segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Nós somos aqueles que amamos – 1ª parte: a familia


Por Harold Kushner

Em uma famosa música interpretada por Diana Ross, é feita a pergunta: “por que os tolos se apaixonam?”. Por que nos tornamos vulneráveis à dor e à perda permitindo-nos gostar tanto de alguém? Amar outra pessoa – marido, mulher ou filho, filha – significa nos tornarmos “reféns da sorte”. Uma enorme quantidade de coisas pode acontecer quando retiramos a couraça que nos protege e passamos a ser, portanto, vulneráveis à dor.

Por que nos expomos com tanta ansiedade ao processo de busca e rejeição, que faz com que tantos adolescentes e adultos jovens acham que sua vida não tem esperança porque não conseguiram encontrar alguém que sinta amor por eles? Se fosse apenas uma questão de perpetuar a espécie, de gratificar nosso instinto sexual, poderíamos evitar a frustração e a angústia da paquera, do ciúme, da traição e de tudo que faz parte do processo de acasalamento humano. No romance ADMIRÁVEL MUNDO NOVO, de Aldous Huxley – uma assustadora visão de um mundo no qual todos são felizes por que não têm sonhos e anseios – o governo separa o sexo da reprodução. As crianças são concebidas em laboratórios e o sexo é puramente uma forma de recreação, jamais problemático, nunca emocionalmente importante. Em certo momento, as pessoas descobrem uma cópia da peça OTELO, de Shakespeare, e não conseguem entendê-la. Qual é o problema daquele homem que fica aborrecido porque sua mulher dormiu com outra pessoa? Por que ficar infeliz por causa disso?

Por que nos preparamos para a angústia e a rejeição? Por que pais e filhos estão sempre emocionalmente enredados e possuem poder de gerar mais orgulho e infligir mais culpa e dor uns aos outros do que as pessoas envolvidas em qualquer outro relacionamento? Por que não podemos agir como os animais e soltar nossos descendentes no mundo assim que eles tiverem idade suficiente para andar, sem nunca mais vê-los de novo? Por que o amor, a busca do amor e a dor de amar são temas de um número tão grande de músicas, de novelas, da maioria dos filmes e também o motivo de uma grande quantidade de tentativas de suicídios? Fazemos tudo isso porque para nós o amor é mais do que a mera reprodução. O amor não se limita à satisfação sexual. O amor expresso principalmente – porém não exclusivamente – no casamento, na paternidade e na maternidade é a maneira mais acessível que temos de ser de suprema importância na vida de outra pessoa. Ele não é simplesmente uma resposta ao nosso impulso sexual e reprodutivo – ele satisfaz a necessidade de termos importância ou, como já disseram – “sermos o alguém de alguém”.

As pessoas que escrevem sobre saúde e felicidade têm afirmado que o ser humano possui uma necessidade básica de intimidade, que a nossa alma definha emocionalmente quando lidamos o dia inteiro com desconhecidos. Precisamos de pessoas que nos conheçam totalmente e se importem conosco. O Dr. Dean Ornish escreve o seguinte: “nossa sobrevivência depende do poder de cura do amor, da intimidade e dos relacionamentos.” Precisamos nos sentir amados. Necessitamos de pessoas que nos digam que somos especiais e insubstituíveis, pessoas que cuidarão das nossas carências e eliminarão nossos receios e inseguranças da maneira como nossa mãe fez quando éramos crianças. Contudo, também devemos aprender a dar amor, a fazer diferença na vida de alguém.

Os adolescentes anseiam desesperadamente por relacionamentos para neutralizar o medo de serem pessoas imperfeitas e que, por causa disso, ninguém os amará. Quando ficam perturbados por terem se comportado mal, eles precisam da confirmação de que alguém os considera agradáveis. Depois evoluem para um entendimento mais maduro do amor, a necessidade de ter importância, de fazer diferença na vida de outra pessoa. Eles passam a compreender que o amor envolve alimentar a alma de outra pessoa e não apenas encontrar alguém disposto a alimentar a deles. Ornish escreve o seguinte: “Costumava sentir que eu era amado por ser especial. Agora me sinto especial por que sou amado e porque posso amar”.

Havia uma mulher da minha comunidade que periodicamente me procurava para se queixar do casamento. Dizia que tinha que fazer tudo em casa, que seu marido não se envolvia com os filhos, que ele era emocionalmente distante. Eu tentava ser solidário, sempre lembrando a mim mesmo de que eu estava ouvindo apenas um dos lados da história e, de vez em quando, perguntava-lhe por que ela permanecia em um relacionamento tão insatisfatório. A mulher respondia que não tinha coragem de deixar o marido, que ele não saberia o que fazer sem ela, que a vida dele era vazia.

Então, certo dia, ela me procurou chorando. Ele a havia deixado. Suas palavras de despedida haviam sido as de que ele queria ser um marido e um pai mais completo, mas ela não permitia isso. Não lhe era possível assumir com facilidades esses papéis, talvez porque não soubesse desempenha-los, pois seu pai não lhe dera exemplo nesse sentido. Contudo, ele sentia que em vez de deixá-lo aprender, a esposa escolhera, por alguma razão psicológica, reivindicar essas atribuições para ela e não lhe cedia nenhum espaço.

Nós nos casamos para ter intimidade, para encontrar alguém que se importará conosco. Com o casamento buscamos igualmente ter acesso ao sexo em resposta a fortes impulsos naturais. No entanto, também nos casamos para nos ligar a uma pessoa cuja vida será diferente por ela ter compartilhado sua existência conosco. Temos filhos para alcançar a imortalidade biológica ou para satisfazer expectativas da família ou da sociedade. Contudo, também temos filhos para reclamar a oportunidade de moldar a vida de outra pessoa. Trabalhamos para ganhar dinheiro e pagar nossas contas, mas muitos de nós também trabalhamos para fazer uma pequena diferença no mundo.

Não podemos existir sem o conhecimento de que alguém se importa conosco, e o casamento proporciona a maneira mais acessível, mas não a única, de satisfazermos essa necessidade. Talvez seja por isso que os recentes esforços de criar alternativas para esse tipo de união – pequenas comunidades com parceiros intercambiáveis, casais que vivem juntos informalmente, com os dois parceiros tendo a liberdade de ir embora sempre que sentirem que suas necessidades não estão sendo satisfeitas – nunca conseguiram fortalecer tanto a alma quanto a secular instituição do casamento. Esses relacionamentos encerram uma mensagem que diz à outra pessoa “você pode ser substituída” em vez de “você é mais importante para mim do que qualquer coisa no mundo”. Talvez também seja por esse motivo que a infidelidade tem um poder maior de destruir o casamento do que qualquer outra falha, maior até do que a atividade criminosa, a doença mental ou o comportamento ofensivo. A infidelidade diz ao parceiro: “existe alguém mais importante do que você nos meus momentos mais íntimos”. (curiosamente, os homens cujos casos extraconjungais são descobertos tentam se justificar negando qualquer envolvimento emocional: “ela não tem importância para mim; tudo não passou de uma atração física passageira”. A mulher justifica sua traição insistindo em afirmar que estava apaixonada, que seu amante preenchia um vazio emocional em sua vida).

Quando duas pessoas estão verdadeiramente em sintonia uma com a outra, Deus se aproxima e preenche o espaço entre elas para que fiquem unidas. Tanto o amor, quanto a verdadeira amizade são mais do que apenas uma forma de saber que somos importantes para alguém. Elas são uma maneira de levar Deus para um mundo que, de outro modo, seria um vale de egoísmo e solidão.

Não perca na próxima semana, a 2ª parte falando sobre os Amigos.

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