por Ricardo Gondim
Eu não acredito que alguém possa achar a felicidade. Vou tentar explicar. Por muito tempo, embarquei na ideia de que a felicidade significava um estado de gozo, alegria ou, sei lá, que conduziria as pessoas a um nirvana terrestre.
Por volta dos quarenta anos, imaginava a felicidade como um retorno. Feito um Marcel Proust, busquei recuperar o tempo de meus verdes anos; quis reviver aventuras inconsequentes, idealismos quixotescos e fantasias onipotentes. Revirei gavetas em busca de antigas fotografias, voltei ao riacho onde pesquei lambaris com papai. Nessa jornada, tornei-me um arqueólogo ensandecido, caçando tesouros. Porém, quanto mais procurei, mais descobri escombros. Minha cidade, amores, fantasias, estavam cobertos de pó. Constatei que me tornava mais melancólico, e minha tristeza ficou proporcional à minha recusa de deixar o passado em sua sepultura.
Fui me tornando introspectivo, e a felicidade insistia em se distanciar de mim. Procurei, então, avivar a fé. Pensei: “Ninguém melhor do que Deus para fazer-me feliz”. Reli os Salmos, mudei de autores, refiz meu momento devocional e focalizei em espiritualidades diferentes. Inútil. Quanto mais me aproximei de Deus, mais me angustiei com os miseráveis, com a morte de adolescentes no tráfico e com o sofrimento das mães de excepcionais.
Mas, alucinado com a promessa de ser feliz, não poupei esforços. Tentei blindar o coração das dores alheias. Imaginei ser feliz repetindo a máxima sartreana: “O inferno são os outros”. “O egocentrismo”, pensei, “não é de todo ruim, pois preciso me precaver das mesquinharias e dos atropelamentos alheios”. O pior aconteceu!
Desconfiado e protegido por fossos, não encontrei amigos para repartir alegrias.
Fiz da felicidade uma obsessão, sem desistir, mesmo com a proximidade da velhice. Como aumentavam as chances de contrair doenças graves, tive pressa. Convivi com a morte de meus pais, despedi-me de amigos e encarei a minha decadência inevitável.
Mas a felicidade insistia em se afastar. Com urgência, acabei ansioso. Semelhante ao soldado que dispõe de duas horas para o descanso – percebe cada minuto e fica tão nervoso que não relaxa.
Tornei-me um goleiro que escolhe o canto errado na hora do pênalti. Tentei voltar do lado que oponara e, por mais que me contorcesse, não alcançava a felicidade. Nesse contrapé, confrontei o senso comum da felicidade.
Descobri que ela é passageira e, por isso, tão preciosa. Quem tentar segurá-la se frustrará. A felicidade se dá num momento impreciso; é tão frágil que se esgarça, tão volátil que evapora, tão efêmera que vira pó; só tem permanência na memória.
Somos felizes à medida que guardamos o que um dia nos marcou. A felicidade não passa de cheiros que lembram pessoas e lugares inesquecíveis; é um de já vu que ressuscita eventos submersos; é conversa de amigos narrando casos.
Descobri que a felicidade é subproduto, nunca um fim; ela não pode ser meta existencial. Ela é desdobramento da virtude, borboleta que pousa suavemente nos ombros de quem ama a bondade, defende a justiça e cultiva a solidariedade; não se esconde no pé do arco-íris, não espera numa praia paradisíaca e não escolhe os bem-sucedidos.
Felizes os que se deitam exaustos depois de cumprirem seus deveres; que emprestam o ombro para os aflitos, que padecem pela justiça e que se arriscam pela paz.
Iludi-me com uma felicidade que só aconteceria se me mantivesse ingênuo, se me condenasse à ignorância e anestesiasse a alma. A felicidade convive com a tensão. Por isso, é melhor a angústia à alienação, a dúvida à certeza, a tensão ao descaso, a incoerência à intolerância.
Quero aprender a ser bondoso mesmo que isso custe a minha felicidade. Jesus abriu mão de sua prerrogativa de ser feliz para perdoar os pecadores. Mesmo que os religiosos o tenham assassinado, seu gesto salvou multidões. Caso acompanhe suas pegadas, vou sentir-me realizado e não importa se serei feliz.
Soli Deo Gloria.
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