terça-feira, 11 de agosto de 2009

Nós somos aqueles que amamos – 2ª parte: os amigos


por Harold Kushner

A capacidade de fazer amizades parece ser um dom unicamente humano. É preciso mais de uma pessoa para confirmar nosso sentimento de que somos importantes para o mundo. Talvez seja um erro contar com apenas uma pessoa para satisfazer todas as nossas necessidades emocionais, colocando sobre esse relacionamento exclusivo e muito íntimo um fardo maior do que ele é capaz de suportar. A relação com nossos filhos pode sofrer se lhe pedirmos que satisfaçam nossas necessidades emocionais de uma forma que impeça de se tornarem no futuro a pessoa que precisam ser; além disso, o sentimento que temos prestígio aumenta quando sabemos que somos importantes para outras pessoas além dos nossos familiares. É por isso que necessitamos de amigos.

O que é amizade? A amizade não tem objetivo biológico, status econômico ou significado evolucionário. Uma nova amizade pode representar uma pessoa a si mesma, o que lhe permite ver-se com novos olhos e uma forma de pensar diferente. Assim, é possível reformular as falhas e transformá-las em firmeza e eliminar a insegurança através da aceitação. É mais fácil os amigos estimularem a mudança do que a família.

Começamos a manifestar o instinto de fazer amizades desde uma tenra idade. As crianças bem pequenas adoram brincar com alguém, mesmo antes de ter idade suficiente para interagir com outras crianças. Algumas das suas necessidades são satisfeitas quando elas simplesmente têm uma figura familiar por perto enquanto brincam com alguma coisa. As crianças pequenas, especialmente as meninas, têm “melhores amigos” de quem são inseparáveis. As meninas tendem a agarrar-se ao melhor amigo como se estivessem ensaiando para o casamento, ao passo que os meninos disputam jogos competitivos com os amigos como se estivessem ensaiando para o mundo dos negócios.

Um homem da minha comunidade recusou “a grande oportunidade financeira da sua vida”porque isso teria significado tirar as duas filhas adolescentes da escola em que estudavam, afastá-las dos amigos e mudar-se para uma pequena cidade onde seriam uma das poucas famílias judaicas. As meninas desfizeram em lágrimas quando ouviram falar na oferta de emprego e disseram que iram morar com amigos em vez de acompanharem o pai. Ele analisou a possibilidade de residir sozinho no novo lugar até que as filhas terminassem o ensino médio, mas chegou à conclusão de que essa ideia estava fora de questão e recusou a oferta. Eu perguntei a ele: “você pensou na possibilidade de estar concedendo às suas filhas adolescentes um excesso de poder sobre sua vida profissional?”. Ele respondeu: “Não. Se isso tivesse acontecido há cinco anos, eu provavelmente teria aceitado a oferta e levado as duas comigo contra a vontade deles, e imagino que mais tarde me arrependeria de ter tomado essa atitude. Eu poderia ter alcançado um grande sucesso no cargo causando um grande prejuízo às pessoas mais importantes da minha vida. Estou contente com o fato de minha família ter me obrigado a perceber quais eram minhas prioridades”.

As amizades são uma das chaves da sobrevivência em um mundo hostil. Significam uma maneira de sermos reconhecidos como pessoas únicas, de nos certificarmos de que somos apreciados por sermos quem somos. Embora não tenham o mesmo grau de intensidade que o casamento, a paternidade ou a maternidade, as amizades genuínas são um espelho que reflete de volta para nós uma imagem lisonjeira de nós mesmos. O fato de serem criadas e dissolvidas por nossa própria escolha garante que as pessoas continuam a ser nossas amigas por que gostam sinceramente de nós, mesmo quando as desapontamos. Alguém disse: “quando um amigo comete um erro, o erro continua a ser um erro, mas o amigo permanece um amigo”. Além disso, as amizades são uma maneira de sermos importantes na vida de alguém, de saber que uma pessoa de quem gostamos e com quem nos preocupamos sente-se mais feliz, mais segura e tem uma probabilidade maior de fazer escolhas certas por nossa causa.

Nunca superamos a necessidade de ter amizades. Elas são uma fonte alternativa do alimento emocional de que precisamos quando o que recebemos da família ou do parceiro não é suficiente. No entanto, existem coisas das quais gostamos a respeito de nós mesmos e que os amigos podem reforçar mais do que os nossos familiares. Os seres humanos são criaturas sociais. Florescemos na companhia de outros seres humanos. É por isso que vamos à igreja ou à sinagoga em ver de conversar com Deus no conforto da nossa casa e é pelo mesmo motivo que vamos ao estádio em vez de assistir a um jogo pela televisão. Necessitamos dos outros e é fundamental que as pessoas precisem de nós, a fim de nos tornarmos quem podemos ser, quem desejamos ardentemente ser.

Somos aqueles a quem amamos. Thomas Lewis, Fari Amini e Richard Lannon, escreveram o livro – A Teoria Geral do Amor, no qual abordam a necessidade e a habilidade que o ser humano tem de se relacionar , seja romanticamente, seja através do vínculo da amizade. Eles situam a capacidade de amar no sistema límbico, o centro emocional do cérebro, e não no centro racional. Esse fato físico explica por que não somos capazes de convencer a nós mesmos e aos outros a amar alguém. É igualmente por esse motivo que, quando surge uma atração, não conseguimos nos persuadir nem persuadir ninguém de que aquela pessoa não é a ideal. Não há como explicar as razões que nos fazem sentir atração por alguém. Contudo, precisamos de amizade e afeto tanto quanto necessitamos de ar e comida; e, por algum motivo, identificamos certas pessoas como capazes de satisfazer essas necessidades. Algumas vezes ficamos boquiabertos com os amigos de nossos filhos, estejam eles na primeira série do ensino fundamental ou no terceiro ano da faculdade. Embora não consigam explicar o que vêem nesses amigos, esse relacionamento faz sentido para eles em termos emocionais.

Assim como o melhor presente não costuma ser aquele que você imaginava e sim aquele que você não sabia desejar até recebê-lo de alguém, o melhor presente de uma amizade é a capacidade do amigo ou amiga de saber do que estamos precisando antes mesmos de nós sabermos. E exatamente como ocorre com os presentes materiais, a satisfação de agradar a alguém com quem você se importa é tão gratificante quanto o prazer de descobrir o quanto essa pessoa se preocupa com você.

Definimos os amigos como pessoas que conhecem o nosso lado pior e gostam de nós assim mesmo, pessoas em cuja companhia podemos ser nós mesmos. No entanto, mais do que qualquer outra coisa, os amigos são pessoas que se importam com que nós somos e não com o que podemos fazer por eles. A verdadeira amizade encerra uma espécie de santidade, porque ela faz para nós o que a religião tenta fazer, ou seja, garantir que nunca estamos sozinhos quando precisamos desesperadamente não estar sós.

É por isso que temos que dar espaço na nossa vida para pessoas que às vezes nos decepcionam ou exasperam. Se esperamos que nossos amigos correspondam a um padrão de perfeição e se eles também nutrem essa expectativa em relação a nós, acabaremos bem mais sozinhos do que desejamos.

Quando perguntavam a Martin Burber – o grande filósofo e teólogo judeu – “onde Deus está?” ele foi suficientemente esperto para não dar a resposta estereotipada: Deus está em toda parte, Deus é encontrado nas igrejas e sinagogas. Buber respondia que Deus está nos relacionamentos. Deus não é encontrado nas pessoas, mas entre as pessoas.

O escritor Ralph Waldo Emerson diz o seguinte: “a gloria da amizade não está tanto na mão estendida nem no sorriso gentil. Ela está na inspiração espiritual que sentimos quando descobrimos que outra pessoa acredita em nós e está disposta a nos confiar sua amizade”.

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