domingo, 24 de março de 2013

Pela misericórdia de Deus


Philip Yancey

O escritor Brennan Manning, que dirige retiros espirituais várias vezes ao ano, me disse que nenhuma pessoa que seguiu seu regime para um retiro silencioso deixou de ouvir a Deus. Intrigado e cético, me inscrevi para um destes retiros com duração de cinco dias. Cada participante se encontra uma hora por dia com Brennan, que nos dava suas indicações sobre meditação e o trabalho espiritual. Também nos encontrávamos juntos para um culto diário, quando Brenann falava. Além disso, éramos livres para gastar nosso tempo como quiséssemos, com apenas uma exigência: duas horas de oração por dia.

Duvido que eu tenha dedicado mais de 30 minutos consecutivos em algum tempo em minha vida. No primeiro dia, fui até a um canto de uma campina e me encostei numa árvore. Tinha levado a indicação de Brennan para aquele dia e um caderno para registrar meus pensamentos. Por quanto tempo eu ficaria acordado?
Para minha felicidade, um bando de 147 alces (e eu tinha todo o tempo do mundo para contá-los) passeava pelo campo onde eu estava. Ver um alce é interessante; ver 147 em seu habitat natural é fascinante. Logo, no entanto, aprendi que olhar 147 alces por duas horas é muito chato. Eles afundavam suas cabeças e pastavam. Eles levantavam suas cabeças em conjunto e olhavam uma gralha estridente. Abaixavam as cabeças de novo e pastavam. Por duas horas nada mais aconteceu. Nenhum leão da montanha atacou; nenhum búfalo lutou entre si. Todos os alces se curvavam e pastavam.

Depois de algum tempo, a calma da cena começou a me incomodar. Os alces não tinham notado a minha presença. Fui envolvido em seu meio, fazendo parte do seu ritmo. Não mais pensei no trabalho que me esperava em casa, nos compromissos diante de mim e nem na leitura que Brennam me pedia. Meu corpo relaxou. No silêncio de chumbo, minha mente se aquietou.

Como escreveu Meister Eckhart, para aquietar a mente nada é mais poderoso, mais profundo, mas impressionante e perfeito que a oração. Um alce não tem trabalho para aquietar a mente; ele se dá por contente por estar num campo o dia todo com seus colegas alces, pastando. Quem ama não acha trabalhoso ir ao encontro do amado. Oro por um tipo de atenção assim absorvida diante de Deus.

Não voltei a ver os alces, por mais que procurasse nos campos e florestas. Nos dias seguintes, disse muitas palavras a Deus e me assentei em silêncio em sua presença. Fiz listas e vieram à minha mente muitas coisas que não teriam vindo se não tivesse me assentado no campo por horas naquele dia. A semana acabou se tornando uma espécie de checkup espiritual. Não ouvi nenhuma voz audível, mas no fim da semana concordei com Brennan: eu tinha ouvido a Deus.

Fiquei mais convencido de que Deus encontra formas de se comunicar com aqueles que o buscam de verdade, especialmente quando baixamos o volume do ruído ao nosso redor. Lembro-me de ter lido o relato de uma pessoa que interrompeu sua vida ocupada para gastar um pouco de tempo num mosteiro. O monge que mostrava a cela ao visitante lhe disse: “Espero que sua permanência o abençoe. Se você precisar de alguma coisa, diga-nos e nós lhe diremos como viver sem isto”.

Aprendemos a orar orando. Duas horas concentradas num dia me ensinaram muito. Para começar, preciso saber mais sobre Deus do que sobre mim mesmo quando estou orando. Geralmente vou a Deus com uma lista de compras, quando deveria ir com o desejo de gastar tempo com ele, discernir o que Ele quer de mim. Foi na campina dos alces que misteriosamente descobri que a resposta para minhas orações estava ao meu redor todo tempo. Nada mudou em meus sentidos, mas, através da oração, eu os abri para Deus. Como escreveu o poeta Rilke, quando cantamos ouvimos mais claramente.

Depois de um tempo com Deus, meus pedidos urgentes que pareciam tão importantes ganharam uma nova luz. Comecei a pedir, mas agora por causa da misericórdia de Deus. Embora minhas necessidades possam me levar à oração, é aí que me encontro com minha maior necessidade: um encontro com o próprio Deus. (Tradução de Israel Belo de Azevedo)

Philip Yancey é jornalista, teólogo e escritor.

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