por Ariovaldo Ramos
“A mulher que me deste por companheira, ela me deu da árvore, e comi” Gênesis 3.12.
Deus colocou o casal humano no jardim (Gn 2.8), estavam nus e não se envergonhavam (Gn 2.25), olhavam-se um como extensão do outro, não havia nenhum tipo de constrangimento entre eles.
Entendo que a ausência de constrangimento demonstrava a unidade deles. Um se via no outro. Havia entre eles um profundo respeito, uma vez que a convivência era harmoniosa. O que só é conseguido quando há respeito.
Respeito é mais do que não beligerância, trégua ou tratar alguém de maneira educada, polida. É profunda consideração pelo outro. Pessoas que se respeitam, honram-se mutuamente ou, no dizer de Paulo: “sujeitam-se um ao outro” (Ef 5.21). O respeito dignifica e enobrece qualquer relacionamento, assim como a sua ausência o vulgariza e empobrece.
A frase em epígrafe, dita pelo homem em seu relatório a Deus, atesta que a primeira conseqüência da queda, para o relacionamento humano, foi a perda de respeito entre homem e mulher. Quem respeita não usa o outro como bode expiatório para os seus problemas. Lamentavelmente, não só foi a primeira conseqüência, como, a julgar pela realidade da sociedade em que vivemos, tornou-se o padrão da maioria dos casamentos ora observados.
Curiosamente, a falta de respeito não inviabiliza, à primeira vista, um relacionamento, isto é, duas pessoas podem continuar juntas ainda que não se respeitem. A qualidade do relacionamento será, no mínimo, sofrível, porém, ainda possível.
O desrespeito pode assumir várias formas, das mais sutis às mais agressivas. Não é incomum, por exemplo, casamentos que se mantêm por décadas sob um conflito constante, que pode, inclusive, envolver maus tratos físicos.
A forma mais sutil de desrespeito é a dos ataques verbais, que podem ir de irritantes a grosseiros. Irritantes são os ataques verbais que denotam que o casal esta sempre se provocando ou, às vezes, praticando um duelo intelectual ou emocional, onde cada palavra é vista como o desferir de um ataque que merece imediata retaliação. Já os ataques grosseiros se caracterizam pela simples vulgaridade e pela violência verbal.
Ainda que pareça haver seres humanos que nutrem uma forma mórbida de amor, entendo que o desrespeito não pode grassar num ambiente de verdadeiro amor. Onde há falta de respeito o amor já foi embora ou, no mínimo, está em estado convalescente. O apóstolo Paulo disse: “o amor não se conduz incovenientemente” (1Cor 13.5), ou seja, o amor não falta com o respeito.
A falta de respeito é conseqüência do desprezo pelo outro, que, por sua vez, decorre da falsa conclusão, por parte do desrespeitoso, de que, de alguma forma, lhe é superior. Essa falsa ilação pode advir das mais diversas situações: despreza-se perdedores, gente que não conseguiu vencer na vida, um marido que não conseguiu ser o provedor da casa; despreza-se pecadores, gente que traiu o cônjuge - muitas vezes o traidor até é perdoado, pelo menos aparentemente, mas, com o tempo, acaba-se por perceber que o perdão foi apenas uma forma doentia de manter a pessoa sob tortura emocional – há relacionamentos que são mantidos por mera vingança; despreza-se gente que não acompanhou a evolução intelectual, financeira ou emocional do cônjuge; despreza-se gente que perdeu-se no padrão estético, marca dessa sociedade cultora do corpo. Ainda que as raízes do desprezo pareçam ser múltiplas, penso que há uma causa anterior.
A queda do homem é descrita como resultado de um ato de desobediência, o ser humano caiu por comer da fruta que Deus lhe proibira comer, a fruta que lhe daria conhecimento do bem e do mal. Não que o homem desconhecesse a diferença entre o bem e o mal! A criatura bem o sabia; se alguém, no Éden, perguntasse ao primeiro casal o que era e o que não era permitido fazer, isto é, a diferença entre o bem e o mal, certamente, receberia como resposta algo assim: “é permitido comer de todas as frutas (o bem) exceto da fruta da árvore do conhecimento do bem e do mal (o mal).” Acontece, porém, que o conhecimento que nossos primeiros pais tinham do bem e do mal vinha de Deus, isto é, era o Criador quem determinava o que era bem e o que era mal. O que foi oferecido ao casal original foi a possibilidade de, cada um deles, tornar-se a sua própria referência de bem e de mal, livrando-se assim, aparentemente, da exclusividade hegemônica de Deus.
Ao aceitar a oferta, a humanidade não só perdeu a comunhão com Deus, fonte de eterna sabedoria, como inaugurou um estado de guerra: cada ser humano, ao se tornar sua própria referência de bem e de mal, decretou guerra ao próximo, uma vez que o que um chama de bem o outro pode muito bem chamar de mal. Não bastasse isto, cada pessoa, não contente em ser a sua própria referência de bem e de mal, quer universalizar-se como referência. Eis a gênese da beligerância, a começar pela família: cada qual quer impor a sua vontade, o seu padrão, logo, está deflagrada a guerra. O primeiro ato de guerra é o desrespeito.
Para debelarmos este estado de desrespeito temos de nos converter ao Senhor, de modo que Ele volte a ser a única referência de bem e de mal para nós, assim como temos de nos converter um ao outro, de maneira que retomemos o caminho para a unidade. O converter-se ao Senhor faz com que a Sua vontade e o seu “modus operandi” se tornem nossos paradigmas, dessa forma nosso perdão será real, nossa paciência com o tempo de amadurecimento do outro será plena e nosso amor incondicional. O converter-se um ao outro faz com que a paz com o cônjuge ou com o próximo se torne prioritária, se torne o juiz de todas as nossas decisões, de modo que não ousemos dizer ou fazer qualquer coisa que tolde o relacionamento. O resultado de tal conversão é o restabelecimento de um estado de mútuo respeito.
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