sábado, 31 de dezembro de 2011

Os alegres caminhos de Deus nos sofridos descaminhos da vida


Por Lissânder Dias

Ou o que aprendi sobre o tempo em um albergue municipal


Roda de cadeiras, todos sentados. Não mais que dez; no fundo a pequena plantação de alface. Boas vindas, abraços, saudações. Fim de ano, desejo de parar e pensar no tempo. “Falei com meu filho por telefone”, diz Fida, a mais baixinha, com mania de piscar o olho direito. João agradece por ter sido acolhido pela assistente social e encaminhado ao albergue. Animado, gosta de falar frases de encorajamento. Custódio é simples de raciocínio, mas ninguém duvida de que o que ele deseja é correto e justo. “Que Deus ilumine os caminhos de todos”. Cíntia, bondosa, parece que nesta altura da vida deseja a paz mais que tudo. Cansou de discórdia. Vem de Fão as respostas mais inteligentes, mas cabe a ele também os comentários mais bobos, às vezes de escárnio.

Longe de elucubrações filosóficas sobre o tempo, ao olharem para o ano que finda, há um misto de incompreensão e de descoberta. Eles incompreendem uma linha do começo ao fim que possa ligar os fatos e dar (pelo menos) um pouco de sentido à vida. Mas sabem reconhecer muito bem acontecimentos e circunstâncias especiais, que lhes afetaram diretamente – mais para o bem do que para o mal.

E agora que miram seus olhos para o ano que chega, são esperançosos. Querem um trabalho digno, um “barraco”, casar, reencontrar o filho, cura, ganhar na loteria, paz e alegria para todos…

Para quem já fracassou tanto na vida – e de fato eles chegam ao fim dela – é surpreendente esperar algo mais do que simplesmente sobreviver. Pois querem. E pelo menos neste momento de encontro e conversa, expressam o desejo (se falso ou não) de entender os alegres caminhos de Deus nos sofridos descaminhos da vida. Mesmo que porventura falso, não deixa de ser um desejo, um anseio por reconhecimento de que ele – até mesmo ele – pode ter pensamentos sublimes, bons.

Este grupo de homens e mulheres, de meia idade, sem casa, abrigados no albergue municipal, que lutam contra vícios, feridas emocionais e pela sobrevivência física, me ensina que o tempo não é uma linha reta, fácil de ser delimitada ou racionalizada. Ele é vívido tanto quanto for minha maneira de encarar a vida, o momento da caminhada. Seja com as mãos cheias (de conhecimento, dinheiro, bens, família, fé), seja com as mãos vazias (de reconhecimento, de gente que nos ama, de sucesso, de recursos materiais). Mais que isso, importa olhar na face (imaginária) do tempo e enxergar o rosto de Deus, o Senhor dos caminhos, ensinando-nos bondosamente a contar nossos dias para que alcancemos corações sábios (Sl 90.12).

Nota
Os nomes citados são fictícios.
Publicado previamente em http://ultimato.com.br/sites/fatosecorrelatos/2011/12/27/os-alegres-caminhos-de-deus-nos-sofridos-descaminhos-da-vida/

LISSÂNDER DIAS Casado, jornalista, é editor de web da Editora Ultimato. Colabora também na área de comunicação com a Rede Evangélica Nacional de Ação Social (RENAS). É um dos organizadores do livro Uma Criança os Guiará. Seu blog pessoal é www.ultimato.com.br/sites/fatosecorrelatos

sábado, 24 de dezembro de 2011

O dia em que vi Deus



Por Frei Betto

Natal é a "despapainoelização" do espírito. É quando o coração torna-se manjedoura e, aberto ao outro, acolhe, abraça e acarinha. Violenta-se quem faz da festa do Menino Jesus uma troca insana de mercadorias. Quantas ausências nesses presentes!

Em pleno verão, nos trópicos, o corpo empanturra-se de nozes e castanhas, vinhos e carnes gordas, sem que se faça presente junto àqueles que, caídos à beira do caminho, aguardam um gesto samaritano.

Ainda criança, em Minas, aprendi com meus pais a depositar junto ao presépio a lista de meus sonhos. Nada de pedidos a Papai Noel. No decorrer do advento, eu engordava a lista: a cura de um parente enfermo; um emprego para o filho da lavadeira; e a paz no mundo.

Meu pai insistia para que eu registrasse meus sonhos mais íntimos. Aos 8 anos, escrevi: "Quero ver Deus". Minha mãe ponderou: "Não basta Nossa Senhora, como as crianças de Fátima?". Não, eu queria ver Deus Pai. Nem imagens dele eu encontrava nas igrejas, que exibem, de sobejo, ícones de Jesus e pombas que evocam o Espírito Santo.

Na tarde de 25 de dezembro, meus pais levaram-me a um hospital pediátrico. Distribuímos alegria e chocolate às crianças, vítimas de traumas ou tomadas pelo câncer e por outras enfermidades. Fiquei muito impressionado com um menino de 6 anos, careca.

Na saída, mamãe indagou-me: "Gostou de ver Deus?". Fiquei confuso: "Só vi crianças doentes", respondi. Então ela me ensinou que a fé cristã reconhece que todos os seres humanos são imagem e semelhança de Deus. Por isso é tão difícil ver Deus. Pois não é fácil encarar a radical sacralidade de todo homem e de toda mulher.

Aos poucos entendi que o modo de comemorar o Natal forma filhos consumistas ou altruístas. E descobri que Deus é tanto mais invisível quanto mais esperamos que Ele entre pela porta da frente. Sorrateiro, Ele chega pelos fundos, via um sem-terra chamado Abraão; um revolucionário, de nome Moisés; um músico com fama de agitador, Davi; uma prostituta, Raab; um subversivo conhecido por Jeremias; um alucinado, Daniel; um casal de artesãos que, recusado em Belém, ocupa um pasto para trazer o Filho à vida: Maria e José.

No Evangelho de Mateus (25, 31-46) Jesus identifica-se com quem tem fome e sede, é doente ou prisioneiro, oprimido ou excluído. Aqueles que para os "sábios" são a escória da sociedade, para Deus são os convidados ao banquete do reino.

Desde então aprendi que Natal é todo dia, basta abrir-se ao outro e à estrela que, acima das mazelas deste mundo, acende a esperança de um futuro melhor. Sonhar com um mundo em que o Pai Nosso transpareça na grande festa do pão nosso. Pois quem reparte o pão partilha Deus.

Frei Betto, 56, frade dominicano e escritor, é assessor de movimentos sociais e pastorais e autor do romance sobre Jesus "Entre Todos os Homens" (Ática), entre outros livros.
Texto extraído do jornal Folha de S. Paulo 24/12/2000

domingo, 18 de dezembro de 2011

Maria e o Chato


Por Eduardo Nunes

Pedro, meu sobrinho, quando tinha 5 anos, sentenciou: - “Dudu, você é chato”.
Pedro tem razão. E um chato que honre este título é chato até com o Natal. Não me entenda mal. Eu gosto de Natal. Gosto do clima todo. Divirto-me em ver shopping-center cheio pela TV. Desfruto da moleza do calor úmido do fim de ano. Aprecio a sensação de pausa mundial. Gosto da quebra simbólica que parece zerar tudo. Começar novamente. O clima de “ reset game” me consola.

Gosto do Natal, não gosto da imagem. Implico (sou chato, lembra?) com a típica mensagem do natal, com o recall da marca. A idéia cândida da ocasião. Os sininhos pra cá. As estrelinhas pra lá. Com o “todos os seus sonhos se realizem trololó”, “tudo o que você merece, tralalá”. Afinal, todo mundo é filho-de-deus bla bla", "bate o sino pequenino de Belém, blen, blen.

Minha chatice implica com as imagens do natal exclusivamente sereno. Com a trilha sonora do coral afinado de anjos. Com o brilho, os dourados e o glitter. Antipatizo com a natureza estilizada, domada na falsa árvore e na deslocada neve de algodão.
Isto sem falar na minha bronca especial, já conhecida: o forçado bonachão Papai-Noel. Sempre sorrindo. Bem alimentado. Entre um ho-ho-ho e outro, distribui presentes aos que foram bonzinhos. E exclui rebeldes e desobedientes. O Natal reduzido a presentes de uma cultura onde todos nos achamos credores merecidos de um universo que existe para nos fazer felizes.

Nada contra um clima bucólico, vez por outra. Mas, o "Natal de Maria" mostra que há mais. Revela uma mensagem ausente de nossos cartões de final de ano. Sim, Maria teve um natal só dela. Em bom português de marketing: Um “Private Christmas Event” rsrsrs. Uns meses antes da famosa cena da manjedoura. A primeira expressão dela sobre o Natal, o nascimento do salvador.

Uma jovem em seus 15, 16 anos. Uma adolescente nos parâmetros de hoje. Grávida, prometida, mas ainda solteira. Longe de sua cidade, na casa da prima, também grávida. Tempo para pensar. Primeira gravidez. Anjos com mensagens cifradas. Seria aceita por José? O que significava o filho que carregava? Promessas e dúvidas.

Ela vê Deus irromper literalmente dentro de si. Não se sente sozinha, nem triste. A criança a faz a mulher mais bem-aventurada, feliz do mundo. Profundamente grávida de alegria.

No canto conhecido como Magnificat (da primeira palavra, em latim), Maria descreve o seu sentimento natalino. E o que é o Natal de Maria? Não é anúncio de superficialidades nem tapinhas nas costas. É um natal que lida com os temas profundos da história: o poder, a opressão, a dor, a impotência e a esperança.

No canto de Maria, não existe um deus neutro, nem amiguinho de todos. A mensagem de Natal de Maria não dá ibope. Não gera consensos. Anuncia: - “Perdeu, playboy”. Não é uma boa notícia para todos. Os ricos não ganham presentes, são despedidos de “mãos vazias”. Reis são derrubados. A mensagem desagradará aos muitos herodes. Despertará a ira assassina dos que se beneficiam da injustiça.

O Natal de Maria anuncia a Justiça. E isto é briga. Deus levanta o braço, pesa a mão. Não há acordo com o mal. Não há trégua com a opressão. Não há paz possível entre “orgulhosos e humildes”. A paz anunciada pelo menino não é uma banal “sala de espera confortável”. É a paz da Justiça.

Maria se alegra com a justiça de um Deus que irrompe na história, dela e do mundo. Natal do anúncio da bênção através de uma mulher, jovem, moradora de uma cidade pequena, na beira de um reino dependente, na periferia de um império em crise.

O Natal de Maria é o dos pequenos, anuncia a esperança da transformação pelo avesso de uma sociedade perversa. Os indigentes são os VIPs. O louco é o sábio. O impuro é o santo. Não é o natal do trenó, de renas de nariz cintilante, nem das carruagens. É o Natal do jumento. No presépio de Maria, reis só cabem se ajoelhados diante do menino, esvaziados dos seus palácios e submetidos ao cheiro do estábulo. Só tem lugar para os que seguem uma estrela e não para os que querem ser seguidos.

O "Natal de Maria" não é um show, está mais para uma revolução. É o anúncio de Alegria, Esperança e Justiça. É um convite à transformação de tod@s, até de um chato como eu.

Um Natal de Maria para tod@s nós.

Magnificat (Evangelho de São Lucas, Capítulo1)
E Maria disse: Minha alma glorifica ao Senhor,
meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador,
porque olhou para sua pobre serva. Por isto, desde agora, me proclamarão bem-aventurada todas as gerações,
porque realizou em mim maravilhas aquele que é poderoso e cujo nome é Santo.
Sua misericórdia se estende, de geração em geração, sobre os que o temem.
Manifestou o poder do seu braço: desconcertou os corações dos soberbos.
Derrubou do trono os poderosos e exaltou os humildes.
Saciou de bens os indigentes e despediu de mãos vazias os ricos.
Acolheu a Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia,
conforme prometera a nossos pais, em favor de Abraão e sua posteridade, para sempre.

sábado, 10 de dezembro de 2011

O advento da humildade


Por Tim Keller

A humildade é tão tímida! Se começamos a falar sobre ela, já não existe mais. Se nos perguntarmos 'sou humilde?', já não o somos mais.

Inúmeros teólogos, estudiosos e admiradores ressaltam as circunstâncias humildes do nascimento de Jesus: entre pastores, num tosco estábulo, um cocho servindo de berço. Quando Jesus tentou resumir por que as pessoas deveriam tomar a sua cruz ao segui-lo, disse que era por ele ser manso e humilde (Mt 11:29). Raramente, no entanto, exploramos todas as implicações da humildade radical de Jesus para nosso viver diário.

A humildade é crucial aos cristãos. Só podemos receber Cristo por meio da mansidão e humildade (Mt 5:3,5; 18:3,4). Jesus humilhou-se a si mesmo e foi exaltado por Deus (Fl 2:8-9); portanto, a alegria e a força por meio da humildade é a verdadeira dinâmica da vida cristã (Lc 14:11; 18:14; I Pe 5:5).

O ensino parece simples e óbvio. O problema é que precisamos de muita humildade para entender a humildade e de muito mais para resistir ao orgulho que vem tão naturalmente com a discussão deste assunto.

Estamos num terreno escorregadio, pois a humildade não pode ser alcançada diretamente. Uma vez que nos tornamos conscientes do veneno do orgulho, começamos a percebê-lo ao nosso redor, tanto nos tons sarcásticos e peçonhentos das colunas de jornais e blogs quanto nos nossos vizinhos e alguns amigos ciumentos, autopiedosos e ostensivos.

Então prometemos não falar ou agir dessa forma. Se percebermos “uma modesta mudança de atitude” em nós mesmos, imediatamente nos tornamos presunçosos – mas isso é o orgulho em nossa humildade. Se nos pegamos fazendo a mesma coisa de novo, ficaremos particularmente impressionados com quão sugestivos e sutis nos tornamos.

A humildade é tão tímida! Se começamos a falar sobre ela, já não existe mais. Se nos perguntarmos “sou humilde?”, já não o somos mais. Examinar nosso próprio coração, até por orgulho, geralmente nos leva a ter orgulho de nossa diligência e circunspecção.

A humildade cristã não significa pensar menos em si. É pensar menos de si, como tão memoravelmente disse C.S. Lewis. É não ficar o tempo todo observando a si próprio ou como você está se saindo com alguma coisa ou de que forma está sendo ameaçado. É um “auto-esquecimento abençoado”.

A humildade é subproduto de crermos no evangelho de Cristo. No evangelho, temos uma confiança não baseada em nosso desempenho, mas no amor de Deus em Cristo (Rm 3:22-24). Isso nos liberta de ter de ficar sempre nos avaliando. Porque Jesus teve de morrer por nós, colocamo-nos abaixo de nosso orgulho. Porque Jesus teve prazer em morrer por nós, amamo-nos além da necessidade de provar qualquer coisa a nós.

Graça, não benevolência – Corremos riscos quando discutimos sobre a humildade, pois a religião e a moralidade inibem a humildade. É comum na comunidade evangélica conversar sobre o ponto de vista mundano – um conjunto de crenças básicas e promessas que permeiam a maneira como vivemos em cada circunstância. Outros preferem o termo “identidade narrativa”. É um conjunto de respostas às perguntas “quem sou eu? O que é a minha vida? Por que estou aqui? Quais são as principais barreiras que me impedem de me sentir pleno? Como posso lidar com essas barreiras?”.

Há duas identidades narrativas básicas em voga entre os que professam ser cristãos. A primeira é o que chamo de identidade narrativa de desempenho moral: as pessoas que dizem do fundo de seus corações “eu obedeço, portanto, sou aceito por Deus”. A segunda é o que vou chamar de identidade narrativa da graça. O princípio básico dessa operação é “sou aceito por Deus por meio de Cristo, portanto, obedeço”.

As pessoas que vivem sobre as bases desses dois princípios diferentes podem superficialmente se parecerem iguais. Podem se sentar bem ao lado uma da outra num banco de igreja, esforçando-se para obedecer à lei de Deus, orar, dar dinheiro generosamente, ser bom com os membros familiares. Mas, no fundo, estão fazendo por motivos radicalmente diferentes, com inspirações radicalmente diferentes, resultando em caracteres de personalidade radicalmente diferentes.

Quando as pessoas que vivem baseadas numa narrativa de desempenho moral são criticadas, ficam furiosas ou devastadas, porque não conseguem tolerar as ameaças às suas auto-imagens de serem “boas pessoas”.

No evangelho, nossa identidade não é construída sobre esse tipo de imagem e temos um peso emocional de ter que lidar com a crítica sem dar o troco. Quando as pessoas vivem firmadas na narrativa de desempenho moral, baseiam seu valor próprio por serem trabalhadoras ou teologicamente irrepreensíveis e, então, precisam desprezar aquelas que são consideradas preguiçosas ou teologicamente fracas.

Mas há aqueles que entendem que, de acordo com o evangelho, não se pode desprezar ninguém, pois foram salvas por pura graça, não por suas doutrinas perfeitas ou forte caráter moral.

O fedor do moralismo – Outra marca da narrativa de desempenho moral é a constante necessidade de encontrar falhas, vencer argumentos e provar que todos os seus oponentes não estão somente enganados, mas são traidores desonestos. No entanto, quando o evangelho é compreendido profundamente, nossa necessidade de vencer argumentos é dispensada e nossa linguagem se torna graciosa. Não precisamos ridicularizar nossos oponentes e passamos a lidar com eles respeitosamente.

As pessoas que vivem baseadas na narrativa de desempenho moral se valem de um humor sarcástico e farisaico ou não têm nenhum senso de humor. Lewis fala de “uma concentração sisuda sobre si próprio, que é a marca do inferno”. O evangelho, entretanto, cria um senso gentil da ironia. Encontramos motivos para rir, a começar pelas nossas fraquezas. Elas já não nos ameaçam mais, pois nosso valor derradeiro não está baseado em nossos recordes ou bons desempenhos.

Um discernimento básico de Martinho Lutero foi que o moralismo é um defeito do coração humano. Mesmo os cristãos que acreditam no evangelho da graça em primeira instância podem continuar a operar como se tivessem sido salvos por seus próprios méritos. Em “O grande pecado”, na obra Cristianismo puro e simples, Lewis escreve: “Se achamos que a nossa vida religiosa está nos fazendo sentir que somos bons – e acima de tudo, que somos melhores que os outros – creio que podemos ter a certeza de estar agindo não de acordo com Deus, mas com o diabo”.

Graça e humildade que nos levam a esquecer de nós mesmos deveriam ser as coisas preliminares a distinguir os cristãos de muitos outros tipos de pessoas morais e decentes do mundo. Mas acho que é justo dizer que a humildade, principal marca diferenciadora do cristão, está muito em falta na igreja. Os não crentes, ao detectar o fedor do moralismo, vão embora.

Alguns podem dizer “o farisaísmo e o moralismo não são nossos maiores problemas culturais no momento. Nossos problemas são a liberdade e o antinomianismo. Não há necessidade de falar sobre a graça o tempo todo para pós-modernizar as pessoas”. Mas as pessoas pós-modernas têm rejeitado o cristianismo durante anos, achando que não é diferente do moralismo. Somente se você mostrar-lhes que há uma diferença – o que eles rejeitaram não era o verdadeiro cristianismo – talvez, então, elas comecem a ouvir novamente.

Renove sua humildade aqui – Esse é o ponto em que o autor deve apontar soluções práticas. Não tenho nenhuma. Aqui vão os porquês.
Primeiro, o problema é muito grande para soluções práticas. A ala da igreja que está mais preocupada com a perda da verdade e com comprometimentos é, na verdade, infame em nossa cultura por seu farisaísmo e orgulho. Entretanto, há muitos em nossos círculos que, reagindo ao que eles entendem por arrogância, desviam-se das muitas doutrinas protestantes clássicas (como Justificação Legal e Reparação Substitutiva) que são cruciais e insubstituíveis – e também dos melhores recursos possíveis para a humildade.

Segundo, falar diretamente sobre maneiras práticas de se tornar modesto, tanto a indivíduos como comunidades, é sempre um tiro pela culatra. Afirmei que as principais alas da igreja evangélica estão erradas. Então quem sobra? Eu? Estou começando a pensar que somente poucos, os poucos felizes, alcançaram o equilíbrio de que tanto a igreja precisa? Acho que estou ouvindo algo murmurando em meus ouvidos: “sim, apenas você pode realmente ver as coisas com clareza”.

Realmente espero esclarecer, ou nem teria escrito sobre esse assunto. Mas não há maneira de se começar a falar às pessoas sobre como se tornar modesto sem destruir os fragmentos de humildade que elas possam já possuir.

Terceiro, a humildade só é alcançada como um produto derivado do entendimento, da crença e do maravilhamento sobre o evangelho da graça. Mas o evangelho não nos modifica de modo mecânico. Recentemente, ouvi um sociólogo dizer que, para a maior parte, as estruturas de significado para as quais direcionamos nossas vidas estão tão profundamente intrínsecas em nós que operam “pré-refletivamente”. Não existem apenas como uma lista de proposições, mas também como temas, motivos e atitudes.

Quando ouvimos o evangelho sendo pregado ou meditamos nas escrituras, estamos sendo levados tão profundamente aos nossos corações, imaginações e pensamentos que começamos a instintivamente “viver” o evangelho.

Então vamos pregar sobre a graça até que a humildade comece a crescer em nós.

Tim Keller é pastor da Igreja Presbiteriana Redeemer em Manhattan, Nova York, e autor de The Reason for God.

Copyright © 2011 por Christianity Today International

sábado, 3 de dezembro de 2011

Silêncio de todos os tipos


Por Esther Carrenho

"Que saibamos silenciar quando falar não for conveniente."

Há vários tipos de silêncio. Alguns são tidos como sábios. Outros, como necessários para se alcançar a maturidade emocional e espiritual. Mas há também silêncios que revelam dificuldades e bloqueios que podem trazer prejuízo – tanto para quem silencia como para aqueles que vivem ao redor daquele que não se expressa.

O primeiro desses silêncios, e no caso um silêncio prejudicial, é aquele de quem silencia por medo, embora precise falar e tenha o que dizer. Medo de errar, de ofender, de não ser aceito, de sofrer punição. Tal dificuldade em romper o silêncio pode ser conseqüência de várias situações decorrentes da fase de formação do indivíduo. Muitos filhos são proibidos de falar pelos pais. Não podem expressar suas opiniões e idéias; são obrigados a obedecer sem nenhuma explicação e não têm permissão para questionar. Se insistem, são punidos. E ainda há aqueles que são criticados pela forma, pelo tom de voz, pelo ritmo ou pelo jeito com que falam, sendo até ridicularizados por meio de zombarias. Pessoas assim precisam se conscientizar de que cresceram, tornaram-se adultos e podem agora expressar seus pensamentos e desejos.

O segundo tem a ver com a avaliação que cada pessoa faz de si. Muitos se abstêm de falar porque têm vergonha das suas ideias, do que pensam; acreditam que o que têm a dizer não tem valor. Gente assim vive num tipo de esconderijo, ainda que no meio de um ajuntamento. Por causa da autoavaliação distorcida que fazem a respeito de si mesmas, se omitem, não participam e não revelam o potencial e o valor que possuem. Agindo assim, não se mostram, e em muitas situações a habilidade que possuem não é vista. Deixam, portanto, de cooperar para possíveis transformações no ambiente em que vivem.

Um outro tipo de silêncio é aquele que surge quando o assunto a ser abordado é tão dolorido e difícil de ser expressado que a pessoa não consegue falar. A dor emocional é tão grande que só lhe resta silenciar, sufocada. Tal sofrimento é o resultado de alguma mágoa, ofensa, experiência ou uma situação não resolvida da sua história. A melhor forma de vencer este bloqueio é lidar, em primeiro lugar, com as memórias doloridas de que se tem lembrança. Ou seja, é necessário, antes de tudo, expressar toda a fala referente àquele assunto para tornar possível um esvaziamento da dor acumulada. Nesse processo, o indivíduo terá a oportunidade de fortalecer seus recursos internos e expressar o que tem em mente, sem se deixar engolir pela mudez emocional.

O quarto tipo de silêncio é aquele que surge como retaliação ao interlocutor. Trata-se de situação comum entre cônjuges ou membros de uma mesma família ou grupo de pessoas próximas. A pessoa sabe que devia falar, mas silencia como punição ao outro. O uso da vingança pelo silêncio impede que a comunicação se estabeleça na solução de diferenças, conflitos e ofensas entre as pessoas que convivem entre si. E a consequência é óbvia – os problemas que prejudicam o relacionamento não são resolvidos.

Mas há também o silêncio, que chamo de sábio, que surge por simples escolha. Muitas pessoas sabem o que falar, acreditam em si mesmas e não têm medo do interlocutor, mas ainda assim escolhem silenciar – ou porque julgam que o momento não é adequado para se expressar, ou porque temem que o que for falado será usado como arma contra elas mesmas. Isso, sem falar naquelas situações em que o falante percebe que seus ouvintes não estão interessados no que ele tem, pode e sabe falar. Quantos de nós já não passaram pela situação incômoda de perceber que ninguém à nossa volta dá a mínima atenção ao que dizemos e que o melhor seria nem ter começado o assunto?
O último tipo de silêncio é aquele de quem não se preocupa se tem ou não o que falar; apenas silencia para escutar o outro, ao mesmo tempo em que escuta também a si mesmo. Rubem Alves, em seu livro O amor que acende a lua, escreve exatamente sobre isso. Diz o escritor que há muitos cursos sobre oratória, mas nenhum de nós se preocupa em aprender a arte de escutar. O apóstolo Tiago já nos alertava, em sua epístola, para sermos “prontos para ouvir e tardios para falar”. E os escritores do Antigo Testamento, em várias ocasiões, usam o termo hebraico shemah em relação ao convite que Deus faz ao povo de Israel para escutá-lo. Ora, não se pode escutar nada de não houver silêncio.

Que possamos nos expressar livre e corajosamente quando se fizer necessário em toda e qualquer situação. Mas que possamos, também, escolher o silêncio para ouvir da melhor maneira possível – e, principalmente, que saibamos silenciar quando falar não for conveniente.
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