sábado, 14 de maio de 2011

Uma história por trás da história


Por Marcos Feitosa


(Lucas 17:11-19)

Ah, o senhor é o doutor que anda ouvindo as histórias da pessoas que estiveram com Jesus de Nazaré?!… Lucas, não é? Me falaram do senhor. Sim, eu estive com ele.

Sim, é também verdade: fui leproso. Vivia isolado de todos. Mas o que mais me doía era estar distante de minha esposa e filha. Sabe, eu amo minha família. Eu e minha esposa vivemos durante muito tempo sem filhos. Quase dez anos. Fizemos de tudo: tomamos ervas, fomos uma vez a Jerusalém pedir ao sumo-sacerdote uma benção especial. Fazíamos promessas e nada.

Até que um dia escutei numa sinagoga a história de Ana. Ouví que quando uma pessoa abre o coração a Deus e conta seus problemas ele ouve a oração do aflito. Seguimos o exemplo de Ana. Minha esposa me diz que naquela mesma noite ela concebeu. Eu não entendo estas coisas de mulher, mas acredito nela.

O senhor não sabe com que alegria vivemos os nove meses antes do nascimento de nossa filha. Eu confesso que esperava um filho, mas quando ví Rebecca, a amei imediatamente. Eu a ví crescer, dar os primeiros passos, o primeiro sorriso. O senhor não tem idéia da alegria que sentí quando a ouví chamar “papai” pela primeira vez.

E de repente, a tragédia.

As manchas. Eu não acreditava: aquilo não podia estar acontecendo comigo. Mas estava. Daí em diante foi uma tristeza só. Confirmada a lepra, fui pronunciado impuro e tive que afastar-me da minha família. Minha filha, ainda pequena, não entendeu porque o pai se afastava. Aquilo me destroçava o coração.

Muita vezes, no início, eu passava pela porta de minha casa só com a esperança de ver minha filha. Até que os vizinhos descobriram e aí ficou impossível.

Comecei a viver só. Mas a vida solitária é muito difícil. Fui viver com os outros leprosos numa caverna nos arrebaldes da cidade. Eu era o único samaritano, mas na desgraça, eles não se importaram muito. O senhor não tem idéia de como é ser leproso. Minha vida de homem havia cessado, a menos que me envolvesse com uma leprosa, e isso eu não queria. Minha esposa vinha ver-me constantemente, até que eu a proibí de acercar-se. Uma vez por mês ela vinha e trazia minha filha e eu as via de longe. Aqueles eram os melhores e piores momentos de minha vida.

Depois de uns cinco anos leproso, a gente perde a esperança. Depois de dez, só resta esperar a morte. Eu vegetava, esperava morrer.

Até que nos falaram dele.

Diziam que ele ensinava maravilhosamente. Comentavam que ele tinha curado pessoas. Comentavam até que tinha ressuscitado mortos. Fomos, eu e meus companheiros uma vez ouví-lo. O que me impressionou nele foi sua voz, calma e firme.

Creio que o escutá-lo, aliado às conversas sobre suas curas, fez nascer em mim algo morto há muito tempo: a esperança. Decidí ir procurá-lo e outros se juntaram a mim.

Éramos dez. Isso nos dava segurança. Fomos pelas trilhas nas montanhas porque soubemos que ele estava indo na direção de Jerusalém. Paramos numa aldeia chamada Sidon.

Dois dias depois ele chegou. Ficamos numa pequena elevação na margem do caminho de entrada na aldeia. Uma pequena multidão o seguia. Aí algo muito forte tomou conta de mim e sentí que poderia ser curado. Então comecei a gritar o mais alto que podia o que costumava dizer nas minhas orações a Deus no início da lepra. Não achei que estivesse blasfemando. Ele poderia ser o Mashiah, por que não? Gritei: “Jesus, filho de Daví, tem misericórdia de nós!” Os outros companheiros pararam e me olharam e talvez porque eu disse “nós” em vez de “mim”, todos se uniram a passaram a gritar em uníssono o mesmo que eu.

Alguns se viraram para ver o que era. E aí ele nos viu. Os meus amigos me disseram que não perceberam, mas estou certo que o ví sorrir. E lá de baixo, ele nos falou. Para nossa frustração, ele simplesmente disse que devíamos nos mostrar aos sacerdotes. “Para que?” disseram meus companheiros, “Para que nos pronunciem impuros outra vez?” Caminhamos de volta, tristes. E de repente, veio à minha mente que havia uma outra razão para um leproso se apresentar aos sacerdotes: quando estivesse limpo!

Falei isso aos outros com tanto entusiasmo que resolvemos caminhar na direção de Jerusalém. Foi aí que algo extraordinário aconteceu. Sabe, lepra não é algo que só os outros percebem. A gente sente também. Uma ausência na periferia do corpo, uma espécie de sentir que não sentimos. E de repente, sentí meus dedos, minha pele, o contato da roupa, a consciência do meu corpo. Ai, que sentimento, doutor!… A sensação de estar outra vez em casa, de estar no corpo da gente…

Olhei para minhas mão e gritei: “Estou curado!”. Os outros fizeram o mesmo. Aí foi uma festa. Saímos todos em desabalada carreira na direção de nossas casas. Eu só pensava em minha esposa e filha.

E de repente um pensamento. A alegria de voltar à minha casa depois de treze anos, só fora possível por causa do Nazareno. Só Deus podia dar presente desta ordem. E aí, por mais que eu morresse de vontade de ver minha família, tinha de agradecer-lhe. Voltei para a aldeia.

E ao entrar, logo o ví. Ninguém mais precisava me dizer quem ele era. Era mesmo o Mashiah. Cheguei junto dele e me prostrei. Nem me importei com as pessoas. Ele me sorriu e pondo suas mãos sobre minha cabeça, perguntou onde estavam os outros. Respondí. E ele se voltando disse que só eu, um samaritano, tinha voltado para agradecer-lhe. Toque e reconhecimento público. Foi demais para um dia só. Ele me disse que minha fé me salvara. Eu sabia, sentia isso.

Não sei se minha história interessa ao Senhor, doutor Lucas, mas escreva isso. Minha vida e a de minha família não são mais as mesmas depois que o encontrei. E olhe: se o senhor quiser saber mais o que aconteceu depois, e do que significou sua presença entre nós, apareça hoje à noite aqui na minha casa.
Como?! Mesmo?! O senhor também é seguidor dele? Então me dê lá um abraço!

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