sábado, 10 de março de 2012

Fluxo de Vida


por Giuliano Barcelos

Publicado em 06/03/2012 (http://www.irmaos.com)

Fazia muitos anos que eu era desprezada por todos à minha volta. Meu marido me abandonou e meus filhos tinham uma mistura de nojo e vergonha de mim. Por onde eu andava era motivo de dedos apontados e de pessoas trocando de lado na rua para não cruzarem comigo.

Sentia-me uma amaldiçoada, infeliz e desgraçada mulher. O que eu fiz para que eu me tornasse assim não sei, talvez tenha sido a maldade do mundo, talvez a culpada de tudo isto foi Eva. Ah, Eva!!! Se não tivesse aceitado aquele fruto, com certeza eu não estaria padecendo assim.

Durante estes muitos anos procurei todos os médicos que minhas posses puderam proporcionar. Tinha muito dinheiro e achava que isto poderia me trazer a cura. Procurei cada especialista e nenhum deles conseguiu sequer amenizar minha enfermidade.

Doença maldita que me fazia sangrar, impedindo que meu marido me abraçasse, me tocasse, até que me deixou por causa dela. Doença idiota que exalava um odor característico e insuportável.

Ah, mas este odor não era nada comparado ao estado da minha alma apodrecida e corroída pela angústia e desesperança. Esperava apenas a morte me levar para que finalmente pudesse ter um pouco de paz. Tamanho era meu desespero que já até planejara minha morte quando ouvi na vizinhança que um certo galileu estava nas redondezas. Interessei-me, pois o que era dito acerca deste homem fez brotar em mim novamente a esperança. Disseram que era mestre, mas era diferente dos demais mestres, pois suas palavras tinham vida e davam um novo significado a ela. Disseram também que realizava prodígios e milagres e alguns chegavam a afirmar que ouviram o próprio Deus dizer que ele era o seu filho amado.

Não resisti em saber quem era este homem e ansiava em pedir-lhe que me curasse. Foi quando avistei uma grande multidão circundando um pequeno grupo de homens que, não fosse pela expressão de alegria em seus rostos, poderia jurar que seria mais um apedrejamento de uma adúltera.

Pensei em desistir, pois, com tantas pessoas se espremendo para ouvi-lo de perto e tocá-lo, eu jamais seria sequer vista ou ouvida por ele. Foi quando senti meu coração pulsar mais forte, como que se me empurrasse até este homem milagroso.
Corri até a multidão e fui me apertando para alcançá-lo por detrás. Nem as cotoveladas e os olhares de repúdio com os quais eu estava tão acostumada e que me desanimaram tanto na jornada foram capazes de me fazer desistir. Ao contrário, pareciam me dar mais força.

Eu já estava bem próxima dele, no limite das minhas forças, quando me lancei para frente, ao chão, buscando ao menos tocá-lo. Antes de cair, falei baixinho para mim mesma: se eu conseguir pelo menos tocar em suas vestes, serei curada.
Tudo o que fui capaz foi tocar-lhe a orla do vestido e o que senti não sei descrever: parecia um choque que correu meu corpo juntamente com fogo e gelo; senti borboletas no estômago, meu coração disparou a ponto de quase sair pela boca e percebi nitidamente que estava curada.

O homem milagroso parou e disse algo que não compreendi naquele instante, e pelo que seu discípulo lhe respondeu pareceu que havia perguntado se havia lhe tocado. Apesar das muitas pessoas que se acotovelavam, sabia que ele falava de mim. Tremi, temi, não sabia o que ele iria fazer comigo, mas me lancei aos seus pés e lhe contei a minha história. Parece que o mundo parou e que todos os que estavam ali desapareceram. Era só eu e o mestre. Ele me olhava com tamanha ternura que toda a tristeza e amargura enraizada em meu coração pelos doze anos de sofrimento, repúdio e vergonha passaram num instante. Foi um instante que valeu uma eternidade.

Então ele segurou a minha mão, levantou-me, olhou-me nos meus olhos e, como se visse o mais profundo da minha alma, disse com sua uma voz suave e inconfundível: Filha, a sua fé lhe salvou, vai em paz e fica livre deste mal!

Notas:
Leia a história na Bíblia: Lucas 8:43-48

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