espera, mas olhar para trás e ver a fidelidade de Deus me dá a coragem que eu preciso para continuar persistindo. Se ele já me trouxe até aqui, por quê eu deveria duvidar de que ele continuará me guiando no futuro? Por quê eu deveria pensar que ele não terminará aquilo que ele começou? Eu sou como os israelitas que vagaram no deserto, que esqueceram tão depressa como Deus os conduziu para fora do Egito e pelo Mar Vermelho, lhes dando maná para comer e água para beber, salvando-os de seus inimigos. Mas eu não quero perder de vista tudo que ele já fez, embora a próxima coisa pareça tão longe.

Pense naquilo que te traz vida

Há alguns anos, eu fiz uma lista de tudo o que queria fazer antes de morrer – uma lista que vai desde pular de pára-quedas até escrever um romance, de adotar um bebê africano até aprender a pilotar uma moto, e até ir a um show da Broadway em Nova Iorque. Eu olhei para a lista outro dia, e fiquei agradavelmente surpresa com quantos artigos eu já havia marcado. Como a leitura de meus diários, minha lista me mantém em contato com quem eu sou no âmago, minha personalidade sem igual e interessante, as paixões que me fazem viver, os medos e desafios que eu amaria superar.

Eu descobri que mesmo em espera e ansiedade, nossos corações podem ser avivados e crescer. Todos os dias nós podemos buscar alegria, crescimento, e oportunidades de viver verdadeiramente. É por isso que hoje eu dou um intervalo no trabalho e vou jogar tênis com uma amiga, depois fazemos um piquenique no parque e escutamos os sons das fontes. É por isso que eu e meus sobrinhos tiramos uma soneca quando estamos assistindo desenhos, comemos uma porção de besteiras e rimos a noite toda. É por isso que eu escrevo e viajo, e tanto remodelar meus móveis – porque essas coisas, na sua pequenez, dão vida ao meu coração. E contanto que haja vida em meu coração, eu sei que eu posso me manter esperando e confiando, aguardando o dia em que Deus trará respostas às perguntas mais profundas contra as quais eu estou lutando.

Aprenda a descansar

“Aquietai-vos, e sabei que eu sou Deus” (Sl 46.10). Eu nem posso contar quantas vezes esse versículo me fez parar em meu trajeto, e descobrir que todos os meus esforços e todos os livros de auto-ajuda do mundo não poderiam falar sobre o tipo de mudança permanente que eu almejava ver em minha vida. E isso retoma Deus dizendo aquelas simples palavras para eu entender, de novo, que, em vez de dar dez passos para me tornar uma mulher de ouro, em vez de me cobrar mais sobre aquilo que eu devo fazer, Deus está me convidando a descansar. Ele está me chamando para um relacionamento com ele, me convidando a conhecer seu coração e seu caráter. Ele está falando comigo do seu amor, do seu prazer por mim, do desejo dele de sentar comigo para e conversar.

Eu sou tão boa em deixar a armadilha da ocupação me consumir, a trabalhar incansavelmente todas as áreas da minha vida com que eu não estou satisfeita. Mas é só quando eu volto atrás de todo meu esforço, e finalmente descanso, que minha alma sedenta fica realmente satisfeita, então são restabelecidas aquela paz e equilíbrio ao meu agitado espírito.

“Aquietai-vos, e sabei que eu sou Deus”. Tudo bem Jesus, eu vou descansar.

Sim, o tempo de espera é difícil. Mas nossas raízes vão fundo ao esperamos e confiarmos em Deus. Assim, se você está esperando por orientação em uma decisão séria, ou esperando que um coração quebrado seja curado, ou esperando por um amor, ou esperando que um caminho se abra na carreira, saiba que Jesus deseja caminhar com você, aqui e agora.

“A vida ressurreta que você recebeu de Deus não é uma vida medrosa, direcionada ao túmulo. É aventurosamente prometedora, cumprimentando Deus como um filho, ‘Qual a próxima, Papai?’” (Romans 8, The Message).

Prometedora. Esperançosa. Confiante. Agora, é por isso que eu quero ser conhecida em meu tempo de espera.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

A Cura da Doença

por Gordon Dalbey e Mike Genung

Que esperança podemos ter para alguma mudança no quadro dramático da situação da família e do homem hoje (descrita no artigo A Doença dos Homens)? Existe “bálsamo em Gileade? ou não há lá médico?” (Jr 8.22).

Temos, sim, uma grande promessa na Palavra de Deus. De fato, exatamente no ponto em que as Escrituras mudaram o foco dos mandamentos e da lei de Moisés para a obra de Jesus, Deus mostrou que pretende curar a grande enfermidade da humanidade:

“...ele converterá o coração dos pais aos filhos, e o coração dos filhos a seus pais; para que eu não venha e fira a terra com maldição” (Ml 4.5, 6).

A desintegração de relacionamentos entre pais e filhos neste mundo reflete a quebra de contato entre a humanidade e Deus. É por isso que a restauração do relacionamento com o Pai constitui, na realidade, o foco principal do poder redentor de Deus neste mundo. Jesus veio para revelar o Pai e para reconciliar com ele a humanidade (Jo 14.8-13). E em nenhum lugar a necessidade por essa reconciliação é mais profundamente sentida do que na falta que o homem sente de um pai.

Nenhuma dor fere o coração do homem mais profundamente do que o abandono emocional e/ou físico do pai. Para os homens, a ferida do pai é uma maldição mortal.

O Primeiro Passo

A palavra “integridade” vem de uma raiz que significa inteiro, como em números inteiros. O homem que se esconde e tenta encobrir sua ferida interior não é um homem de integridade. É apenas metade de um homem. Ele pode conhecer a verdade da Palavra de Deus, mas não a graça do coração do Pai.

O primeiro passo, então, para a cura é reconhecer sua verdadeira condição e a causa correspondente. De nada adiantará fazer parte de movimentos ou cursos para homens se esses tão-somente estabelecerem novas regras ou padrões mais elevados de comportamento. Essa geralmente é só mais uma maneira de esconder nossas feridas por trás de uma fachada religiosa que valoriza desempenho.

Infelizmente, a maior parte do ensinamento cristão para os homens hoje simplesmente nos mostra o que devemos fazer, as terríveis conseqüências se não o fizermos e, talvez, os maravilhosos benefícios se conseguirmos atingir o padrão. São exortações do tipo “dez princípios de hombridade santa” ou os “cinco padrões de masculinidade bíblica”. É mais fácil enfocar a prática do bem do que ser autêntico.

O homem que foge de sua ferida mortal e da necessidade do Salvador sempre acabará se tornando escravo da vergonha de não ter alcançado o padrão desejado. Sentindo abandono e frustração, procurará sua identidade no trabalho e, muitas vezes, nas mulheres, seja na mãe, na esposa ou em algum relacionamento superficial. Ficará vulnerável a uma porção de falsificações mundanas e até religiosas, que prometem calar a voz da vergonha e torná-lo, afinal, um “verdadeiro homem”.

Já a hombridade da Nova Aliança requer que enfrentemos os duros fatos de que não somos capazes de fazer o que Deus ordena e exige que clamemos a ele por livramento. Precisamos aprender a levar a nossa vergonha à cruz e não a encobri-la com tentativas de bom desempenho.

O caminho para a recuperação da hombridade perdida, então, é por meio da autenticidade, que tem uma grande relação com arrependimento. O que nos salvará não é a nova determinação de fazer “o que é certo”, mas o anseio de conhecer o verdadeiro Pai (Gl 5.1-6; Rm 7.18). Só autenticidade pode nos levar a ser homens da Nova Aliança – com a coragem de enfrentar a vergonha de nossa própria impotência e de entregá-la a Jesus para que ele a assuma totalmente.

Se nenhum pai humano é perfeito e todos nós carregamos as feridas que resultam dessa imperfeição, teremos de buscar a verdadeira filiação em Cristo para conhecermos o único Pai perfeito. Isso não é apenas uma questão de palavras ou de teoria. Precisamos aprender a nos relacionar de fato com o Pai, sentir sua aceitação, sua perseverança, sua disciplina e seus tratamentos até encontrarmos seu reconhecimento de que, de fato, algo novo está sendo gerado no nosso interior.

Aprendendo a Perdoar

Enfrentar a ferida inclui dois aspectos: o primeiro, já descrito acima, é reconhecer nossa doença, nossa incapacidade, nossa falta de hombridade. Isso nos leva à cruz, à obra consumada de Cristo, à filiação.

O segundo é entender que, embora a causa tenha sido a humanidade caída de nosso pai natural, ele, por sua vez, também sofreu as conseqüências de ter sido criado por um pai imperfeito, e precisa ser amado e perdoado. É diferente de defender o pai, que, muitas vezes, é uma reação natural do filho, mas pode significar um encobrimento da ferida. Se não enfrentarmos o fato de que realmente houve falhas, não abriremos o caminho para a cura, nem para mudanças em nossas próprias vidas. E o ciclo continuará para a próxima geração.

A promessa de Malaquias é que antes da consumação do dia do Senhor, haverá um ministério que tornará os corações dos pais aos filhos e dos filhos aos pais. Essa restauração pode acontecer em qualquer fase da nossa vida. Nunca é tarde demais para um pai voltar-se para seus filhos, ainda que sejam adultos. Nunca é tarde demais para um filho voltar-se para seu pai, ainda que este seja idoso. E jamais poderemos calcular os efeitos que tal restauração trará – não só para os membros imediatos da família envolvida.

Se virmos, de fato, a causa da doença, conseguiremos enxergar nosso pai ou nossos filhos não como inimigos, mas como vítimas, e Deus poderá encher nossos corações de verdadeira compaixão e perdão.

Outro aspecto que é importante ressaltar é que, ao enfrentarmos a ferida infligida pelo pai, jamais devemos culpá-lo pelo pecado em que porventura tenhamos caído na tentativa de compensar ou aliviar a dor. Não importa o que nos aconteceu no passado, precisamos assumir 100% da responsabilidade se recorremos à lascívia, se fomos omissos, ou se usamos qualquer outra forma errada de lidar com nossa ferida.

Encontrando Relacionamentos Saudáveis

Fomos feridos no nosso relacionamento com um homem, nosso pai; por isso, será em relacionamentos autênticos com ele ou com outros homens que o processo de cura começará a se processar.

Alguns não têm mais um pai vivo; outros precisarão esperar com fé e perseverança para que o relacionamento com o pai seja curado. Porém, amor masculino puro, não sexual, não é encontrado exclusivamente com o pai. Quando nossos irmãos nos aceitam e nos amam, apesar de nossas falhas, inconscientemente estão respondendo à nossa pergunta (a grande pergunta): “Sim, você tem o que é necessário para ser um homem... você é importante, você tem valor, tem dons que me abençoam, sua amizade é prazerosa para mim”. Através do seu apoio e encorajamento, nossos irmãos transmitem-nos a bênção do amor e da força masculinos.

Davi, que já conhecia o amor e o carinho do relacionamento conjugal, expressou assim a importância de sua amizade com Jônatas: “Excepcional era o teu amor, ultrapassando o amor de mulheres” (2 Sm 1.27).

Amor puro de homem para homem não tem as complicações sexuais ou o atrito emocional que surgem das diferenças entre homens e mulheres. Quando um outro irmão me desafia sobre um determinado assunto na minha vida, desde que não o faça com insultos ou intenções cruéis, eu posso recebê-lo sem dificuldades. Os homens compreendem os temores e inseguranças de outros homens, o que permite que abençoem uns aos outros de formas que seriam impossíveis para as mulheres.

Relacionamentos de homem para homem dentro da grande família de Deus podem ser de irmãos (de igual para igual), ou de pai para filho. Além do nosso novo relacionamento com Deus Pai, podemos experimentar relacionamentos saudáveis dentro da igreja e sermos curados na nossa hombridade doentia. Acima de tudo, podemos ainda ser pais verdadeiros para nossos filhos naturais e ver o ciclo satânico quebrado nas nossas famílias, e a promessa de Deus a Malaquias começar a ser cumprida antes do grande dia do Senhor.

Extraído e adaptado de:
“The Real Men’s Movement” e “Healing the Father-Wound”, por Gordon Dalbey, que podem ser encontrados no site: www.abbafather.com. Gordon Dalbey é pastor, conferencista e autor de vários livros em inglês sobre o assunto de Hombridade, como “Healing the Masculine Soul” (“Curando a Alma Masculina”) e “Fight Like a Man” (“Lute Como um Homem”). Foi um dos preletores no primeiro evento dos “Promise Keepers” que foi realizado em um estádio do Colorado, EUA, em 1992.

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Caros(as) amigos(as).
Aqui termino as reflexões sobre a identidade do homem e suas implicações para as relações consigo mesmo, com sua familia, esposa, filhos, e também com amigos. Espero que tenha sido útil à sua vida.
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