segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Filhos de Eli

Por Luiz Sayão

O valor da ação dos pais

A igreja evangélica brasileira tem sido marcada por forte tendência evangelística. Seu crescimento numérico é inquestionável. Todavia, em meio a tão grande sucesso mensurável, um problema manifesta-se de modo incômodo nos ambientes evangélicos: muitos carregam experiências traumáticas. Tais pessoas ou afastam-se da igreja ou acabam mantendo um vínculo meramente formal com uma comunidade cristã, sem verdadeiro interesse na igreja e nas coisas espirituais.

Diante desse quadro, um fenômeno chama a atenção. Entre os “traumatizados da fé” destaca-se um número significativo de filhos de pastores. Como entender que até filhos de ministros evangélicos mostram-se decepcionados e frustrados com a igreja? Surgiu até a expressão “síndrome de filho de pastor” para definir a questão. Será que o problema é novidade? Como entender a situação? O que está acontecendo?

Em primeiro lugar, é necessário ressaltar o fato de que o problema está presente nas Escrituras. O caso mais nítido é o dos filhos de Eli, descrito em 1 Samuel. Vamos ao texto:

“Os filhos de Eli eram ímpios; não se importavam com o Senhor nem cumpriam os deveres de sacerdotes para com o povo; sempre que alguém oferecia um sacrifício, o auxiliar do sacerdote vinha com um garfo de três dentes, e, enquanto a carne estava cozinhando, ele enfiava o garfo na panela, ou travessa, ou caldeirão, ou caçarola, e o sacerdote pegava para si tudo o que vinha no garfo. Assim faziam com todos os israelitas que iam a Siló. Mas, antes mesmo de queimarem a gordura, vinha o auxiliar do sacerdote e dizia ao homem que estava oferecendo o sacrifício: ‘Dê um pedaço desta carne para o sacerdote assar; ele não aceitará de você carne cozida, somente crua’. Se o homem lhe dissesse: ‘Deixe primeiro a gordura se queimar e então pegue o que quiser’, o auxiliar respondia: ‘Não. Entregue a carne agora. Se não, eu a tomarei à força’. O pecado desses jovens era muito grande à vista do Senhor, pois eles estavam tratando com desprezo a oferta do Senhor” (1 Sm 2.12-17).

Quando lemos mais adiante, verificamos que o repúdio divino e seu julgamento sobre os filhos perversos de Eli são contundentes:

“Por que vocês zombam de meu sacrifício e da oferta que determinei para a minha habitação? Por que você honra seus filhos mais do que a mim, deixando-os engordar com as melhores partes de todas as ofertas feitas por Israel, o meu povo?... É chegada a hora em que eliminarei a sua força e a força da família de seu pai, e não haverá mais nenhum idoso na sua família, e você verá aflição na minha habitação” (1 Sm 2.29,31,32). O que nos assusta é que Eli não está sozinho. Muitos outros casos de pais que conheciam a Deus e que tiveram filhos execráveis e perversos estão presentes nas Escrituras. Podemos citar o exemplo de Adão (Caim), Isaque (Esaú), Samuel (seus filhos – 1 Sm 8.3), Davi (Absalão) e Ezequias (Manassés). A pergunta que precisa ser feita é por que isso acontece. Como entender que pessoas que desde crianças são ensinadas nas verdades de Deus tornam-se absolutamente refratárias à Palavra divina? Exemplos da história recente mais estarrecedores de “filhos apóstatas” foram o filósofo Friedrich Nietzsche, neto de pastor, e o escritor Herman Hesse, filho de missionários.

Aqui vão algumas possíveis explicações da razão de tal fenômeno. Espero que sejam úteis à grande comunidade cristã de nossas igrejas cristãs.

1. Muitos pais falham em não ensinar a Palavra divina.

Boa parcela de cristãos imagina que a responsabilidade do ensino bíblico é da igreja e da escola dominical. A idéia das Escrituras é diferente. Timóteo aprendeu com a mãe (2 Tm 1.5;3.15). O livro de Provérbios enfatiza o ensino dado aos filhos desde pequenos (1.8; 6.20; 23.22). O ensino bíblico precisa ser dado pessoalmente, olho no olho. Não pode ser mera abstração distanciada. Além disso, ensinar é viver. Se nosso procedimento mostrar que nossos valores são outros, estaremos levando os filhos na direção equivocada. Em casa, a vida fala mais alto do que as palavras. A negligência para com os princípios cristãos e o secularismo presente são responsáveis pelo enfraquecimento da fé de muitos.

2. Muitos pais rejeitam a verdade de que filhos precisam de limites.

Provavelmente motivados pelo narcisismo, muitos pais acham que seus filhos são tão maravilhosos que acabam rejeitando a responsabilidade de discipliná-los. Isso provoca um sentimento de “ausência de lei” e de desrespeito à autoridade. A falta de amor em aplicar disciplina aos filhos é uma fuga da responsabilidade (medo de sentir-se culpado) que provoca danos sérios à formação do ego e da personalidade da criança. Este foi o grande erro de Eli: “Pois eu lhe disse que julgaria sua família para sempre, por causa do pecado dos seus filhos, do qual ele tinha consciência; seus filhos se fizeram desprezíveis, e ele não os puniu” (1 Sm 3.13).

Escutemos as sábias palavras de Provérbios:

“Quem se nega a castigar seu filho não o ama; quem o ama não hesita em discipliná-lo” (13.24).

“Não evite disciplinar a criança; se você a castigar com a vara, ela não morrerá” (23.13).

“Discipline seu filho, e este lhe dará paz; trará grande prazer à sua alma” (29.17).

“A insensatez está ligada ao coração da criança, mas a vara da disciplina a livrará dela” (22.15).

Deve ficar bem claro que disciplina não pode ser confundida com violência nem com descontrole emocional. A disciplina deve partir de regras claras e ser aplicada com coerência, mostrando preocupação com o benefício da criança.

QUANDO O PAI E A MÃE NÃO SE ENTENDEM, OS FILHOS SÃO AFETADOS

O mais importante ensino que se dá a uma criança é o relacionamento entre pai e mãe. Aquilo em que de fato cremos aparece em nossa convivência. Se ensinamos ao filho que é necessário submeter-se a Deus e à sua Palavra, mas em casa o pai não ama e respeita a mãe, e a mãe, por sua vez, não ouve o marido e o confronta, não há muito o que ensinar através de conceitos abstratos (Ef 5.21-25). O ambiente no qual os filhos são criados é fundamental para a saúde espiritual e emocional de sua formação. O confronto entre pai e mãe sugerirá aos filhos que o Evangelho não tem poder nenhum de restauração.

A MAIORIA DOS PAIS PRECISA PEGAR LEVE!

Alguns pais, motivados pelo zelo religioso, acabam cobrando demais de seus filhos e apenas exigindo o tempo todo. Falta afeto, falta atenção real, conversa pessoal etc. Essa é a preocupação da frase “não irritem seus filhos” (Cl 3.21; Ef 6.4). A idéia do texto original é agir de modo a fazer o filho perder a coragem e a vontade de prosseguir. Talvez essa seja uma das maiores dificuldades dos pais muito “espirituais”, que enfatizam a lei e os mandamentos, mas que não expressam graça e amor, a essência do Evangelho. Na minha opinião, aqui está o principal motivo dos problemas dos “filhos de pastores”. Eles são obrigados a ser “pastorezinhos”, são cobrados em toda a parte, e os pais ficam temerosos com seu testemunho. Muitos simplesmente não agüentam o processo e acabam ficando frustrados e traumatizados.

OS PAIS PRECISAM LEMBRAR QUE FAMÍLIA É PRIORIDADE!

É importante destacar que muitos pais “consagrados” fazem de tudo na igreja e na fé, e deixam seus filhos em segundo plano. A idéia é que Deus irá cobrar a fidelidade na obra do Senhor. Motivados pela culpa e pelo ativismo, caem num processo de envolvimento exagerado com atividades da igreja e abandonam a família. Essa atitude é errada e perigosa e pode provocar problemas muito sérios.
O líder da igreja deve cuidar primeiro da família (1 Tm 3.4), e quem não faz isso é “pior do que um descrente” (1 Tm 5.8). A família vem antes da igreja nas prioridades de Deus.

Todavia, apesar dos possíveis erros paternos e maternos, deve ficar claro que cada um de nós é livre para tomar suas decisões. Os dois melhores reis de Judá tiveram pais muito perversos e maus. Ezequias era filho de Acaz, e Josias, filho de Amom. Eles não se entregaram à herança familiar problemática. De igual modo, cada filho deve reagir encarando sua própria responsabilidade. Não adianta culpar a igreja, os pais e a Deus. É preciso tomar a atitude correta. Diante da terrível “síndrome dos filhos de Eli”, pais e filhos devem ouvir a Palavra divina e corrigir o rumo de sua direção.
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Fonte: Revista Enfoque

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