segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Bem-aventurados os que choram


por Israel Belo de Azevedo

Embora o gênero predileto da Bíblia seja a poesia, plena de figuras de linguagem e de imagem, seus textos são sobre a vida concreta, para situações concretas. Ela está cheia de narrativas de pessoas, homens e mulheres, que choraram diante de certas situações na vida, como também ocorre conosco.

Chorar é um desses verbos que acompanham o ser humano (Eclesiastes 3:4). Quando chegamos à luz do mundo, choramos, aos berros. Quando perdemos pessoas que nos enlutam com sua partida, choramos, com intensidade. Nascimento e morte têm o choro como seu fundo musical.

Tão presente é o choro que, às vezes, lançamos mão dele conscientemente para atrair a piedade ou até para vender uma falsa impressão a nosso respeito. Nas CPIs recentes, vimos políticos e empresários jurar inocência inexistente em meio a lágrimas tão copiosas que tiveram de interromper por instantes seus depoimentos. É como se o choro autenticasse a inocência. É o choro estratégico, para enganar, como o de Dalila quando pediu a Sansão que lhe revelasse seu segredo (Juízes 14:16).

Quando Jesus profere as Suas bênçãos no chamado Sermão do Monte, ele inclui os que choram, mas os que choram por reconhecer as suas limitações e por desejar o consolo que vem de Deus.

• Bem-aventurados os que choram de luto, por terem perdido pessoas queridas, tragadas pela morte, que é sempre brutal e deixa sempre um vazio sem fim, como os que ficam também estivessem morrendo aos poucos. Chorar a morte de uma pessoa querida (João 11:35) é um tesouro que nenhum humano pode abandonar, em nome de qualquer disposição, chamada de compostura, coragem ou o conformação.

• Bem-aventurados os que choram de saudade, porque distanciados dos seus queridos, afastados para longe, voluntária ou involuntariamente, como se também estivessem junto aos rios da Babilônia, sentados e chorando de saudade de Sião (Salmos 137:1).

• Bem-aventurados os que choram porque perderam coisas importantes, como aqueles que ficaram sem suas casas por causa de tempestades da natureza ou foram privados de seus automóveis em acidentes ou tiveram levados bens valiosos em assaltos.

• Bem-aventurados os que choram por causa da dor que corta seus corpos ou mentes ou mentes ou corpos de seus queridos. Há diagnósticos que fazem chorar. Há cirurgias que fazem chorar. Há tratamentos que fazem chorar. Há sofrimentos para os quais não há terapia alguma, a não ser a do choro. Há leitos de hospitais que parecem eternos. Há doenças que prenunciam o fim. Há doenças que produzem a sombra da morte, como foi o caso de Ezequias, que contraiu uma doença letal (Isaías 38:3).

• Bem-aventurados os que choram por não recuperarem o perdido encanto pela vida. As lutas vão drenando as energias, deixando a lágrima em seu lugar. As decepções vão minando a vontade de viver, deixando o choro como mergulho possível. As perdas acumuladas vão alimentando a tristeza ou a depressão. Não há tempo para o sorriso, só para o lamento (Salmos 6).

• Bem-aventurados os que choram por experimentarem a tragédia da rejeição, do esquecimento, da ingratidão ou do abuso. Há pessoas que sofrem e choram por não serem amadas, como todo ser humano deve. Há pessoas que sofrem e choram por não se sentirem amadas pelos outros. Há pessoas que não conseguem imaginar um Deus que as ame. Há pessoas que vivem como que esquecidas num depósito de corpos. Para essas pessoas, a única manifestação que lhe é permitida é o choro, muitas vezes silencioso.

• Bem-aventurados os que choram porque estão sendo perseguidos por causa da sua fé ou por causa das conseqüências da sua fé. Crer é um verbo que se conjuga na contramão. Quem faz o trabalho do Senhor, às vezes, se esquece que sua atuação pode ser molhada pelas lágrimas. Bem-aventurados os que choram por fazerem o trabalho do Senhor, mesmo que em meio a lágrimas do sacrifício provocado pelo peso do trabalho ou pela incompreensão daqueles que recebem os benefícios do que se faz (Salmos 126:5-6).

• Bem-aventurados os que choram de indignação contra toda forma de injustiça, miséria e violência. Quem está acostumado a aceitar o fruto do pecado como aceitável não chora. Bem-aventurados os que choram quando a espada da fome, da sede, da insegurança é fincada no corpo de um fraco, seja parente, amigo ou desconhecido. Benditos os que choram de indignação.

• Bem-aventurados os que choram por não conseguirem dar o passo ou os passos que precisam para uma recuperação, para a restauração da imagem de Deus em seus corpos e almas.

• Bem-aventurados os que choram arrependidos do seu pecado. Como diz uma antiga canção, o chorar não salva; de igual modo, apenas sentir-se indigno não salva, mas o arrependimento é o primeiro passo para a salvação. Quando pecamos, precisamos chorar arrependidos, como Davi, após o adultério com Batseba.

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