Por Ed René Kivitz
"Deus sabe o que é padecer"
"Se o céu existe, Deus tem muito que explicar". Essa afirmação do Robert De Niro faz eco em meu coração. Também experimento o incômodo de deixar Deus sub judice diante do sofrimento humano. Não me conformo diante das injustiças da vida. O argumento de que todos somos maus e em última análise ninguém mereceria ser poupado do mal não me satisfaz. Sou daqueles que acreditam que coisas ruins acontecem às pessoas boas e acalentam silenciosos uma certa contrariedade quando coisas boas acontecem às pessoas ruins. Acredito, sim, que no mundo existe gente boa e gente ruim. E também acredito que a maioria das pessoas não merece a tragédia que sofre.
O casal que perde o filho recém nascido, o adolescente que fica tetraplégico após um displicente mergulho na piscina do clube, a mulher que se vê mutilada pelo câncer, o pai de família que percorre as ruas na indignidade do desemprego e que, por vergonha ou por caráter - as duas coisas, não sabe nem mesmo esmolar, são situações cotidianas que me fazem dormir mal sob o peso do veredicto: Deus tem mesmo muito que explicar.
Mas trago no coração duas outras certezas que me apaziguam a alma, me dão coragem para viver e me animam à solidariedade, ainda que tímida e não poucas vezes insuficiente. O céu existe. Não sei como é. Não sei onde fica. Não sei quando acontece. Mas que existe, existe. Este mundo não é a realidade definitiva. O presente estado das coisas não é a versão final da obra de Deus. Uma coisa é o mundo em que vivemos. Outra, o mundo em que viveremos eternamente. E a respeito das coisas que acontecem neste mundo e não deveriam acontecer, e que não acontecerão no mundo vindouro, Deus já se explicou. Deus se pronunciou em alto e bom som, há mais de dois mil anos, na cruz do Calvário, onde foi morto Jesus de Nazaré, o Cristo, unigênito de Deus.
A tradição cristã afirma que "Deus prova seu amor para conosco em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores". Quem duvida do amor de Deus deve olhar para o Calvário. No dia em que o sofrimento se agiganta e a visão do amor de Deus fica ofuscada pelas lágrimas da dor quase insuportável, a cruz do Calvário é o grito apaixonado de Deus. John Stott disse que na cruz de Cristo Deus justifica não apenas a humanidade, mas justifica a si mesmo. Na cruz de Cristo, Deus se levanta diante de todos os que o acusam de ser injusto, tirano, indiferente ao sofrimento e à dor humanas, e pronuncia a sentença de inocência sobre si mesmo. A cruz de Cristo é a prova irrefutável do amor de Deus.
Na cruz de Cristo há quatro afirmações que provam o amor e definem a inocência de Deus. Na cruz de Cristo Deus é declarado inocente porque se solidariza com as vítimas do mal e da malignidade. Através da morte de Jesus Cristo, seu Filho, Deus afirma "O mal também me feriu", "O sofrimento chegou também à minha casa", "As lágrimas pelo padecimento injusto também rolam dos meus olhos", "Eu e as vítimas do mal e da malignidade somos um".
Aqueles que imaginam que o Deus que "habita em luz inacessível" vive confortavelmente no ar condicionado do céu, enquanto suas criaturas penam contra o diabo na terra do sol, estão absolutamente enganados. Deus tem a cara suja pelas lágrimas que borram seu rosto sofrido com a dor de cada um dos seus filhos por adoção e do seu unigênito. Na cruz de Cristo Deus sofre conosco. Sofre por nós. Sofre em nosso lugar. Deus sabe o que é padecer. Seu Filho é homem de dores. Ovelha muda entre seus sanguinários tosquiadores. Na cruz de Cristo Deus atravessou não apenas o vale da sombra da morte. Atravessou a própria morte.
Na cruz de Cristo Deus é declarado inocente porque não é contato entre os promotores do mal, mas entre os que sofrem os danos da malignidade. Na cruz de Cristo Deus afirma "Não olhem para mim como se eu ordenasse o mal", "Quando estiver sofrendo, não me conte entre os que lhe causam a dor", "Na cruz, eu não batia pregos na mão de ninguém. Na cruz, a mão sob os pregos ferozes era a minha". Quase posso escutar Deus dizendo à mãe que chora a filha atropelada: "Não me tome como quem passou por cima, eu estava em baixo, sendo esmagado sob o peso da borracha negra que me dilacerava a carne e a alma".
Na cruz de Cristo Deus sofre o mal. Na cruz de Cristo Deus é exposto como vítima da malignidade e não como algoz que causa dor e sofrimento. Na cruz de Cristo os verdadeiros promotores da morte são publicamente desmascarados. Cai o pano. E todo mundo pode ver que Deus não está com mãos sujas de sangue inocente. Na cruz de Cristo Deus é a mão inocente que sangra.
Na cruz de Cristo Deus é declarado inocente porque fica evidente que a causa do sofrimento é o pecado da raça humana. Os pecadores estão pensos nas cruzes laterais, mas a crua do meio sustém um inocente. Na cruz de cristo Deus afirma: "Vocês deflagraram o mal", "Vocês abriram a caixa de Pandora", "Vocês soltaram a besta fera", "Vocês macularam o Paraíso". O aviso ainda ecoa pelo universo: "No dia em que pecar, certamente morrerás". A presença da morte é evidência de pecado. E o pecado é responsabilidade da raça. A cruz de Cristo somente se explica porque o pecado que a faz necessária. Naquele dia em que Deus provava seu amor para conosco éramos de fato ainda pecadores.
Na cruz de Cristo Deus é declarado inocente porque é o que morre, e não o que mata. Na cruz de Cristo pende o justo morrendo a morte dos injustos. O veredicto está lançado: há pecado, pois que haja morte. O salário do pecado é a morte, disse o apóstolo. A justiça do Deus três vezes santo há que ser satisfeita. Deus está diante de seu dilema eterno: matar ou morrer. E sua opção é definitiva, desde antes da criação do mundo: morrer. Na cruz de Cristo Deus faz sua escolha e anuncia sua disposição de amor absoluto: se alguém tem que morrer para que a justiça volte a brilhar no universo maculado pela culpa da raça humana, que viva a raça e que morra eu-Eu.
O primeiro dos dilemas é criar ou não criar. O segundo é criar com liberdade ou sem liberdade. O terceiro é assumir o ônus da liberdade ou deixar este ônus nas mãos da criatura. Deus faz as escolhas que o machucam, que lhe causam dor, que o fazem sofrer, que o diminuem. Simone Weil diz que "Deus e todas as suas criaturas é menos do que Deus sozinho". Deus escolhe criar. Escolhe criar um ser livre, pois não fosse livre não seria à imagem do Criador. E escolhe arcar com ônus da liberdade que concede à sua criatura. Na cruz de Cristo está deus, dando ao rebelde o direito de existir. Na cruz de Cristo está Deus entregando a sua vida, voluntariamente, em favor dos pecadores. O mal deflagrado pela raça levanta sua sombra sobre o trono de Deus. E Deus se levanta como um Cordeiro que se doa, pois escolhera morrer, em detrimento de matar. Na cruz de Cristo está o Deus que morre para que todos tenham vida, vida completa, abundante vida.
Fonte: IBAB
Caros amigos e amigas, este blog é um meio que encontrei de compartilhar artigos, textos, reflexões bíblicas sobre a vida e os desafios de se por em prática aquilo que cremos. Boa leitura!
sábado, 27 de novembro de 2010
sábado, 20 de novembro de 2010
O deserto de João Batista
por Marcos Soares
Amigos, houve um outro sujeito bastante interessante que conviveu com um deserto pela sua vida toda. Uma das figuras mais excêntricas em toda a Bíblia, de quem pouco se fala e a respeito de quem os detalhes fornecidos são capazes apenas de relacioná-lo com aquele típico profeta estraga-prazeres. Suas vestes eram fora de moda e rústicas. Sua dieta, um tanto esquisita. Ele cresce e ministra no deserto (Lc 1:80). Ele tem uma vida frugal e no mínimo diferente. Lembra muito o Elias do Velho Testamento, por seus modos não convencionais e pela coragem de denunciar os podres dos palácios. Aliás, assim ele é escatologicamente identificado pelo próprio Senhor Jesus (v.14), de quem também recebe o título de “o maior nascido de mulher”.
Este João, quando lhe perguntavam quem era, tinha uma resposta direta e objetiva, na ponta da língua: “sou apenas uma voz”. Importante para a nossa reflexão é que esta voz clamava justamente no deserto. Apesar de suas credenciais extremamente elevadas, ele nunca pretendeu ser mais do que isso. Nem mesmo quando os outros tentaram a fazê-lo (Jo 1:19-23). Tinha uma missão bem definida e concentrou todos os seus esforços para cumpri-la. Viveu e ministrou isolado e solitário. Sim, há muitas e boas lições a respeito do deserto na vida de João Batista.
Desertos não preparam celebridades. Primeiro porque elas não gostam do ostracismo. Elas precisam estar na mídia. Quem quer a luz das câmeras apontada para si não pode ir para o deserto. Elas não o alcançarão ali. Depois de viver e crescer nesse ambiente rude e solitário, João Batista, o maior de todos os profetas estava pronto para dizer: “Convém que ele cresça e eu diminua” (João 3:30). A julgar pelos títulos cada vez mais criativos e pomposos, os atuais “profetas” preferiram a versão do “convém que ele cresça e eu apareça”. Talvez esteja falando um pouco de deserto para essas versões modernizadas de profetas.
Desertos deixam uma marca precisa sobre o valor do tempo e da vida (Mt 3:1,2). João Batista tinha isso como base da sua mensagem (“Arrependei-vos porque o tempo está próximo”), além de ter entrado e saído de cena na hora exata. Ele era um arauto, alguém que precedia o Rei. Uma vez feito o seu serviço, ele ficou na dele. Passou o bastão e os discípulos que tinha e não teve medo de apresentá-los a Jesus: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” foi a senha para que todos entendessem claramente que o seu ministério tinha chegado ao fim. Sem crise, sem ciúmes, sem ressentimentos. Era a prova de que ele tinha aprendido no deserto que as coisas tem que acontecer no momento certo.
Desertos preparam pessoas dispostas a não negociar valores eternos (Mt 14:3-5). Quem vive e trabalha no deserto, depois de tudo que passou ali, saberá manter-se forte o suficiente para não se dobrar diante dos mais poderosos (Mc 6:20). O deserto forja um caráter provado e uma estrutura forte. Desertos geram mais do que idealistas ou visionários. Desertos geram pessoas com convicções inabaláveis. Não tente subornar quem foi criado no deserto, porque vai se dar mal. Vai ouvir o que não quer e mais um pouco.
Pois é. Os desertos fizeram parte da vida de gente importante. Desertos foram a moldura, árida, inóspita, cruel até, mas que abrigou verdadeiros tesouros. Não tenho procuração para falar em nome de nenhum desses personagens. Apenas imagino que se algum deles tivesse a opção, antes de conhecer o fim da história, de viver em um ambiente refrigerado, com comida farta, cama confortável, piscina aquecida e coberta, rodeado de mimos e bons amigos ou viver num deserto, é possível que eles tivessem ficado com a primeira opção. Digo isso porque penso que seria também a minha escolha. Também não quero falar em seu nome mas, cá entre nós, tenho forte impressão de que também seria a sua. Ninguém escolhe o caminho mais difícil. Não é natural.
Acontece que, como diria o antigo hino de William Cowper. “Deus se move de maneiras misteriosas” e sabe melhor do que qualquer um de nós quais são os efeitos da vida mansa e fácil sobre o espírito humano. Para formar um grande homem de Deus que, para citar o escritor Gene Getz, não aparece de repente, são necessários alguns fatores que os desertos podem oferecer. Foi assim que aconteceu com esses homens que analisamos rapidamente nas últimas semanas.
Se desertos fizeram parte da vida desses gigantes, por que não fariam parte das nossas? A menos que a gente se contente a manter as coisas como estão e continuar nossa vidinha sem sustos e sem alterações significativas.
Amigos, houve um outro sujeito bastante interessante que conviveu com um deserto pela sua vida toda. Uma das figuras mais excêntricas em toda a Bíblia, de quem pouco se fala e a respeito de quem os detalhes fornecidos são capazes apenas de relacioná-lo com aquele típico profeta estraga-prazeres. Suas vestes eram fora de moda e rústicas. Sua dieta, um tanto esquisita. Ele cresce e ministra no deserto (Lc 1:80). Ele tem uma vida frugal e no mínimo diferente. Lembra muito o Elias do Velho Testamento, por seus modos não convencionais e pela coragem de denunciar os podres dos palácios. Aliás, assim ele é escatologicamente identificado pelo próprio Senhor Jesus (v.14), de quem também recebe o título de “o maior nascido de mulher”.
Este João, quando lhe perguntavam quem era, tinha uma resposta direta e objetiva, na ponta da língua: “sou apenas uma voz”. Importante para a nossa reflexão é que esta voz clamava justamente no deserto. Apesar de suas credenciais extremamente elevadas, ele nunca pretendeu ser mais do que isso. Nem mesmo quando os outros tentaram a fazê-lo (Jo 1:19-23). Tinha uma missão bem definida e concentrou todos os seus esforços para cumpri-la. Viveu e ministrou isolado e solitário. Sim, há muitas e boas lições a respeito do deserto na vida de João Batista.
Desertos não preparam celebridades. Primeiro porque elas não gostam do ostracismo. Elas precisam estar na mídia. Quem quer a luz das câmeras apontada para si não pode ir para o deserto. Elas não o alcançarão ali. Depois de viver e crescer nesse ambiente rude e solitário, João Batista, o maior de todos os profetas estava pronto para dizer: “Convém que ele cresça e eu diminua” (João 3:30). A julgar pelos títulos cada vez mais criativos e pomposos, os atuais “profetas” preferiram a versão do “convém que ele cresça e eu apareça”. Talvez esteja falando um pouco de deserto para essas versões modernizadas de profetas.
Desertos deixam uma marca precisa sobre o valor do tempo e da vida (Mt 3:1,2). João Batista tinha isso como base da sua mensagem (“Arrependei-vos porque o tempo está próximo”), além de ter entrado e saído de cena na hora exata. Ele era um arauto, alguém que precedia o Rei. Uma vez feito o seu serviço, ele ficou na dele. Passou o bastão e os discípulos que tinha e não teve medo de apresentá-los a Jesus: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” foi a senha para que todos entendessem claramente que o seu ministério tinha chegado ao fim. Sem crise, sem ciúmes, sem ressentimentos. Era a prova de que ele tinha aprendido no deserto que as coisas tem que acontecer no momento certo.
Desertos preparam pessoas dispostas a não negociar valores eternos (Mt 14:3-5). Quem vive e trabalha no deserto, depois de tudo que passou ali, saberá manter-se forte o suficiente para não se dobrar diante dos mais poderosos (Mc 6:20). O deserto forja um caráter provado e uma estrutura forte. Desertos geram mais do que idealistas ou visionários. Desertos geram pessoas com convicções inabaláveis. Não tente subornar quem foi criado no deserto, porque vai se dar mal. Vai ouvir o que não quer e mais um pouco.
Pois é. Os desertos fizeram parte da vida de gente importante. Desertos foram a moldura, árida, inóspita, cruel até, mas que abrigou verdadeiros tesouros. Não tenho procuração para falar em nome de nenhum desses personagens. Apenas imagino que se algum deles tivesse a opção, antes de conhecer o fim da história, de viver em um ambiente refrigerado, com comida farta, cama confortável, piscina aquecida e coberta, rodeado de mimos e bons amigos ou viver num deserto, é possível que eles tivessem ficado com a primeira opção. Digo isso porque penso que seria também a minha escolha. Também não quero falar em seu nome mas, cá entre nós, tenho forte impressão de que também seria a sua. Ninguém escolhe o caminho mais difícil. Não é natural.
Acontece que, como diria o antigo hino de William Cowper. “Deus se move de maneiras misteriosas” e sabe melhor do que qualquer um de nós quais são os efeitos da vida mansa e fácil sobre o espírito humano. Para formar um grande homem de Deus que, para citar o escritor Gene Getz, não aparece de repente, são necessários alguns fatores que os desertos podem oferecer. Foi assim que aconteceu com esses homens que analisamos rapidamente nas últimas semanas.
Se desertos fizeram parte da vida desses gigantes, por que não fariam parte das nossas? A menos que a gente se contente a manter as coisas como estão e continuar nossa vidinha sem sustos e sem alterações significativas.
sábado, 13 de novembro de 2010
O deserto de Elias
por Marcos Soares
Amigos, outro personagem que viveu um momento de deserto foi o profeta Elias. Ele vinha de uma acachapante vitória contra os profetas de Baal, aos quais havia desafiado de uma maneira corajosa e ousada no monte Carmelo. Num ato de fé descomunal, ele faz cair fogo do céu que consome seu altar, enquanto os idólatras nada conseguem com suas conjurações demoníacas. Ocorre que este triunfo no monte acabou por desencadear uma perseguição feroz da parte da rainha pagã Jezabel (que havia casado com Acabe). Centenas de profetas do Senhor foram mortos. Elias então, assustado e com medo de ser ele mesmo assassinado, fugiu para o deserto. Chegou ali, depois de caminhar um dia inteiro, sentou-se debaixo de um arbusto e pediu para morrer. Ele não agüentava mais. Estava cansado, desanimado, temeroso. Dormiu. Leia os detalhes desta história em I Reis capítulos 18 e 19. Para resumir, Elias ficou quarenta dias vagando por aquele deserto, até chegar ao monte Horebe.
Os acontecimentos daqueles dias são bastante didáticos. Após o atingir o ápice do seu ministério, Elias estava enfrentando agora a realidade mencionada por Tiago a respeito da sua vida: ele era um homem semelhante a nós. Ele enfrentou sentimentos que eu enfrento. Teve medos que eu tenho. Pensou em desistir de tudo como eu já pensei. Quis ficar sem ver a cara de ninguém, como muitas vezes eu fiquei. Achou que só ele estava preocupado em ser fiel, como algumas vezes já achei. E aí o deserto de Elias começa a fazer sentido para mim, porque à semelhança de Moisés, Elias saiu dele bem diferente do que entrou.
Desertos vêm depois de vitórias retumbantes. A depender de alguns fatores, como a nossa personalidade, capacidade de resistência a fortes emoções e estresse, entre outros, algumas pessoas podem se esgotar fortemente após grandes realizações para Deus. É normal. Apesar de que a atitude de Elias em fugir e se esconder não estava totalmente correta (como Deus mesmo lhe disse), era compreensível. Desertos são o primeiro lugar para onde queremos ir quando percebemos que o mundo se virou contra nós, apesar e por causa de estarmos fazendo exatamente o que Deus queria que fizéssemos naquele momento. As conquistas extraordinárias que o Senhor nos permite desfrutar não são garantia de que estaremos sempre cobertos de louros, recebendo homenagens em festas de “Os Melhores do Ano”. Muitas vezes elas nos levam a confrontar interesses poderosos, tradições perigosas e mentes fossilizadas. A reação, na maioria das vezes, não é nos aplaudir, mas desembainhar sua espada e sair correndo atrás de nós e de todos aqueles que viram sentido no que Deus fez.
Desertos são lugares solitários, mas que não escapam do cuidado de Deus. Quando acordou depois da primeira noite naquele lugar inóspito, havia uma mesa de café da manhã posta para o profeta. O garçom era um anjo. Estava tudo tão bom, que ele comeu, bebeu, virou para o outro lado e dormiu de novo. O anjo o chamou de novo e o animou para continuar a caminhada, que seria longa. Deus não tinha perdido Elias do seu radar. Deus não estava alheio aos acontecimentos. Ele sabia que Elias precisava de força física para suportar o que vinha pela frente e providenciou o necessário para supri-lo. Que bom saber que o Senhor não esquece de nós, mesmo nos dias em que parece que até o próximo pedaço de pão vai faltar.
Desertos nos levam a encontros inusitados com Deus. Quem de nós tentaria achar Deus numa caverna? Pensamos em encontrá-lo num templo cristão, num acampamento evangélico, num retiro espiritual, no nosso quarto de oração. Numa caverna não. Já houve quem o encontrasse na cabana, mas na caverna, não. A bem da verdade, não foi Elias quem encontrou o Senhor. Foi o Senhor quem bondosamente foi atrás dele ali, sabendo e compreendendo graciosamente o delicado momento em que seu profeta se encontrava. Encontrou-o ali no escuro para revelar-se a ele de forma única. No fundo da caverna, uma pergunta transformadora: “Que fazes aqui, Elias”? Elias tinha lá suas razoes para estar ali. Para ele, elas eram mais do que justificáveis. Mas Deus tinha outra opinião. O Senhor o leva para a entrada da caverna e faz passar diante de seus olhos uma grande tormenta. As pedras rolam monte abaixo, as paredes rochosas da caverna estremecem. Depois vem um terremoto medonho. Depois um fogo. Diz o texto que Deus não estava em nenhuma dessas manifestações. Seu poder foi manifesto, mas ele não estava ali. Só depois dos espetáculos, num cicio tranqüilo, é que Deus fala ao coração do profeta. Que experiência! Só que já passou por ela sabe descrever o que Elias sentiu naquela hora.
Desertos afinam nosso autoconceito de compromisso com Deus. Foi no deserto que Elias descobriu que havia 7.000 remanescentes em Israel, que não haviam dobrado seus joelhos a Baal. Gente que estava escondida, discreta e clandestina, mas cujo coração era fiel a Deus. Enquanto Elias está ali, achando que ninguém mais está preocupado em servir a Deus e que todo mundo virou idólatra, Deus lhe faz ver que tem gente que, apesar de se manter anônimo, acabava mostrando mais coragem. Afinal, eles estavam lá no meio do povo, enquanto o fiel e ortodoxo profeta estava escondido no deserto.
Desertos precedem escolhas importantes. Logo após sair desse período desértico e solitário, Elias teve duas escolhas. Tudo bem que uma delas, a escolha do novo rei de Israel, Jeú, foi feita pelo próprio Deus. Mas a outra ficou por sua conta: escolher Eliseu para ser o seu sucessor. Eliseu veio a se tornar um dos maiores profetas de toda a história de Israel. Só fez menos milagres registrados na Bíblia do que Jesus. Bendito seja o deserto que fez Elias lembrar desse moço. Seu ministério foi além, em vários aspectos, do próprio ministério de Elias.
Gostaria mais uma vez de dizer que os desertos são maravilhosos. Continuo achando que são lugares terríveis. O valor que eles tem a oferecer não é o conforto, a segurança ou a boa vida. Nada disso acontece por lá. Seu inestimável valor está nas experiências únicas e inesquecíveis que vivemos neles.
sábado, 6 de novembro de 2010
O deserto de Moisés
Por Marcos Soares
Amigos, há muitos anos comprei um CD do Don Francisco (Come Away), em cuja capa ele mencionava o fato de que o deserto foi muito importante na vida de grandes homens de Deus. Abraão, Jacó, Moisés, Davi, Elias, João Batista, Elias, Felipe são alguns exemplos. Desde então venho meditando nessa verdade, vez por outra mencionando-a nesta coluna. Já percebeu como esses cidadãos foram afetados por esses momentos de aridez, solidão, reflexões profundas e muito sol na jaca?
O deserto é pedagógico. Não foi à toa que Deus levou essa galera acima da média para uma temporada de areia e calor. O importante não é ver porque nem como eles entraram, mas como foi que eles saíram dele. Veja o caso de Moisés. Aos quarenta anos, ele achou que estava pronto para a vida, que sabia tudo e que podia tornar-se um grande libertador. Tinha noção exata da sua origem, era forte como um touro, bem treinado na arte da guerra, influente e justo. Mata o egípcio, porque oprimia a um do seu povo e esconde-o na areia. Quando a coisa aperta, ele foge. Para onde? Para o deserto de Midiã. Ali, além de arrumar um casamento, arrumou também um emprego cruel (comparado à vida de príncipe candidato ao trono da maior potência mundial de seus dias, o fabuloso Egito): cuidar de ovelhas no escaldante solzinho do deserto.
O grande pregador D.L.Moody dizia que Moisés passou quarenta anos achando que ele era alguém; depois passou outros quarenta anos aprendendo que ele não era ninguém; finalmente viveu quarenta anos vendo o que Deus é capaz de fazer com um ´ninguém´. Sempre achei isso fantástico.
O deserto “baixa a nossa bola”. Quando o encontramos aos oitenta anos, não conseguimos mais ver os traços da prepotência anteriormente registrada. Quarenta anos afastado do brilho dos holofotes e das festas do palácio tinham tornado Moisés um homem que tinha dificuldade até para se comunicar. Há quem afirme que o “ser pesado de língua” signifique nada menos do que gagueira. O homem tinha perdido a capacidade de falar normalmente. Imaginem o príncipe outrora engomado agora com a pele grossa, turbante na cabeça e gago. Nada no meio das riquezas e glamour do Egito poderia ter feito com que ele baixasse a bola. O deserto conseguiu. Levou quarenta anos, mas conseguiu.
O deserto ajusta nossa perspectiva do tempo. Afinal, acredite, quarenta anos no deserto demoram muito, mas muito mais do que quarenta anos no palácio! São os mesmos anos de 365 dias, mas a sensação térmica torna cada dia muito mais longo. Quanto valem quarenta anos num deserto? Deve chegar uma hora em que o tempo não passa mais. Tudo vira uma coisa só. Todo dia é o mesmo sol, a mesma sede, a mesma solidão, o mesmo tudo. São tempos em que esperar pelo amanhã chega a ser difícil. Dias melhores não são esperados. Apenas dias iguais. E assim, vivendo um dia depois do outro, assando os miolos sob o sol de zênite, tudo fica tão parecido que quando uma sarça começa a arder sem se queimar, não tem como não ser notada. Se estivesse no palácio, Moisés poderia ter pensado que era só uns fogos de artifício da próxima festa de Faraó. No deserto, onde impera a monotonia de dias arrastados, vira um acontecimento único e espetacular.
O deserto pode ser um santuário. Quando Moisés se aproxima da sarça, Deus manda que ele tire as surradas sandálias de pastor de ovelhas e explica: “este lugar agora é terra santa”. Mas há alguns instantes não era. Era apenas um lugar onde ovelhas pastavam. Quando Deus se manifesta, a aridez do deserto vira um templo de glória, onde se tem que pisar com respeito e reverência. E pode ter certeza: se quando estamos nos palácios da vida não damos muita importância para isso, depois de quarenta anos no deserto, a gente se prostra com o rosto em terra e fica com medo até de levantar a cabeça, porque a experiência é indescritível, inesquecível e incomparável.
Posso confessar? Gostaria de dizer que desertos são desafiadores e atraentes. Gostaria de prometer que não há nada mais gostoso na vida do que viver anos a fio debaixo do sol implacável, longe da água fresca e do conforto, com uma umidade relativa do ar abaixo dos 20%. Gostaria de garantir que as noites, pelo menos, são curtas e amenas. Mas aí vem um frio desgraçado. Tem bicho perigoso, serpente, escorpião e feras. Desertos são terríveis e desesperadores. Desertos são o pior lugar do mundo para se viver. Ninguém tira férias no deserto, a não ser que consiga levar uma estrutura móvel que lhe permita enfrentar as adversas circunstâncias. Nossos amigos não nos visitam, nem telefonam nem mandam e-mail para lá. A coisa é tão complicada que a gente não fica sabendo de nada, nem quando nossos inimigos mortais morrem primeiro que nós, como foi o caso do Faraó que já não podia mais perseguir Moisés, porque já estava no sarcófago.
A questão é que do palácio saem bad-boys e do deserto saem grandes homens de Deus. Do palácio saem sucessores de Faraó e do deserto saem servos que podem conduzir o povo de Deus a grandes conquistas. Do palácio sai gente fazendo justiça com as próprias mãos e do deserto sai um homem com as tábuas da perfeita lei de Deus. O negócio, então, é pedir graça e misericórdia para que a gente consiga suportar o deserto da vida sem murmurar, sem desistir, sem xingar e sem escapar pelos fundos.
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