Caros amigos e amigas, este blog é um meio que encontrei de compartilhar artigos, textos, reflexões bíblicas sobre a vida e os desafios de se por em prática aquilo que cremos. Boa leitura!
domingo, 20 de fevereiro de 2011
A Dádiva do Presente: Aos 33
Por Paulo Nascimento
And you run and you run to catch up with the sun, but it's sinking
And racing around to come up behind you again
The sun is the same in a relative way, but you're older
Shorter of breath and one day closer to death
Time, Pink Floyd)
Ontem (25/07) eu ouvi o antropólogo brasileiro Roberto DaMatta, em entrevista à Marília Gabriela, dizer que há quatro anos, quando da morte de seu filho mais velho, encontrou nos livros o alento que lhe ajudou a mitigar a dor da perda. Mais do que o alento psicológico, DaMatta dizia ter experimentado com os livros um sentimento de esperança, e certa convicção de que a morte não teria a última palavra sobre a vida. Teria DaMatta lido a Bíblia? Não sei. Ele mesmo não o disse.
Hoje também eu perco um pedaço da vida. Rubem Alves tem razão quando diz que 76 são os anos que ele não tem mais. Quando nos perguntam nossa idade tendemos a dizer: “tenho 20 anos”, ou “tenho 33 anos”, ou “tenho 60 anos”. Nos equivocamos! Nasci em 26 de julho de 1977. Portanto, 33 são os anos que já não tenho, posto que se foram. Quantos ainda tenho? Não sei! Mas 33 são exatamente aqueles que me escaparam por entre os dedos hoje!
Eu quis fazer como Roberto DaMatta. Fui mitigar minha perda nos livros. E reencontrei um santo e um herege que me ajudaram.
Santo Agostinho é autor de uma belíssima meditação sobre o tempo no seu Confissões [Livro XI, O Homem e o Tempo]. Muito antes de qualquer Psicologia ou de qualquer Teoria da Relatividade, o bispo de Hipona nos persuadiria acerca da relatividade do tempo e da natureza subjetiva de sua produção. O que temos, conforme Agostinho, é um “eterno hoje”. Porque nem o passado nem o futuro existem, exceto como memória e expectação, respectivamente. O que nos sobra é a eternidade de cada momento. Não é curioso que exatamente essas coisas que não existem mais, sejam justamente aquelas que turvam em nossos olhos a dádiva do presente? Não é curioso que o passado seja o demônio de muita gente? Não é curioso que a expectação do futuro torne sem graça a dádiva do presente para muita gente? “Esquecerei as coisas passadas. Preocupar-me-ei sem distração alguma, não com as coisas futuras e transitórias, mas com aquelas que existem no presente”, concluía Agostinho.
A expressão “dádiva do presente” é de Rubem Alves em Towards a Theology of Liberation [no Brasil, Da Esperança]. É dita no contexto de uma advertência a todos os revolucionários, sejam teólogos, políticos, acadêmicos, etc. Porque nos parece que onde quer que um espírito revolucionário aporte, o presente precisa ser sacrificado em nome da construção do futuro. Parece-nos que no caminho para “outro mundo possível”, o presente precisa ser domesticado, negado, sacrificado em prol da luta e da militância. Perde-se assim o sentido erótico da vida, que só pode ser fruído como um Agora dadivoso. Para Alves, ao fruir a dádiva do presente “a pessoa está livre para as coisas simples da vida, coisas que não produzem manchetes nem mudam o mundo. Livre para conversar, para beber e comer, para fazer nada, em pura contemplação, para desfrutar o jogo do sexo, para brincar”. Assim, sem perder a dimensão da utopia que move nosso caminhar, a dádiva do presente, cheia de paixão e de erotismo, nos torna pessoas mais leves e menos ressentidas.
Foi aos 33, segundo os evangelhos, que Jesus de Nazaré morreu na cruz romana. Mas como pôde, consumiu fartamente do eterno hoje. Também não deixou esvair-se a dádiva do presente. Plantou as sementes de um mundo diferente a que nominava Reino de Deus, que é uma imagem arquetípica da sociedade marcada pela humanização plena de todo mundo. Mas enquanto o Reino não chegava, foi às festas do povo e não permitiu que a alegria acabasse junto com o vinho que findou. Foi chamado de comilão e de beberrão e não retrucou. Embrenhou-se entre pobres e prostitutas, que, ao que nos consta, dificilmente conversam sobre política.
Em Tempus Fugit Rubem Alves descreve o medo que lhe dava o relógio de parede na casa de seu avô. “Eu tinha medo. Hoje, acho que sei por quê: ele batia a Morte”, explica. De modo semelhante diz um verso do Pink Floyd: The sun is the same in a relative way, but you’re older / Shorter of breath and one day closer to death.
Mais próximo da morte, sim. Mas sem medo algum. Trabalhando por outro futuro possível, sim. Mas fruindo o eterno hoje e a dádiva do presente. Aos trinta e três!
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Paulo Nascimento é baiano de Muritiba, terra de Castro Alves. É casado com Patrícia Nascimento e sem filhos. Também é Bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Nordeste (Feira de Santana-BA) e graduando em Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas. Além disso, é pastor batista em Maceió e professor de Teologia Sistemática no Seminário Teológico Batista de Alagoas. É autor de Ópio coisa nenhuma: Ensaio de Teologia Crítica a partir de Alagoas.
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