sábado, 21 de julho de 2012

Um Céu de saudades…


Por José Barbosa Junior

Postado em 23/06/2011 (www.crerepensar.com.br)

Confesso que, em determinados assuntos, uma leitura literal do texto bíblico me é estranha, se não triste. Principalmente nos livros chamados apocalípticos. Monstros, rolos, cavaleiros, etc, ficam bem em filmes hollywoodianos, mas me embaraçam se levados ao pé da letra (se bem que letra não tem pé)…

Um dos temas que encontro mais dificuldade nessa interpretação literal é o “céu”. Sim, o céu “bíblico” é chato, com o perdão da palavra. Ruas de ouro, mar de cristal… não me apetecem em nada… sei que a linguagem é figurada, isso é que me salva desse céu… mas há amigos que levam isso a sério demais!

Se o céu é o lugar das “delícias eternas”, ele não pode ser assim… tão vazio de prazeres e coisas que nos enchem a alma de felicidade (mais uma vez, obrigado Rubem Alves).

Já sei, muitos devem estar dizendo a essa hora: “a presença de Deus enche tudo, irmão, você não sentirá falta de nada.” Tenho minhas dúvidas… e é o próprio Deus que faz côro comigo nessa hora. Ao criar o homem, e mais, se encontrar com ele todas as tardes pra um bom bate-papo, ainda assim “Deus viu que o homem estava só”… há um vazio no coração do homem que nem Deus preenche: o vazio dos relacionamentos com seus iguais…

Mas voltemos a falar do céu que eu imagino em minha loucas divagações teológico-poéticas…

O céu para onde vou (ou onde estarei, caso ele venha) tem cheiro de carambola e goiaba, como aquelas que eu pegava, maduras no pé, subindo nos galhos das árvores dos sítios de Parada Modelo, ao pé da Serra dos Órgãos. Lá, se cumprirá em nós todos, creio, a oração de Adélia Prado: "Meu Deus, me dá cinco anos, me dá a mão, me cura de ser grande." Outras árvores frondosas estarão por lá e verei amigos em seus galhos, numa saudável “guerra de caroços”, que ao fim só redundarão em mais árvores nascendo do chão fértil desse solo divino.

Na hora do almoço, panelas enormes exalarão o cheiro da carne assada com batatas coradas que minha avó Mercedes fazia (hoje, aos 93 anos, já não consegue manusear as panelas), mas fiquem tranqüilos, no céu também haverá cardápios vegetarianos. Aliás, lá (ou aqui) as receitas “de família” pertencerão a quem sempre deveriam pertencer: a todos! Comeremos e nos fartaremos. Na sobremesa, o manjar que minha avó Dulce faz (e ainda faz muito bem aos 88 anos)… assim como teremos os mais variados doces feitos pelas mais variadas avós. O que há de melhor que doce feito por vó? Marias, Amélias, Dulces, Mercedes, Nanziras, Babettes… todas estarão lá, fazendo seus quitutes, que nos levarão a outros céus imaginários…

À tarde, um passeio pela biblioteca celestial, onde todos os bons livros lá estarão, em todas as línguas, para que nos deliciemos em suas poesias, assentados nos imensos jardins, regados por fontes cristalinas e rodeado de crianças que brincarão de roda, sem que isso atrapalhe nossa leitura… e teremos toda a eternidade para esse prazer…
No céu que antevejo, as ruas (que me perdoem os biblistas) são de barro mesmo. E a criançada brincará tranquilamente, sem medo dos automóveis (isso não haverá no céu – automóvel – como perder o prazer de andar a pé?). Três marias, pique-esconde, pique-bandeira e, é claro, a tradicional pelada da tarde, com as mais variadas camisas coloridas dos times de todo o mundo (até vascaínos!!!)… e as crianças brincarão felizes. Eu disse crianças? Ah! Esqueci que Deus já me terá dado cinco anos… porque também estarei lá…

Depois da pelada com os amigos, nos reuniremos, ao fim da tarde, num boteco qualquer de qualquer esquina celestial, e entre goles gelados daquilo que mais agradar a cada um, conversaremos animados, trocaremos abraços (o que me faz lembrar o texto da minha querida amiga mineira Ana Gontijo – “ E tem outro céu que é feito de casos, abraços, camadas de amigos e o Infinito em nós.”), tiraremos violões, bandolins e cavaquinhos de suas capas, alguém buscará um pandeiro atrás do balcão e ali teremos uma boa roda de choro e samba pra brindar a noite que se aproxima…

Sim, ao contrário do que muitos pensam (e volto a dizer, a interpretação literal do céu pode acabar com ele), lá haverá noite… mas enquanto o sol se põe e a noite se aproxima, entre a roda de choro e samba, e os abraços dos amigos, ninguém menos que ELE se chegará, puxará uma cadeira e completará, simples e humilde, as vozes de nossos cantos. Sim, o reencontro de todo fim de tarde, como era no início, se dará ao som de música, muita música, aguardando a lua que nos torna ainda mais amigos e
queridos…

Ao anoitecer, ELE mesmo puxará, com sua voz suave (como o seu jugo) :” não há, oh! Gente, oh! Não! Luar como esse, do sertão!”… e lágrimas de alegria (sim, essas de alegria teremos por lá) rolarão das faces enrubescidas de Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco, ao verem sua obra cantada por Aquele que lhes inspirou… e nós choraremos e cantaremos juntos, abraçados…

Até creio, que Deus, em sua infinita graça e misericórdia, já tem reservado alguns “bairros” no céu que serão como descritos literalmente, para alegria daqueles que não saberiam viver sem o cumprimento literal de tudo que acreditaram… e até mesmo vou lá de vez em quando, só não me demorarei, para abraçar alguns amigos…

Sei que tudo isso ainda é nada, perto do que lá (ou aqui) acontecerá… mas não creio ser diferente disso… porque, como diria o meu querido amigo e poeta Laion Monteiro: "Creio na ressurreição da carne também por causa de minhas saudades. Impossível tudo terminar assim tão quase."

Espero encontrar vocês por lá…

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