segunda-feira, 28 de junho de 2010

Procuram-se amigos

Por Ricardo Gondim

Quando eu era menino, mamãe me aconselhava a tomar cuidado com os meus amigos. Depois, quando cresci mais, meu pai repetiu para mim o surrado provérbio: “Dize-me com quem andas e te direi quem és”. Não consigo avaliar se consegui obedecer-lhes, mas, por outros motivos, venho trocando de amigos.

Cheguei à meia-idade bem decepcionado com a palavra “amizade”. Como reluto para não tornar-me cético, busco andar ao lado de verdadeiros amigos, porém, isso não é fácil.

Por causa da internet, consegui encontrar um companheiro bem antigo, que imaginei ser um bom amigo. Eu havia perdido o contato com ele há alguns anos. Redigi uma mensagem cheia de afetos e saudade e supliquei-lhe que retomássemos nossos vínculos. Acrescentei que anelava por companhia. Ele agradeceu a minha “carta eletrônica” e propôs que, daquele dia em diante, compartilhássemos nossos esboços de sermões. Quase chorei. A última coisa que eu queria dele era o “esqueleto” de suas pregações. Mesmo com tantas decepções, insisto em garimpar bons amigos.

Quero ser amigo de quem valorize a lealdade. Depois que a ditadura militar soltou meu pai, ele continuou estigmatizado como um “subversivo”. Um dia papai me contou, com lágrimas nos olhos, que seus antigos colegas da Aeronáutica desciam a calçada para não se verem obrigados a cumprimentá-lo publicamente. Ainda guardo esse trauma e, sinceramente, não consigo lidar com amizades que só se mantêm por causa de conveniências, qualquer uma. Quero acreditar em amizades que não se intimidam com censuras, que não retrocedem diante do perigo e que não abandonam na hora do apedrejamento. Amigos não desertam.

Quero ser amigo de quem eu não precise me proteger e que não tenha medo de mim. Não creio em companheirismos repletos de suspeitas. Os grandes amigos são vulneráveis. Conversam sem se policiar, rasgam a alma e sabem que seus segredos jamais serão lançados em rosto ou expostos publicamente.

Quero ser amigo de quem não se melindra facilmente. Por mais que tente, continuo tosco; magôo meus amigos com meus silêncios, com minha introspecção e, muitas vezes, com meus comentários ácidos e impensados. Portanto, preciso de amigos que tolerem minhas heresias, minhas hesitações e meus pecados. Busco amizades que agüentem o baque das minhas inadequações. Preciso de amigos teimosos.

Quero ser amigo e não um mero cúmplice de vocação. Já preguei em algumas igrejas da qual – após o pastor ter me deixado na calçada do aeroporto – nunca mais tive notícias. Não quero colocar meu nome em conferências e congressos que me dêem prestígio ou que eu sirva só para reforçar a programação. Não tolero manifestações artificiais de coleguismo restritas a cultos festivos. Para mim, nada é mais ridículo do que ficar proclamando que somos uma “só família” em Cristo para depois sair criticando uns aos outros com farpas venenosas.

Quero ser amigo de quem não contenta em re-encaminhar mensagens re-encaminhadas de power-point da internet. Não gosto de cartões de aniversário com frases prontas e com obviedades. Acredito que os verdadeiros amigos têm o que repartir e que sentem necessidade de expressar seus sentimentos, suas dúvidas e principalmente seus medos e desesperos. Amizades superficiais são mais danosas para o espírito do que inimizades explícitas.

Quero ser amigo de quem não é muito certinho. Não tolero conviver com gente que nunca tropeça nos próprios cadarços, que nunca teve sonho erótico e que mantém a língua sob controle absoluto. Vez por outra, gosto de relaxar, rir do passado, sonhar coisas malucas para o futuro e conversar trivialidades. Quero amigos que se deliciem em ouvir uma mesma música duas vezes para perceber a riqueza da letra; de comentar o filme que acabaram de assistir, o último livro que leram e de, numa mesma conversa, elogiar e espinafrar políticos, pastores, atores, árbitros de futebol e serem capazes de chorar com poesia.

Quero terminar meus dias e poder dizer que, mesmo descrendo das ideologias, dos sistemas econômicos e das instituições religiosas, acredito em verdadeiras amizades porque tive bons amigos. Até porque Deus não só ama, como também nos chamou de amigos.

Soli Deo Gloria.
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Ricardo Gondim é líder da Igreja Betesda no Brasil. Reside e pastoreia uma comunidade em São Paulo. É pai de três filhos e avô de dois netos.

2 comentários:

  1. Recebi esse texto via e-mail e achei perfeito...Coisa dificil hoje ter um AMIGO!
    Parabéns,textos assim dá gosto de lê,lê de novo e en-caminhar...rs!
    Wanessa Fernanda

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  2. Oi Wanessa, eu também fiquei muito impactado quando li pela primeira vez este texto. O Ricardo Gondim tem essa capacidade de nos provocar e fazer que pensemos fora da caixa. Espero que continue desfrutando dos outros textos. Abraços. Joao Helder

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