Porque às vezes eu desejaria ser um alcoólatra
por Philip Yancey
Ao ouvir os discursos neste período de eleições, alguém pode sugerir que a nova leva de políticos em Washington resolverá os problemas que essa nação tem enfrentado, ou até mesmo os problemas do mundo. Uma vez eleito o candidato X, ele ou ela resolverá os problemas do aquecimento global, a crise na saúde, eliminará a pobreza, ajustará a economia e unirá um país dividido.
Para dois problemas, entretanto, nenhum político ousa apresentar soluções: morte e maldade. Endêmicos à condição humana, esses dois problemas nos acompanharão por toda nossa vida. São exatamente esses os problemas que o evangelho de Cristo promete solucionar – não através da política ou ciência, mas através de um projeto que se iniciou no Gólgota.
Estudiosos da Bíblia mostram que o capítulo 3 de Romanos é a mais compacta exposição das boas novas. Antes de revelar a cura para aqueles dois males, Paulo detalha a impotência da humanidade em achar solução por conta própria. Como um médico, ele precisa impressionar seus pacientes com a gravidade da doença antes de apresentar sua cura.
Sou confrontado com as três categorias de pecadores apresentadas por Paulo em Romanos 1 e 2. Ele começa descrevendo infratores flagrantes: depravados, assassinos e inimigos de Deus (embora, curiosamente, ele também mencione os pecados “de todo dia”, como ganância, fofoca, inveja e desobediência aos pais).
Como seus leitores eram cidadãos conscientes, presunçosos por sua superioridade moral ante àqueles depravados, Paulo vira a mesa do jogo no capítulo 2: “Portanto, és indesculpável, ó homem, quando julgas, quem quer que sejas; porque, no que julgas a outro, a ti mesmo te condenas; pois praticas as próprias coisas que condenas”.
Posso nunca ter roubado um banco, mas será que eu já soneguei meus impostos? Ou será que eu fiz alguma obra em minha casa sem que tivesse licença para fazê-la? Será que já ignorei uma necessidade por causa de preguiça? Paulo segue a lógica de Jesus apresentada no Sermão do Monte: Homicídio e adultério diferem de ódio e luxúria apenas por uma questão de grau. Na verdade, a pessoa que comete um mal flagrante tem uma vantagem peculiar: um giroscópio interno na consciência que registra a sensação de estar fora de curso.
Certa vez, aceitei participar de um programa de cristãos chamado de os 12 passos, como os alcoólicos anônimos. Enquanto falava com os que ali estavam e ponderava acerca do que ia dizer, eu finalmente decidi pelo irônico título: “porque às vezes eu desejaria ser um alcoólatra”. Ocorreu-me que aquilo que levava os alcoólatras a confessarem-se todos os dias – falhas pessoais, a necessidade diária de graça e ajuda de amigos e de um poder maior – representa altos obstáculos para aqueles de nós que se orgulham de sua independência e auto-suficiência.
Paulo reservou seus comentários mais contundentes para uma terceira categoria de homens, os portadores de justiça própria, que em seus dias eram, majoritariamente, judeus que se orgulhavam por guardar estritamente a lei. Fariseu dos fariseus; Paulo conhecia muito bem esse título, como atesta em uma de suas cartas. Ele se refere aos depravados como “eles”, e aos bons cidadãos como “vocês”. Entretanto, quando ele discursa sobre a justiça própria, ele usa a primeira pessoa do plural. “Que se conclui? Temos nós qualquer vantagem? Não, de forma nenhuma!”.
Nos seus piores dias concernentes à justiça própria, Paulo perseguiu cristãos e esteve presente no apedrejamento de Estêvão. Ele sabia dos perigos que acompanhavam aqueles que se achavam moralmente superiores. Assim como a negação pode fazer com que pessoas não procurem médicos por cause de um nódulo ou uma lesão cutânea, pondo, assim, vidas em risco, a negação do pecado pode conduzir a conseqüências ainda maiores. A menos que aceitemos esse desolador diagnóstico, não encontraremos cura.
A descrição da confissão de Paulo sobre sua justiça própria me faz lembrar um incomum esforço de M. Scott Peck para identificar uma nova desordem psíquica chamada mal. Em seu livro “Povo da mentira” Pack analisa os tipos de maldade e conclui, como Paulo, que os piores deles são os mais sutis. Todos condenamos abusos infantis – mas o que dizer sobre pais controladores e manipuladores que trazem conseqüências devastadoras sobre suas crianças. Pack menciona uma surpreendente característica da maldade: atitude de se esquivar; intolerância com críticas; preocupação pública para com sua imagem e com sua respeitabilidade; fraqueza intelectual.
Paulo conclui: “Não há um justo; nem um sequer”. Talvez na passagem mais sombria de toda a Bíblia, ele fez uma conjunta descrição anatômica deste problema, ao dizer que eles têm: línguas enganadoras, gargantas como um sepulcro aberto, lábios venenosos, pés violentos e olhos arrogantes (Rm 3.10-18). Todas essas coisas estabelecem a magnífica apresentação do evangelho que começa em Romanos 3.21, a explicação da justificação pela fé somente que desencadeou a Reforma Protestante.
A graça de Deus, única solução para a morte e a maldade, vem sem custos, livre da lei, livre dos esforços humanos para obtê-la. Para essa livre oferta, nós só precisamos manter abertas as nossas pobres e necessitadas mãos – o gesto mais difícil para alguém cheio de justiça própria.
Traduzido por Daniel Leite Guanaes
Copyright © 2008 por Christianity Today International
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