domingo, 19 de julho de 2009

O que acontece quando Deus não responde? Parte II

por Philip Yancey

Ao estudar cada um dos contextos que contém as promessas, aprendi alguns fatos que me ajudaram a entender o problema. O assunto como um todo é ainda misterioso e levemente confuso, mas minha amargura com relação às orações não respondidas se dissipou à medida que fui compreendendo alguns fatores por detrás do papel da oração na vida cristã.

1. As declarações de Jesus, tomadas ao pé da letra, são irrealizáveis, de modo que precisamos buscar um significado por trás delas. Por que são irrealizáveis? Porque as pessoas oram com pedidos contraditórios, e Deus não pode responder a ambos.

Durante a guerra civil norte-americana homens piedosos de ambos os lados, como Abraham Lincoln, Stonewall Jackson e Robert E. Lee, oraram todos intensa e constantemente pela vitória, mas norte e sul não poderiam vencer simultaneamente.

Se a Universidade Oral Roberts e o Wheaton College (ambas organizações cristãs) se enfrentam no basquete, ambos os times podem orar pedindo a vitória, mas posso garantir que um time não terá seu pedido atendido.

Há uma ilustração ainda mais contundente: Jesus não recebeu o que pediu no Getsêmani. Ele pediu a Deus que, por favor, encontrasse uma alternativa para poupá-lo da dor, se fosse da vontade dele (Lc 22:42). Esse fato é quase sempre ignorado no ensino cristão acerca da oração. Nosso modelo para toda a vida, o Homem perfeito com a fé perfeita e que nos ensinou a orar, foi morto, embora tivesse pedido a Deus, seu Pai, que o poupasse! Obviamente, algumas orações são recusadas, não importa quão cheios de fé estejamos.

Paulo teve um problema semelhante, fruto de uma indis¬posição física que ele chamou de seu "espinho na carne" (v. 2Co 12:7-9). A despeito de três apelos a Deus para que lhe extinguisse a dor, a oração de Paulo não foi atendida.

Concluo, portanto, que o que Jesus disse não pode ser aplicado a todas as orações o
tempo todo.

2. Cada uma das declarações extremas de Jesus sobre a oração foram dirigidas a um grupo específico de pessoas: os discípulos. Durante seu tempo na terra, Jesus selecionou doze homens para levar adiante seu ministério depois da ascensão. Eles foram pessoas especiais, com dons especiais dados por Deus (eles eram tão seletos que quando a igreja decidiu quais textos seriam incluídos no Novo Testamento, ela incluiu os escritos pelos discípulos quase automaticamente).

Não seria o caso de que Jesus deu aos discípulos certos direitos e privilégios com respeito à oração que não se aplicam a todos os cristãos igualmente? Afinal, qual de nós pode repetir os milagres de Pedro ou os textos inspirados de João?

Os escritores do evangelho não dizem explicitamente "esses mandamentos aplicam-se apenas aos discípulos", mas nos dizem, em cada caso, que Jesus estava conversando com os doze discípulos, e não com uma grande multidão.

Francamente, não sei quanto devo levar adiante este argumento. Porém talvez ele ajudasse a explicar a abrangente natureza das promessas de Jesus. Talvez ele estivesse investindo seus discípulos com um dom específico de ousadia e de percepção da vontade de Deus. Eram homens maduros que haviam passado três anos aprendendo diretamente com Jesus; há boas chances de que eles teriam uma boa idéa de quais orações fariam avançar o propósito de Deus sobre a terra e quais seriam meros caprichos (do tipo "ajude nosso time a vencer").

É interessante que em passagens como l João 5:14, 15, escrevendo para um grupo grande, João diz cuidadosamente que "se pedirmos alguma coisa segundo a sua vontade, ele nos ouve". Essa frase "segundo a sua vontade" é uma verdade fundamental.

3. Uma vez que foi Jesus quem fez as afirmações abrangentes sobre oração, fiz questão de observar com cuidado o tipo de orações que ele fez. Um tipo em particular me surpreendeu. Eu sempre havia visto as orações como um ato determinado por mim e também concentrado em mim, o agente da oração. Mas as orações de Jesus mostraram que o verdadeiro foco está no Pai, aquele a quem ele orava. Ele usava a oração como um período de comunhão com o Pai, para renovar-se na vontade de Deus, para pedir forças. Ele também a usava para agradecer a Deus pelo mundo e para mencionar seus amigos que tinham necessidades. Era uma conversa, não uma lista de compras.

Charlie Shedd chama a oração de "um diálogo interior com seu melhor amigo". Comecei a perceber que eu a via como uma varinha mágica que eu podia mover a fim de levar Deus a fazer o que eu queria. No entanto, não estou no comando da oração. Deus está.

Muitas pessoas compartilham do conceito errado que eu já tive sobre a oração. Por exemplo, Mark Twain, que se sentiu incomodado pela oração não respondida, expressou o dilema em Huckleberry Finn. Huck aprendeu uma lição da srta. Watson em oração.
"Ela me disse para orar todos os dias, e que tudo que pedis¬se eu receberia. Mas não foi bem assim. Eu tentei. Uma vez ganhei uma linha de pescar, mas sem anzóis. Não servia para nada sem anzóis. Tentei orar por anzóis três ou quatro vezes, mas não funcionou. Chegou o dia em que pedi à srta. Watson que tentasse por mim, mas ela disse que eu era um tolo. E nunca disse por quê. Não consegui fazer funcionar de jeito nenhum.

Sentei uma vez lá na floresta e matutei muito sobre a coisa. Digo a mim mesmo: 'Se o sujeito pode conseguir qualquer coisa que pedir na oração, por que o diácono Winn não recebe de volta o dinheiro que perdeu na carne de porco? Por que a viúva não recupera sua caixinha de rapé prateada que foi roubada? Por que a srta. Watson não engorda?' Não, digo a mim mesmo, essa é uma roubada".

É obvio que Huck queria um gênio da garrafa que realizas¬se seus desejos, não um Deus que fosse Senhor de sua vida. A fé, para ele, era uma ginástica mental a fim de conseguir o que queria. Porém a fé deve ser colocada em Deus, confiando em seu amor e sua disposição em responder com sabedoria.

Quando li as Escrituras examinando as orações, não pude evitar a constatação de que os pedidos são uma pequena parte da oração. Algumas delas são de adoração, de arrependimento, outras de louvor. Os salmos, por exemplo, são uma série de orações em forma de poesia. Leia-os todos, e você percebe¬rá quão poucos deles são essencialmente pedidos.

As orações pedidos são simplesmente isso: pedidos. A oração não é uma máquina automática que cospe a recompensa apropriada. E um clamor a um Pai amoroso para que se relacione conosco.

O motivo da oração não pode ser "o que posso ganhar?". Isso é mágica. Ele tem de ser: "Deus, creio que essa é a tua vontade, mas ela está além do meu poder. Podes me ajudar?". Na oração do Pai Nosso, Jesus expressou-o da seguinte maneira: "venha o teu reino, seja feita a tua vontade".

A Bíblia é clara quanto ao fato de que Deus responde às orações, mesmo aquelas que não são respondidas do modo como gostaríamos que fossem. Ele considera cuidadosamente os pedidos mais absurdos e egoístas. Quando crianças pedem coisas tolas a pais sábios — coisas como "posso ficar acordado para assistir àquele programa bem tarde da noite?" ou "você vai me deixar dirigir, mesmo eu tendo só doze anos?" — nem sempre conseguem o que querem. Com frequência os pais sabem julgar o que é bom para seus filhos.

Para mim não é tão impressionante que Deus se recuse a atender a alguns de nossos pedidos. O impressionante é que sejamos ouvidos! Todas as orações acabam na caixa de entra¬da de Deus. Nosso papel é enchê-lo de pedidos, e então entregar-lhe a confiança que aceita as respostas dele.

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