Caros amigos e amigas, este blog é um meio que encontrei de compartilhar artigos, textos, reflexões bíblicas sobre a vida e os desafios de se por em prática aquilo que cremos. Boa leitura!
sábado, 13 de agosto de 2011
As Vozes dos Pais
Por Daniel Sampaio
Numa sociedade em rápida mudança, com os adolescentes a socializarem-se fora do quadro tradicional de referência (família e escola) e a viverem experiências novas que os adultos desconhecem (Internet), vale a pena os pais lutarem para que a sua voz seja ouvida? Estou convicto que sim e digo mais: nunca, como agora, é crucial que não desistam, porque a sua possível perda de influência pela chegada da "segunda família" deve levar a novas formas de comunicar e de educar.
O tema foi-me sugerido no debate que se seguiu ao lançamento de mais dois livros de Pedro Strecht , "Final feliz" e "Gosto de ti como és" ( Editora Assírio & Alvim). Nessa altura falei das vozes dos pais juntos dos filhos nos dias de hoje e, sem querer simplificar as ideias lá expostas por vários participantes, resolvi trazê-las para aqui.
A melhor voz dos pais deve ser baixa. É difícil e pouco oportuno gritar o amor e esse deve continuar a ser o sentimento predominante entre pais e filhos. Quantas discussões acabariam mais depressa se todos se habituassem a não gritar e a expressar os seus pontos de vista de modo firme, mas calmo! Depois, convém que seja a voz da não repetição. Ditas as coisas uma vez, não interessa massacrar: ninguém muda só porque houve muitas vezes o mesmo ralho ou a mesma recomendação. Na interacção com filhos adolescentes, os pais repetem sem cessar directrizes educativas que sabem já não ser eficazes; e os filhos respondem com promessas que sabem à partida não ir cumprir.
E a voz do exemplo, claro. A coerência dos pais é vital: se o comportamento dos pais for o oposto do que recomendam o êxito será pouco provável. Se o pai consome haxixe o seu discurso "anti-drogas" será inútil. Não esquecer a voz do poder: sempre que estiver em causa a saúde e a segurança dos filhos, não há que hesitar, não é o momento de negociar! E aí deve entrar a voz da segurança: a imaturidade de muitos pais e a sua identificação romântica com os filhos ao transformá-los em amigos, com o consequente apagamento do fosso intergeracional, tem conduzido a famílias sem limites internos, onde ninguém sabe o seu papel, nem as barreiras que deve respeitar.
A voz da disciplina, na família e na escola, tem de se fazer ouvir a cada momento: não a disciplina do passado, baseada no medo e na sistemática humilhação dos mais novos, mas a disciplina construída através de uma relação de respeito mútuo, a ter como objectivo fundamental não o castigo ofensivo, mas a reconciliação futura e, sobretudo, a experiência do reconhecimento do erro e a procura de alternativas de comportamento.
Há vozes dos pais boas e más, os leitores que perdoem esta linguagem simplista. São vozes más as que fomentam a intriga (por exemplo, quando os pais recolhem informações nos amigos às escondidas dos filhos), a inveja, a culpa ou a acusação. Quando os pais projectam nos filhos os sentimentos negativos que estão a sentir em relação a outras pessoas e os acusam de coisas que só na aparência dizem respeito aos mais novos. Ou quando os pais, dominados pelos seus próprios sentimentos de insegurança, deitam a sua própria fraqueza para cima dos filhos inquietos. São vozes boas: " deves fazer o melhor possível, mas não te inquietes se não fores o melhor"; ou "põe-te no lugar do outro" (a perda deste sentimento do outro é característica de muitas crianças e adolescentes actuais, habituadas a uma gratificação imediata e incapazes de sair da sua posição de autocontemplação). Outra voz boa poderá ser: "vais conseguir, se te esforçares com persistência", porque o incentivo ao esforço continuado é um dos êxitos seguros na educação. E também é uma voz boa " pensa antes de agir": sobretudo os adolescentes agem muitas vezes sem reflectir, nesta sociedade "sensorial" que fomenta o constante sentir em vez de pensar. A frase dos nossos avós " vê lá até onde podes ir" mantém toda a actualidade!
Perante as dúvidas, a indisciplina e insegurança de tanta gente nova, a resposta só pode ser uma: a voz coerente de mais adultos.
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Daniel Sampaior nasceu em Lisboa, em 1946. Médico, especialista de Psiquiatria, coordena no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, o Núcleo de Estudos do Suicídio, destinado ao atendimento de jovens em risco de suicídio. O seu trabalho tem sido caracterizado por uma especial atenção aos problemas da adolescência, tendo conduzido muitas sessões de trabalho com professores,
pais e alunos das escolas básicas e secundárias. É autor de vários livros, entre os quais se destacam: "Inventem-se Novos Pais" (1994), "Voltei à Escola" (1996) e, mais recentemente, "Tudo o que Temos cá Dentro" (2000).
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