segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Filhos de Eli

Por Luiz Sayão

O valor da ação dos pais

A igreja evangélica brasileira tem sido marcada por forte tendência evangelística. Seu crescimento numérico é inquestionável. Todavia, em meio a tão grande sucesso mensurável, um problema manifesta-se de modo incômodo nos ambientes evangélicos: muitos carregam experiências traumáticas. Tais pessoas ou afastam-se da igreja ou acabam mantendo um vínculo meramente formal com uma comunidade cristã, sem verdadeiro interesse na igreja e nas coisas espirituais.

Diante desse quadro, um fenômeno chama a atenção. Entre os “traumatizados da fé” destaca-se um número significativo de filhos de pastores. Como entender que até filhos de ministros evangélicos mostram-se decepcionados e frustrados com a igreja? Surgiu até a expressão “síndrome de filho de pastor” para definir a questão. Será que o problema é novidade? Como entender a situação? O que está acontecendo?

Em primeiro lugar, é necessário ressaltar o fato de que o problema está presente nas Escrituras. O caso mais nítido é o dos filhos de Eli, descrito em 1 Samuel. Vamos ao texto:

“Os filhos de Eli eram ímpios; não se importavam com o Senhor nem cumpriam os deveres de sacerdotes para com o povo; sempre que alguém oferecia um sacrifício, o auxiliar do sacerdote vinha com um garfo de três dentes, e, enquanto a carne estava cozinhando, ele enfiava o garfo na panela, ou travessa, ou caldeirão, ou caçarola, e o sacerdote pegava para si tudo o que vinha no garfo. Assim faziam com todos os israelitas que iam a Siló. Mas, antes mesmo de queimarem a gordura, vinha o auxiliar do sacerdote e dizia ao homem que estava oferecendo o sacrifício: ‘Dê um pedaço desta carne para o sacerdote assar; ele não aceitará de você carne cozida, somente crua’. Se o homem lhe dissesse: ‘Deixe primeiro a gordura se queimar e então pegue o que quiser’, o auxiliar respondia: ‘Não. Entregue a carne agora. Se não, eu a tomarei à força’. O pecado desses jovens era muito grande à vista do Senhor, pois eles estavam tratando com desprezo a oferta do Senhor” (1 Sm 2.12-17).

Quando lemos mais adiante, verificamos que o repúdio divino e seu julgamento sobre os filhos perversos de Eli são contundentes:

“Por que vocês zombam de meu sacrifício e da oferta que determinei para a minha habitação? Por que você honra seus filhos mais do que a mim, deixando-os engordar com as melhores partes de todas as ofertas feitas por Israel, o meu povo?... É chegada a hora em que eliminarei a sua força e a força da família de seu pai, e não haverá mais nenhum idoso na sua família, e você verá aflição na minha habitação” (1 Sm 2.29,31,32). O que nos assusta é que Eli não está sozinho. Muitos outros casos de pais que conheciam a Deus e que tiveram filhos execráveis e perversos estão presentes nas Escrituras. Podemos citar o exemplo de Adão (Caim), Isaque (Esaú), Samuel (seus filhos – 1 Sm 8.3), Davi (Absalão) e Ezequias (Manassés). A pergunta que precisa ser feita é por que isso acontece. Como entender que pessoas que desde crianças são ensinadas nas verdades de Deus tornam-se absolutamente refratárias à Palavra divina? Exemplos da história recente mais estarrecedores de “filhos apóstatas” foram o filósofo Friedrich Nietzsche, neto de pastor, e o escritor Herman Hesse, filho de missionários.

Aqui vão algumas possíveis explicações da razão de tal fenômeno. Espero que sejam úteis à grande comunidade cristã de nossas igrejas cristãs.

1. Muitos pais falham em não ensinar a Palavra divina.

Boa parcela de cristãos imagina que a responsabilidade do ensino bíblico é da igreja e da escola dominical. A idéia das Escrituras é diferente. Timóteo aprendeu com a mãe (2 Tm 1.5;3.15). O livro de Provérbios enfatiza o ensino dado aos filhos desde pequenos (1.8; 6.20; 23.22). O ensino bíblico precisa ser dado pessoalmente, olho no olho. Não pode ser mera abstração distanciada. Além disso, ensinar é viver. Se nosso procedimento mostrar que nossos valores são outros, estaremos levando os filhos na direção equivocada. Em casa, a vida fala mais alto do que as palavras. A negligência para com os princípios cristãos e o secularismo presente são responsáveis pelo enfraquecimento da fé de muitos.

2. Muitos pais rejeitam a verdade de que filhos precisam de limites.

Provavelmente motivados pelo narcisismo, muitos pais acham que seus filhos são tão maravilhosos que acabam rejeitando a responsabilidade de discipliná-los. Isso provoca um sentimento de “ausência de lei” e de desrespeito à autoridade. A falta de amor em aplicar disciplina aos filhos é uma fuga da responsabilidade (medo de sentir-se culpado) que provoca danos sérios à formação do ego e da personalidade da criança. Este foi o grande erro de Eli: “Pois eu lhe disse que julgaria sua família para sempre, por causa do pecado dos seus filhos, do qual ele tinha consciência; seus filhos se fizeram desprezíveis, e ele não os puniu” (1 Sm 3.13).

Escutemos as sábias palavras de Provérbios:

“Quem se nega a castigar seu filho não o ama; quem o ama não hesita em discipliná-lo” (13.24).

“Não evite disciplinar a criança; se você a castigar com a vara, ela não morrerá” (23.13).

“Discipline seu filho, e este lhe dará paz; trará grande prazer à sua alma” (29.17).

“A insensatez está ligada ao coração da criança, mas a vara da disciplina a livrará dela” (22.15).

Deve ficar bem claro que disciplina não pode ser confundida com violência nem com descontrole emocional. A disciplina deve partir de regras claras e ser aplicada com coerência, mostrando preocupação com o benefício da criança.

QUANDO O PAI E A MÃE NÃO SE ENTENDEM, OS FILHOS SÃO AFETADOS

O mais importante ensino que se dá a uma criança é o relacionamento entre pai e mãe. Aquilo em que de fato cremos aparece em nossa convivência. Se ensinamos ao filho que é necessário submeter-se a Deus e à sua Palavra, mas em casa o pai não ama e respeita a mãe, e a mãe, por sua vez, não ouve o marido e o confronta, não há muito o que ensinar através de conceitos abstratos (Ef 5.21-25). O ambiente no qual os filhos são criados é fundamental para a saúde espiritual e emocional de sua formação. O confronto entre pai e mãe sugerirá aos filhos que o Evangelho não tem poder nenhum de restauração.

A MAIORIA DOS PAIS PRECISA PEGAR LEVE!

Alguns pais, motivados pelo zelo religioso, acabam cobrando demais de seus filhos e apenas exigindo o tempo todo. Falta afeto, falta atenção real, conversa pessoal etc. Essa é a preocupação da frase “não irritem seus filhos” (Cl 3.21; Ef 6.4). A idéia do texto original é agir de modo a fazer o filho perder a coragem e a vontade de prosseguir. Talvez essa seja uma das maiores dificuldades dos pais muito “espirituais”, que enfatizam a lei e os mandamentos, mas que não expressam graça e amor, a essência do Evangelho. Na minha opinião, aqui está o principal motivo dos problemas dos “filhos de pastores”. Eles são obrigados a ser “pastorezinhos”, são cobrados em toda a parte, e os pais ficam temerosos com seu testemunho. Muitos simplesmente não agüentam o processo e acabam ficando frustrados e traumatizados.

OS PAIS PRECISAM LEMBRAR QUE FAMÍLIA É PRIORIDADE!

É importante destacar que muitos pais “consagrados” fazem de tudo na igreja e na fé, e deixam seus filhos em segundo plano. A idéia é que Deus irá cobrar a fidelidade na obra do Senhor. Motivados pela culpa e pelo ativismo, caem num processo de envolvimento exagerado com atividades da igreja e abandonam a família. Essa atitude é errada e perigosa e pode provocar problemas muito sérios.
O líder da igreja deve cuidar primeiro da família (1 Tm 3.4), e quem não faz isso é “pior do que um descrente” (1 Tm 5.8). A família vem antes da igreja nas prioridades de Deus.

Todavia, apesar dos possíveis erros paternos e maternos, deve ficar claro que cada um de nós é livre para tomar suas decisões. Os dois melhores reis de Judá tiveram pais muito perversos e maus. Ezequias era filho de Acaz, e Josias, filho de Amom. Eles não se entregaram à herança familiar problemática. De igual modo, cada filho deve reagir encarando sua própria responsabilidade. Não adianta culpar a igreja, os pais e a Deus. É preciso tomar a atitude correta. Diante da terrível “síndrome dos filhos de Eli”, pais e filhos devem ouvir a Palavra divina e corrigir o rumo de sua direção.
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Fonte: Revista Enfoque

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Em qual Jesus você acredita?

Por José J. de Azevedo

Vivemos na época da globalização do nome Jesus. Há em todos os meios e em todas as religiões e seitas uma certa unanimidade quanto a Jesus.

Os espíritas são concordes em afirmar o alto grau de evolução de Jesus, o Mestre. Os muçulmanos também reconhecem o valor superlativo do descendente de Abraão – por sinal, pai também dos árabes e um dos líderes espirituais do Islã. Neste sentido, professor de Teologia Sistemática Muçulmana da Universidade de Tunis, Hmida Ennaifer, escreveu: “Quando estudamos mais atentamente o que o Alcorão diz sobre Jesus, percebemos que nenhuma outra figura foi dotada de um poder taumatúrgico tão extraordinário quanto o seu. E isso não é tudo: o Alcorão recorre a cerca de doze atributos marcadamente reconhecidos como de Jesus. Ele é o profeta, o servidor de Deus e a criança lavada de toda a impureza, mas é também o sinal, o exemplo, o Verbo, o espírito vindo de Deus, aquele que é sustentado pelo Espírito Santo, o caminho reto”.

Os budistas também reconhecem o valor de Jesus – a tal ponto que muitos afirmam que Jesus, entre os 12 e 30 anos, em que sua biografia fica sem registro nas Escrituras, teria feito treinamentos e cursos nos mosteiros do Himalaia. Um livro budista chega a celebrar Jesus como buda (“O Buda Jesus”).

Os gnósticos afirmam que Jesus adquiriu sua sabedoria em Alexandria, como um adepto iniciado. Um escritor maçom escreveu: “Jesus foi nosso Irmão, iniciado numa Loja essênia”, e que “A exaltação de Jesus ou seu ingresso no terceiro Grau, da Ordem Maçônica dos essênios ocorreu no dia vinte e cinco de dezembro do ano trinta” (J.Castellani).

Afinal, em qual Jesus você acredita?

Os socialistas apontam Jesus como um líder revolucionário, com sede e fome de justiça, disposto a construir um império dirigido por trabalhadores. As feministas reconhecem que Jesus tratou com nobre cortesia as mulheres – mesmo às de má fama como Maria Madalena e a mulher samaritana, a quem com todo cuidado, aconselhou junto ao poço de Jacó. Até mesmo o pessoal da “conspiração aquariana” tem um lugar para Jesus, ao lado de outros grandes mestres e profetas da humanidade.

Nesse nome Jesus foram criadas muitas religiões e seitas e cada uma advoga para si o Nome, como uma marca registrada – Algumas chegam a se considerar mais cristãs, que as outras.

Há, pois, um Jesus para cada fé. O nome conotativo de Jesus veio não apenas para confundir, mas para dinamizar o esforço ecumênico, numa unanimidade universal.

Responda, porém: Em que Jesus você acredita? Qual Jesus você segue?

Na verdade as correntes não-cristãs rejeitam o Jesus da Bíblia e sua insuportável exclusividade.

Reflita agora, prezado leitor, e faça uma reflexão entre sua fé e o que Jesus Cristo, fielmente bíblico, afirmou como verdades essenciais e fundamentais sobre si mesmo e seus discípulos:

Você nega ou crê na afirmativa de Jesus?: “Eu sou o Caminho a Verdade e a Vida, ninguém vai ao Pai, senão por mim” (João 14.6);

Você aceita ou rejeita a Sua cruz?: “... quem não toma a sua cruz e vem após mim não é digno de mim” (Mateus 10.38);

Você crê ou descrê em Sua Justiça?: “Pois não me envergonho do Evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê... visto que a Justiça de Deus se revela no Evangelho, de fé em fé” (Romanos 1.16-17);

Rejeita ou acata o Seu conselho?: “Examinai as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim” (João 5.39);

Aceita essa verdade ou rejeita seguí-Lo?: “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará nas trevas; pelo contrário, terá a luz da vida” (João 8.12);

Aceita ou rejeita a Sua divindade?: “Em verdade, em verdade eu vos digo: Antes que Abraão existisse, EU SOU” (João 8.58);

Aceita e crê em Sua soberania?: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá” (João 11.25);

Rejeita ou recebe a Sua paz?: “Deixo-vos a minha paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como a dá o mundo. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize” (João 14.27).

Ama a Graça de Sua salvação ou acha que pode salvar a si mesmo?: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie” (Efésios 2.8-9).

Seja sincero e responda: Em qual Jesus você acredita?

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Nós somos aqueles que amamos – 2ª parte: os amigos


por Harold Kushner

A capacidade de fazer amizades parece ser um dom unicamente humano. É preciso mais de uma pessoa para confirmar nosso sentimento de que somos importantes para o mundo. Talvez seja um erro contar com apenas uma pessoa para satisfazer todas as nossas necessidades emocionais, colocando sobre esse relacionamento exclusivo e muito íntimo um fardo maior do que ele é capaz de suportar. A relação com nossos filhos pode sofrer se lhe pedirmos que satisfaçam nossas necessidades emocionais de uma forma que impeça de se tornarem no futuro a pessoa que precisam ser; além disso, o sentimento que temos prestígio aumenta quando sabemos que somos importantes para outras pessoas além dos nossos familiares. É por isso que necessitamos de amigos.

O que é amizade? A amizade não tem objetivo biológico, status econômico ou significado evolucionário. Uma nova amizade pode representar uma pessoa a si mesma, o que lhe permite ver-se com novos olhos e uma forma de pensar diferente. Assim, é possível reformular as falhas e transformá-las em firmeza e eliminar a insegurança através da aceitação. É mais fácil os amigos estimularem a mudança do que a família.

Começamos a manifestar o instinto de fazer amizades desde uma tenra idade. As crianças bem pequenas adoram brincar com alguém, mesmo antes de ter idade suficiente para interagir com outras crianças. Algumas das suas necessidades são satisfeitas quando elas simplesmente têm uma figura familiar por perto enquanto brincam com alguma coisa. As crianças pequenas, especialmente as meninas, têm “melhores amigos” de quem são inseparáveis. As meninas tendem a agarrar-se ao melhor amigo como se estivessem ensaiando para o casamento, ao passo que os meninos disputam jogos competitivos com os amigos como se estivessem ensaiando para o mundo dos negócios.

Um homem da minha comunidade recusou “a grande oportunidade financeira da sua vida”porque isso teria significado tirar as duas filhas adolescentes da escola em que estudavam, afastá-las dos amigos e mudar-se para uma pequena cidade onde seriam uma das poucas famílias judaicas. As meninas desfizeram em lágrimas quando ouviram falar na oferta de emprego e disseram que iram morar com amigos em vez de acompanharem o pai. Ele analisou a possibilidade de residir sozinho no novo lugar até que as filhas terminassem o ensino médio, mas chegou à conclusão de que essa ideia estava fora de questão e recusou a oferta. Eu perguntei a ele: “você pensou na possibilidade de estar concedendo às suas filhas adolescentes um excesso de poder sobre sua vida profissional?”. Ele respondeu: “Não. Se isso tivesse acontecido há cinco anos, eu provavelmente teria aceitado a oferta e levado as duas comigo contra a vontade deles, e imagino que mais tarde me arrependeria de ter tomado essa atitude. Eu poderia ter alcançado um grande sucesso no cargo causando um grande prejuízo às pessoas mais importantes da minha vida. Estou contente com o fato de minha família ter me obrigado a perceber quais eram minhas prioridades”.

As amizades são uma das chaves da sobrevivência em um mundo hostil. Significam uma maneira de sermos reconhecidos como pessoas únicas, de nos certificarmos de que somos apreciados por sermos quem somos. Embora não tenham o mesmo grau de intensidade que o casamento, a paternidade ou a maternidade, as amizades genuínas são um espelho que reflete de volta para nós uma imagem lisonjeira de nós mesmos. O fato de serem criadas e dissolvidas por nossa própria escolha garante que as pessoas continuam a ser nossas amigas por que gostam sinceramente de nós, mesmo quando as desapontamos. Alguém disse: “quando um amigo comete um erro, o erro continua a ser um erro, mas o amigo permanece um amigo”. Além disso, as amizades são uma maneira de sermos importantes na vida de alguém, de saber que uma pessoa de quem gostamos e com quem nos preocupamos sente-se mais feliz, mais segura e tem uma probabilidade maior de fazer escolhas certas por nossa causa.

Nunca superamos a necessidade de ter amizades. Elas são uma fonte alternativa do alimento emocional de que precisamos quando o que recebemos da família ou do parceiro não é suficiente. No entanto, existem coisas das quais gostamos a respeito de nós mesmos e que os amigos podem reforçar mais do que os nossos familiares. Os seres humanos são criaturas sociais. Florescemos na companhia de outros seres humanos. É por isso que vamos à igreja ou à sinagoga em ver de conversar com Deus no conforto da nossa casa e é pelo mesmo motivo que vamos ao estádio em vez de assistir a um jogo pela televisão. Necessitamos dos outros e é fundamental que as pessoas precisem de nós, a fim de nos tornarmos quem podemos ser, quem desejamos ardentemente ser.

Somos aqueles a quem amamos. Thomas Lewis, Fari Amini e Richard Lannon, escreveram o livro – A Teoria Geral do Amor, no qual abordam a necessidade e a habilidade que o ser humano tem de se relacionar , seja romanticamente, seja através do vínculo da amizade. Eles situam a capacidade de amar no sistema límbico, o centro emocional do cérebro, e não no centro racional. Esse fato físico explica por que não somos capazes de convencer a nós mesmos e aos outros a amar alguém. É igualmente por esse motivo que, quando surge uma atração, não conseguimos nos persuadir nem persuadir ninguém de que aquela pessoa não é a ideal. Não há como explicar as razões que nos fazem sentir atração por alguém. Contudo, precisamos de amizade e afeto tanto quanto necessitamos de ar e comida; e, por algum motivo, identificamos certas pessoas como capazes de satisfazer essas necessidades. Algumas vezes ficamos boquiabertos com os amigos de nossos filhos, estejam eles na primeira série do ensino fundamental ou no terceiro ano da faculdade. Embora não consigam explicar o que vêem nesses amigos, esse relacionamento faz sentido para eles em termos emocionais.

Assim como o melhor presente não costuma ser aquele que você imaginava e sim aquele que você não sabia desejar até recebê-lo de alguém, o melhor presente de uma amizade é a capacidade do amigo ou amiga de saber do que estamos precisando antes mesmos de nós sabermos. E exatamente como ocorre com os presentes materiais, a satisfação de agradar a alguém com quem você se importa é tão gratificante quanto o prazer de descobrir o quanto essa pessoa se preocupa com você.

Definimos os amigos como pessoas que conhecem o nosso lado pior e gostam de nós assim mesmo, pessoas em cuja companhia podemos ser nós mesmos. No entanto, mais do que qualquer outra coisa, os amigos são pessoas que se importam com que nós somos e não com o que podemos fazer por eles. A verdadeira amizade encerra uma espécie de santidade, porque ela faz para nós o que a religião tenta fazer, ou seja, garantir que nunca estamos sozinhos quando precisamos desesperadamente não estar sós.

É por isso que temos que dar espaço na nossa vida para pessoas que às vezes nos decepcionam ou exasperam. Se esperamos que nossos amigos correspondam a um padrão de perfeição e se eles também nutrem essa expectativa em relação a nós, acabaremos bem mais sozinhos do que desejamos.

Quando perguntavam a Martin Burber – o grande filósofo e teólogo judeu – “onde Deus está?” ele foi suficientemente esperto para não dar a resposta estereotipada: Deus está em toda parte, Deus é encontrado nas igrejas e sinagogas. Buber respondia que Deus está nos relacionamentos. Deus não é encontrado nas pessoas, mas entre as pessoas.

O escritor Ralph Waldo Emerson diz o seguinte: “a gloria da amizade não está tanto na mão estendida nem no sorriso gentil. Ela está na inspiração espiritual que sentimos quando descobrimos que outra pessoa acredita em nós e está disposta a nos confiar sua amizade”.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Nós somos aqueles que amamos – 1ª parte: a familia


Por Harold Kushner

Em uma famosa música interpretada por Diana Ross, é feita a pergunta: “por que os tolos se apaixonam?”. Por que nos tornamos vulneráveis à dor e à perda permitindo-nos gostar tanto de alguém? Amar outra pessoa – marido, mulher ou filho, filha – significa nos tornarmos “reféns da sorte”. Uma enorme quantidade de coisas pode acontecer quando retiramos a couraça que nos protege e passamos a ser, portanto, vulneráveis à dor.

Por que nos expomos com tanta ansiedade ao processo de busca e rejeição, que faz com que tantos adolescentes e adultos jovens acham que sua vida não tem esperança porque não conseguiram encontrar alguém que sinta amor por eles? Se fosse apenas uma questão de perpetuar a espécie, de gratificar nosso instinto sexual, poderíamos evitar a frustração e a angústia da paquera, do ciúme, da traição e de tudo que faz parte do processo de acasalamento humano. No romance ADMIRÁVEL MUNDO NOVO, de Aldous Huxley – uma assustadora visão de um mundo no qual todos são felizes por que não têm sonhos e anseios – o governo separa o sexo da reprodução. As crianças são concebidas em laboratórios e o sexo é puramente uma forma de recreação, jamais problemático, nunca emocionalmente importante. Em certo momento, as pessoas descobrem uma cópia da peça OTELO, de Shakespeare, e não conseguem entendê-la. Qual é o problema daquele homem que fica aborrecido porque sua mulher dormiu com outra pessoa? Por que ficar infeliz por causa disso?

Por que nos preparamos para a angústia e a rejeição? Por que pais e filhos estão sempre emocionalmente enredados e possuem poder de gerar mais orgulho e infligir mais culpa e dor uns aos outros do que as pessoas envolvidas em qualquer outro relacionamento? Por que não podemos agir como os animais e soltar nossos descendentes no mundo assim que eles tiverem idade suficiente para andar, sem nunca mais vê-los de novo? Por que o amor, a busca do amor e a dor de amar são temas de um número tão grande de músicas, de novelas, da maioria dos filmes e também o motivo de uma grande quantidade de tentativas de suicídios? Fazemos tudo isso porque para nós o amor é mais do que a mera reprodução. O amor não se limita à satisfação sexual. O amor expresso principalmente – porém não exclusivamente – no casamento, na paternidade e na maternidade é a maneira mais acessível que temos de ser de suprema importância na vida de outra pessoa. Ele não é simplesmente uma resposta ao nosso impulso sexual e reprodutivo – ele satisfaz a necessidade de termos importância ou, como já disseram – “sermos o alguém de alguém”.

As pessoas que escrevem sobre saúde e felicidade têm afirmado que o ser humano possui uma necessidade básica de intimidade, que a nossa alma definha emocionalmente quando lidamos o dia inteiro com desconhecidos. Precisamos de pessoas que nos conheçam totalmente e se importem conosco. O Dr. Dean Ornish escreve o seguinte: “nossa sobrevivência depende do poder de cura do amor, da intimidade e dos relacionamentos.” Precisamos nos sentir amados. Necessitamos de pessoas que nos digam que somos especiais e insubstituíveis, pessoas que cuidarão das nossas carências e eliminarão nossos receios e inseguranças da maneira como nossa mãe fez quando éramos crianças. Contudo, também devemos aprender a dar amor, a fazer diferença na vida de alguém.

Os adolescentes anseiam desesperadamente por relacionamentos para neutralizar o medo de serem pessoas imperfeitas e que, por causa disso, ninguém os amará. Quando ficam perturbados por terem se comportado mal, eles precisam da confirmação de que alguém os considera agradáveis. Depois evoluem para um entendimento mais maduro do amor, a necessidade de ter importância, de fazer diferença na vida de outra pessoa. Eles passam a compreender que o amor envolve alimentar a alma de outra pessoa e não apenas encontrar alguém disposto a alimentar a deles. Ornish escreve o seguinte: “Costumava sentir que eu era amado por ser especial. Agora me sinto especial por que sou amado e porque posso amar”.

Havia uma mulher da minha comunidade que periodicamente me procurava para se queixar do casamento. Dizia que tinha que fazer tudo em casa, que seu marido não se envolvia com os filhos, que ele era emocionalmente distante. Eu tentava ser solidário, sempre lembrando a mim mesmo de que eu estava ouvindo apenas um dos lados da história e, de vez em quando, perguntava-lhe por que ela permanecia em um relacionamento tão insatisfatório. A mulher respondia que não tinha coragem de deixar o marido, que ele não saberia o que fazer sem ela, que a vida dele era vazia.

Então, certo dia, ela me procurou chorando. Ele a havia deixado. Suas palavras de despedida haviam sido as de que ele queria ser um marido e um pai mais completo, mas ela não permitia isso. Não lhe era possível assumir com facilidades esses papéis, talvez porque não soubesse desempenha-los, pois seu pai não lhe dera exemplo nesse sentido. Contudo, ele sentia que em vez de deixá-lo aprender, a esposa escolhera, por alguma razão psicológica, reivindicar essas atribuições para ela e não lhe cedia nenhum espaço.

Nós nos casamos para ter intimidade, para encontrar alguém que se importará conosco. Com o casamento buscamos igualmente ter acesso ao sexo em resposta a fortes impulsos naturais. No entanto, também nos casamos para nos ligar a uma pessoa cuja vida será diferente por ela ter compartilhado sua existência conosco. Temos filhos para alcançar a imortalidade biológica ou para satisfazer expectativas da família ou da sociedade. Contudo, também temos filhos para reclamar a oportunidade de moldar a vida de outra pessoa. Trabalhamos para ganhar dinheiro e pagar nossas contas, mas muitos de nós também trabalhamos para fazer uma pequena diferença no mundo.

Não podemos existir sem o conhecimento de que alguém se importa conosco, e o casamento proporciona a maneira mais acessível, mas não a única, de satisfazermos essa necessidade. Talvez seja por isso que os recentes esforços de criar alternativas para esse tipo de união – pequenas comunidades com parceiros intercambiáveis, casais que vivem juntos informalmente, com os dois parceiros tendo a liberdade de ir embora sempre que sentirem que suas necessidades não estão sendo satisfeitas – nunca conseguiram fortalecer tanto a alma quanto a secular instituição do casamento. Esses relacionamentos encerram uma mensagem que diz à outra pessoa “você pode ser substituída” em vez de “você é mais importante para mim do que qualquer coisa no mundo”. Talvez também seja por esse motivo que a infidelidade tem um poder maior de destruir o casamento do que qualquer outra falha, maior até do que a atividade criminosa, a doença mental ou o comportamento ofensivo. A infidelidade diz ao parceiro: “existe alguém mais importante do que você nos meus momentos mais íntimos”. (curiosamente, os homens cujos casos extraconjungais são descobertos tentam se justificar negando qualquer envolvimento emocional: “ela não tem importância para mim; tudo não passou de uma atração física passageira”. A mulher justifica sua traição insistindo em afirmar que estava apaixonada, que seu amante preenchia um vazio emocional em sua vida).

Quando duas pessoas estão verdadeiramente em sintonia uma com a outra, Deus se aproxima e preenche o espaço entre elas para que fiquem unidas. Tanto o amor, quanto a verdadeira amizade são mais do que apenas uma forma de saber que somos importantes para alguém. Elas são uma maneira de levar Deus para um mundo que, de outro modo, seria um vale de egoísmo e solidão.

Não perca na próxima semana, a 2ª parte falando sobre os Amigos.
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