sábado, 13 de novembro de 2010

O deserto de Elias


por Marcos Soares

Amigos, outro personagem que viveu um momento de deserto foi o profeta Elias. Ele vinha de uma acachapante vitória contra os profetas de Baal, aos quais havia desafiado de uma maneira corajosa e ousada no monte Carmelo. Num ato de fé descomunal, ele faz cair fogo do céu que consome seu altar, enquanto os idólatras nada conseguem com suas conjurações demoníacas. Ocorre que este triunfo no monte acabou por desencadear uma perseguição feroz da parte da rainha pagã Jezabel (que havia casado com Acabe). Centenas de profetas do Senhor foram mortos. Elias então, assustado e com medo de ser ele mesmo assassinado, fugiu para o deserto. Chegou ali, depois de caminhar um dia inteiro, sentou-se debaixo de um arbusto e pediu para morrer. Ele não agüentava mais. Estava cansado, desanimado, temeroso. Dormiu. Leia os detalhes desta história em I Reis capítulos 18 e 19. Para resumir, Elias ficou quarenta dias vagando por aquele deserto, até chegar ao monte Horebe.

Os acontecimentos daqueles dias são bastante didáticos. Após o atingir o ápice do seu ministério, Elias estava enfrentando agora a realidade mencionada por Tiago a respeito da sua vida: ele era um homem semelhante a nós. Ele enfrentou sentimentos que eu enfrento. Teve medos que eu tenho. Pensou em desistir de tudo como eu já pensei. Quis ficar sem ver a cara de ninguém, como muitas vezes eu fiquei. Achou que só ele estava preocupado em ser fiel, como algumas vezes já achei. E aí o deserto de Elias começa a fazer sentido para mim, porque à semelhança de Moisés, Elias saiu dele bem diferente do que entrou.

Desertos vêm depois de vitórias retumbantes. A depender de alguns fatores, como a nossa personalidade, capacidade de resistência a fortes emoções e estresse, entre outros, algumas pessoas podem se esgotar fortemente após grandes realizações para Deus. É normal. Apesar de que a atitude de Elias em fugir e se esconder não estava totalmente correta (como Deus mesmo lhe disse), era compreensível. Desertos são o primeiro lugar para onde queremos ir quando percebemos que o mundo se virou contra nós, apesar e por causa de estarmos fazendo exatamente o que Deus queria que fizéssemos naquele momento. As conquistas extraordinárias que o Senhor nos permite desfrutar não são garantia de que estaremos sempre cobertos de louros, recebendo homenagens em festas de “Os Melhores do Ano”. Muitas vezes elas nos levam a confrontar interesses poderosos, tradições perigosas e mentes fossilizadas. A reação, na maioria das vezes, não é nos aplaudir, mas desembainhar sua espada e sair correndo atrás de nós e de todos aqueles que viram sentido no que Deus fez.
Desertos são lugares solitários, mas que não escapam do cuidado de Deus. Quando acordou depois da primeira noite naquele lugar inóspito, havia uma mesa de café da manhã posta para o profeta. O garçom era um anjo. Estava tudo tão bom, que ele comeu, bebeu, virou para o outro lado e dormiu de novo. O anjo o chamou de novo e o animou para continuar a caminhada, que seria longa. Deus não tinha perdido Elias do seu radar. Deus não estava alheio aos acontecimentos. Ele sabia que Elias precisava de força física para suportar o que vinha pela frente e providenciou o necessário para supri-lo. Que bom saber que o Senhor não esquece de nós, mesmo nos dias em que parece que até o próximo pedaço de pão vai faltar.

Desertos nos levam a encontros inusitados com Deus. Quem de nós tentaria achar Deus numa caverna? Pensamos em encontrá-lo num templo cristão, num acampamento evangélico, num retiro espiritual, no nosso quarto de oração. Numa caverna não. Já houve quem o encontrasse na cabana, mas na caverna, não. A bem da verdade, não foi Elias quem encontrou o Senhor. Foi o Senhor quem bondosamente foi atrás dele ali, sabendo e compreendendo graciosamente o delicado momento em que seu profeta se encontrava. Encontrou-o ali no escuro para revelar-se a ele de forma única. No fundo da caverna, uma pergunta transformadora: “Que fazes aqui, Elias”? Elias tinha lá suas razoes para estar ali. Para ele, elas eram mais do que justificáveis. Mas Deus tinha outra opinião. O Senhor o leva para a entrada da caverna e faz passar diante de seus olhos uma grande tormenta. As pedras rolam monte abaixo, as paredes rochosas da caverna estremecem. Depois vem um terremoto medonho. Depois um fogo. Diz o texto que Deus não estava em nenhuma dessas manifestações. Seu poder foi manifesto, mas ele não estava ali. Só depois dos espetáculos, num cicio tranqüilo, é que Deus fala ao coração do profeta. Que experiência! Só que já passou por ela sabe descrever o que Elias sentiu naquela hora.

Desertos afinam nosso autoconceito de compromisso com Deus. Foi no deserto que Elias descobriu que havia 7.000 remanescentes em Israel, que não haviam dobrado seus joelhos a Baal. Gente que estava escondida, discreta e clandestina, mas cujo coração era fiel a Deus. Enquanto Elias está ali, achando que ninguém mais está preocupado em servir a Deus e que todo mundo virou idólatra, Deus lhe faz ver que tem gente que, apesar de se manter anônimo, acabava mostrando mais coragem. Afinal, eles estavam lá no meio do povo, enquanto o fiel e ortodoxo profeta estava escondido no deserto.

Desertos precedem escolhas importantes. Logo após sair desse período desértico e solitário, Elias teve duas escolhas. Tudo bem que uma delas, a escolha do novo rei de Israel, Jeú, foi feita pelo próprio Deus. Mas a outra ficou por sua conta: escolher Eliseu para ser o seu sucessor. Eliseu veio a se tornar um dos maiores profetas de toda a história de Israel. Só fez menos milagres registrados na Bíblia do que Jesus. Bendito seja o deserto que fez Elias lembrar desse moço. Seu ministério foi além, em vários aspectos, do próprio ministério de Elias.

Gostaria mais uma vez de dizer que os desertos são maravilhosos. Continuo achando que são lugares terríveis. O valor que eles tem a oferecer não é o conforto, a segurança ou a boa vida. Nada disso acontece por lá. Seu inestimável valor está nas experiências únicas e inesquecíveis que vivemos neles.

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